O resgate do diálogo na sociedade passa pela retomada das relações pessoais presenciais que, a despeito do aparente domínio das redes sociais e da influência de algoritmos, ainda são muito valorizadas. Essa é a visão do psicanalista Christian Dunker que, ao lado da matemática Tatiana Roque, debateram o tema “A cabeça está atrasada em relação à tecnologia? ”, segundo painel da conferência livre “A contribuição das Ciências Humanas e das Humanidades para o desenvolvimento do Brasil”.
Promovido na terça-feira (26/3) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o evento integra as atividades preparatórias para a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), que o Governo Federal realiza em junho, em Brasília, para definir a Estratégia Nacional para o setor nos próximos dez anos.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, questionou os participantes sobre como lidar – desde um ponto de vista mais filosófico e psicológico – com a perda de conexão entre os fatos e suas versões, que vêm levando ao descrédito da ciência. “O que temos hoje é um desentendimento sobre fatos básicos, não existe um acordo, por exemplo, se a Terra é plana ou redonda, nem sequer sobre resultados de votos, quais produtos estão aumentando de preço, quais não estão”, analisou Janine Ribeiro.
Professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Dunker opinou que as pessoas precisam e valorizam cada vez mais os diálogos “não anônimos”, um dado que vem sendo apontado em pesquisas da área da psicanálise. “As pesquisas dizem isso: como você muda essas pessoas que parecem tomadas e possuídas? Por alguém que está próxima delas. É assim que a gente chega nelas. Não é por mais informação, domínio de mídia, mas por laços sociais e presenciais que ainda são muito valorizados”, afirmou.
Tatiana Roque argumentou que os fatos são mediados por valores que, inclusive, assumiram a frente da política. “Fatos não mudam a cabeça de ninguém, ou seja, se a pessoa acredita em uma coisa, não adianta, você pode metralhar fatos, ciência, o que for, ela não muda de opinião”, disse ela, que é Secretária de Ciência e Tecnologia da cidade do Rio de Janeiro e professora titular do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Estado (UFRJ).
Em sua exposição, Roque defendeu a importância da História da Ciência e da Filosofia da História para uma melhor compreensão do cenário atual. “Nesse momento em que a gente lida com negacionismo, com ataque e crise de confiança na ciência, não basta – como nós da comunidade científica fazemos – defender o poder da ciência, a verdade e as certezas. Acho que a gente tem que entender também como, ao longo da história, a ciência conseguiu servir de mediação para questões políticas e por que hoje é justamente esse poder de mediação que está sob ataque”, declarou.
O professor Janine Ribeiro, por sua vez, enfatizou a importância de termos referentes consensuados de dois tipos: um, os fatos, como o resultado das eleições, o preço dos alimentos; outro, alguns valores básicos, como o respeito à vida, o respeito à dignidade humana. E comentou que a falta de acordo sobre eles é o que permite o isolamento de grupos que não mais dialogam, sendo o diálogo uma condição básica não apenas para a democracia, mas para o próprio convívio humano.
Assista à conferência na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência