Celebramos na última terça-feira, 1º de maio, o Dia do Trabalho. Porém, mais que uma celebração, queremos oferecer nesta editoria especial do JC Notícias elementos para uma reflexão sobre o paradoxo das transformações cada vez mais velozes no mundo laboral, por um lado, e a luta contra relações trabalhistas arcaicas, por outro, que perpetuam o cenário de profunda desigualdade em nossa sociedade.
Impulsionado pela Inteligência Artificial (IA), o mercado de trabalho parece empurrar cada vez mais os trabalhadores com menos qualificação formal às margens, e colocam também profissionais bem estabelecidos em uma zona de total desconforto – qual será a próxima atividade a se tornar obsoleta com a super eficiência das máquinas? Ou seja, ninguém está tranquilo! Relatórios recentes do Fundo Monetário Internacional e da Bloomberg Intelligence projetam que a IA impactará cerca de 40% dos empregos globais.
O rápido crescimento desse setor tem elevado a demanda por habilidades relacionadas a essas ferramentas. No Brasil, as vagas de emprego que envolvem ou exigem conhecimentos de IA mais do que triplicaram nos últimos dois anos, refletindo uma tendência global de digitalização das competências profissionais. Uma tendência que exige muita cautela e planejamento. Como bem apontou nesta semana o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, precisamos primeiramente combater a precarização dos empregos para garantir que a tecnologia seja um complemento ao trabalho humano, e não um substituto que desvalorize o suor e o esforço dos trabalhadores.
E neste contexto, a regulamentação do trabalho de motofretistas e motoristas de aplicativos tornou-se um campo fértil para discussões acerca das condições de trabalho, previdência e segurança. Estas profissões, representativas da chamada “uberização”, expõem não apenas os trabalhadores a riscos, mas também oneram o sistema de saúde pública, que tem que arcar com suas consequências. A resistência à sindicalização e a disputa por transparência e remuneração justa são um indicativo da necessidade de reavaliar e elaborar um novo modelo regulatório que reconheça e valorize essas formas contemporâneas de trabalho – aparentemente, um caminho já sem volta.
Também deve ser nossa preocupação a persistente desigualdade no mercado formal de trabalho. A disparidade salarial entre gêneros e a discriminação contra trabalhadores mais velhos, o chamado etarismo, são problemas que necessitam de políticas assertivas. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Relatório Nacional de Transparência Salarial mostram que as mulheres ainda ganham significativamente menos que os homens, especialmente nas profissões intelectuais e científicas, mesmo com maior grau de instrução.
Soma-se a este cenário a crônica exposição de trabalhadores a condições insalubres, agravada pelas mudanças climáticas. Um relatório recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) destacou a necessidade de adaptar nossas políticas e práticas de trabalho para garantir a segurança e a saúde de milhares de profissionais braçais em um clima em transformação. Não podemos nos esquecer das empregadas domésticas: mesmo uma década após a sanção da PEC que regulamentou suas atividades, apenas 23% das mais de 6 milhões de trabalhadoras – 91% desse contingente são mulheres – têm carteira de trabalho assinada no Brasil.
Não podemos celebrar as vitórias dos trabalhadores e as inovações que moldam novas formas de trabalho, sem antes resolvermos as desigualdades e lutarmos por um ambiente de trabalho que seguro, justo e equitativo para todos. É imperativo que as políticas públicas evoluam para não apenas acompanhar as mudanças tecnológicas, mas também para garantir que essas transformações não exacerbem as desigualdades existentes. O futuro do trabalho não pode ser construído sobre as ruínas da equidade e da justiça social. Conforme avançamos, a luta por um trabalho digno e justo continua a ser uma das mais fundamentais e urgentes de nossa era.
Mais que isso: os grandes avanços na produção de bens e serviços – a máquina, há dois séculos e meio, a informática e a Internet, nas últimas décadas – devem beneficiar a maioria, não ameaçá-la. Não há nenhuma razão para que o progresso econômico cause infelicidade, quando pode e deve proporcionar uma vida mais feliz a todos.
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Veja abaixo as notas do Especial da Semana – Trabalho
O Tempo, 01/05/2024 – IA pauta mercado de trabalho e já é três vezes mais exigida em vagas no Brasil
Poder 360, 15/01/2024 – Inteligência artificial afetará 40% dos empregos no mundo, diz FMI
G1, 30/04/224 – Em fala sobre Dia do Trabalho, ministro diz que é preciso lutar contra precarização e que IA e algoritmos não suam como o trabalhador
Jornal da Unicamp, 30/04/2024 – Uberização deteriora saúde de motoboys
Folha de S. Paulo, 01/05/2024 – Motoristas de apps rechaçam sindicatos, criticam hora mínima e pedem transparência
O Globo, 30/04/2024 – Semana de 4 dias: primeiros testes no Brasil indicam aumento da produtividade e redução no estresse
Agência Brasil, 01/05/2024 – Em grandes cidades, deslocamento é drama diário para trabalhador
Correio Braziliense, 01/05/2024 – Etarismo: 86% das pessoas com mais de 60 anos sofrem preconceito no trabalho
Ministério do Trabalho e Emprego, 25/03/2024 – Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, aponta 1º Relatório de Transparência Salarial
G1, 08/03/2024 – Mesmo mais escolarizadas, mulheres ganham 21% menos que homens; desigualdade maior é na ciência, aponta IBGE
Gênero e Número, 30/04/2024 – Trabalhadoras domésticas nas teias do cuidado
OIT – Mudanças climáticas criam graves riscos para a saúde de 70% dos trabalhadores no mundo
Carta Capital, 01/05/2024 – Lucro empresarial mundial cresce 14 vezes mais do que o salário de trabalhadores, aponta a Oxfam
O Globo – Nômades digitais no mundo já somam 35 milhões, e estimativa é que cheguem a 1 bilhão até 2035
BBC, 30/04/2024 – O protesto de operários há 100 anos que levou Brasil a adotar feriado do Dia do Trabalhador
Carta Capital, 01/05/2024 – Trabalhador não é colaborador
O Globo, 01/05/2024 – Hora de discutir o futuro do trabalho