EDITORIAL: Desafios e esperança na Educação Básica brasileira

“Este continua sendo o desafio principal para o País, porque é justamente o fato de que milhões de crianças não estejam alfabetizadas que as condena a um futuro de exclusão social, de miséria e, frequentemente, fome. Por isso mesmo, a educação básica é o calcanhar de Aquiles em nossa sociedade. Daí, a relevância do tema ao qual dedicamos esta Editoria Especial”, escreve o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro

whatsapp-image-2024-05-31-at-16-21-05A divulgação nesta semana do Indicador Criança Alfabetizada pelo Planalto, embora tenha revelado alguns progressos, também ressaltou os desafios persistentes na Educação Básica brasileira. Segundo mostrou a pesquisa, mais da metade das crianças ainda concluem o ensino fundamental sem as habilidades fundamentais. O índice de 56% de alfabetização alcançado no ano passado, embora represente uma melhoria em relação ao período pandêmico, ainda está muito distante da meta de 80% a ser atingida até 2030. Para além de metas, é uma demanda antiga e cada vez mais urgente definir ações concretas para superarmos esse quadro.

O antigo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), mesmo em seu declínio, já apontava uma lacuna significativa na alfabetização, a qual se aprofundou com o fechamento das escolas e a transição para o ensino remoto em decorrência da pandemia de covid-19. Os impactos da pandemia foram severos, e o índice de alfabetização despencou para 36% em 2021. A recuperação para os níveis pré-pandêmicos pode ser considerada uma conquista significativa deste governo, mas ainda não um motivo de celebração, como bem refletiu o presidente Lula. A melhoria de 20 pontos percentuais em relação a 2021 e o leve aumento em relação a 2019 indicam que recuperamos a direção certa, após anos desastrosos na gestão do Ministério da Educação (MEC), mas, evidentemente, ainda há muito a ser feito.

O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado pelo MEC em 2023, parece que tem tido impacto positivo pelo País. Com a adesão de 5.558 municípios e todos os estados brasileiros, e um investimento de mais de R$ 1 bilhão, o programa visa a garantir a alfabetização de todas as crianças até o final do 2º ano do ensino fundamental. A aliança entre os sistemas de avaliação estaduais e o Saeb foi um passo importante para uniformizar e elevar os padrões de ensino em todo o País.

Entretanto, as disparidades permanecem. O Censo Escolar 2023 mostrou uma redução preocupante no número de matrículas, particularmente na rede pública. A evasão escolar é mais acentuada entre grupos vulneráveis, como indígenas, quilombolas e alunos da educação especial. Essa realidade é agravada pelo fato de que apenas 25,6% das pessoas com deficiência concluem a educação básica, em comparação com 57,3% da população sem deficiência.

Esses dados reforçam a necessidade urgente de políticas educacionais inclusivas e eficazes. A recente portaria do MEC, que estabelece diretrizes para a alfabetização de populações vulneráveis, é um passo importante para garantir que ninguém seja deixado para trás. A educação de crianças com deficiência, indígenas, quilombolas e de outras comunidades marginalizadas deve ser prioridade, levando em conta suas necessidades específicas e a necessária garantia da equidade no acesso ao ensino de qualidade.

A alfabetização é a base do desenvolvimento pessoal e coletivo. As crianças que não adquirem habilidades fundamentais de leitura e escrita enfrentam desafios significativos ao longo de sua trajetória educacional e profissional, e isso se reflete em todos os setores de nossa sociedade. Educação é a base do progresso, a base da democracia e a base de todo o desenvolvimento social e econômico. Investir em educação não é apenas uma questão de justiça social, mas também de garantir nossa sustentabilidade a longo prazo.

O Brasil precisa enfrentar de forma decisiva e eficaz os desafios que permeiam seu sistema educacional. É fundamental investir na formação continuada de professores, na infraestrutura escolar. É essencial que continuemos a avançar com políticas claras e contínuas, garantindo que todas as crianças tenham acesso a uma educação de qualidade que as prepare para o futuro.

Somente com um compromisso sólido e ações concretas poderemos assegurar que todas as crianças brasileiras tenham a oportunidade de alcançar seu pleno potencial educacional. O horizonte é promissor, a despeito da magnitude do desafio. Com políticas bem estruturadas e compromisso coletivo, podemos, sim, alcançar um patamar de excelência na educação brasileira.

Minha experiência pessoal como Ministro da Educação no segundo governo Dilma Rousseff, em 2015, me tornou um entusiasta da alfabetização na idade certa – um programa iniciado no Ceará, sob o governo Cid Gomes e com a direção da então secretária Izolda Cela, e que Aloizio Mercadante tornou um programa nacional, em 2013.

Pois na minha gestão o então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), José Francisco Soares, ao interpretar os resultados da primeira ANA, ou Avaliação Nacional de Alfabetização, mostrou o tamanho do problema – com um grande número de crianças que, ao completarem três anos de escola fundamental, ainda não dominavam leitura, escrita e operações matemáticas. Este continua sendo o desafio principal para o País, porque é justamente o fato de que milhões de crianças não estejam alfabetizadas que as condena a um futuro de exclusão social, de miséria e, frequentemente, fome. Por isso mesmo, a educação básica é o calcanhar de Aquiles em nossa sociedade. Daí, a relevância do tema ao qual dedicamos esta Editoria Especial.

Um complemento: esta semana, no seminário mensal que a SBPC realiza com a Academia Brasileira de Ciências sobre o ensino superior, perguntei ao expositor, que foi justamente o professor Chico Soares, qual seria a principal medida que ele proporia para melhorar a educação básica; ele respondeu: “período integral para o professor numa única escola.”

Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC

 

Veja as notas do Especial da Semana – Educação Básica

 

MEC, 29/05/2024 – Brasil atinge patamar de 56% de crianças alfabetizadas

G1, 29/05/2024 – Após ‘fundo do poço’ na pandemia, nível de alfabetização de crianças volta a subir: 56% aprenderam a ler e escrever na idade certa

Agência Brasil, 29/05/2024 – Número de crianças alfabetizadas no Brasil volta a crescer

Agência Brasil, 28/05/2024 – Lula: com qualidade, escola pública atrairá estudantes de classe média

Estadão, 29/05/2024 – Brasil tem 56% das crianças de 7 anos alfabetizadas; em São Paulo são 52%, diz MEC

Correio Braziliense, 28/05/2024 – “Acho pouco”, diz Lula sobre meta de alfabetizar 80% das crianças até 2030

CNN, 28/05/2024 – MEC estabelece meta de 80% das crianças alfabetizadas até 2030; Lula diz que ambição não é “gloriosa”

Todos pela Educação, 30/05/2024 – Análise do Todos pela Educação sobre a divulgação do Indicador Criança Alfabetizada

Estadão, 29/05/2024 – Liderança e prioridade para erradicar o analfabetismo escolar

MEC, 29/05/2024 – Criança Alfabetizada vai focar estudantes vulneráveis

Correio Braziliense, 24/02/2024 – Censo Escolar 2023 evidencia problemas na educação básica

GZH, 02/05/2024 – “A educação no Brasil não pode mais perder tempo”, afirma Priscila Cruz

Valor, 25/04/2024 – 20% dos jovens do País não têm ensino básico

Poder, 360, 12/03/2024- Quase 10 milhões de jovens largam a escola sem terminar ensino básico

JC,26/04/2024 – Senado aprova critérios mínimos para estruturas físicas das escolas públicas

Agência Senado,     24/04/2024 – Comissão aprova padrões mínimos de qualidade para escolas públicas

Agência Brasil, 07/07/2023 – Apenas uma em quatro pessoas com deficiência conclui o ensino básico

O Globo – Inclusão nas escolas encontra barreiras

Jornal da USP, 05/04/2024 – Qualidade na aprendizagem desde educação básica é caminho para reverter crise universitária

Fundação Tide Setúbal, 03/10/2023 – Novo cálculo do Indicador de Nível Socioeconômico colocará a democratização de recursos na educação em pauta

Saberes e práticas, 16/08/2023 – Avançando nos indicadores para visibilizar e superar as desigualdades