Entidades divulgam nota técnica conjunta sobre exploração de potássio na Amazônia

“Encontrar soluções para diminuir a dependência de insumos agrícolas e apoiar práticas de manejo menos impactantes do ponto de vista social, ambiental e econômico não será uma tarefa fácil, mas é imperativo para o futuro. O Brasil tem uma importância crucial na busca de soluções”, afirmam em documento

 

NOTA TÉCNICA CONJUNTA

SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência)

Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos),

SBGEO (Sociedade Brasileira de Geologia)

ABA (Associação Brasileira de Antropologia)

OBDHG (Observatório de Direitos Humanos nas Geociências)

MAM (Movimento Pela Soberania Popular na Mineração)

FONAMIR (Fórum Nacional da Mineração Responsável)

GPR (Grupo de Pesquisa da Rochagem do CNPq/UnB)

Grupo de Pesquisa Observatório de Direito Socioambiental e Direitos Humanos na Amazônia

CESTA/USP (Centro de Estudos Ameríndios)

CEMA/USP (Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos)

GESTA/UFMG (Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais

LISA (Laboratório de Imagem e Som da Antropologia)

ARQUEOTROP (Laboratório de Arqueologia dos Trópicos)

ASSUNTO:

Exploração de potássio na Amazônia e a alternativa dada pelos remineralizadores de solo para reduzir a dependência de fertilizantes no Brasil.

TEMAS CORRELATOS:

Acesso a fontes de fertilizantes, soberania do Brasil, novas rotas tecnológicas e mineração em terras indígenas.

ANÁLISE DOS FATOS:

O Brasil é o maior importador de fertilizantes solúveis (NPK) do planeta e junto com os Estados Unidos da América, a China e a Rússia consome cerca de 70% do total de insumos produzidos. Porém, dentre esses países, o Brasil é o único que não possui uma produção compa_vel com seu consumo. O país, nos últimos 10 anos, tem importado cerca de 85% dos fertilizantes que utiliza para viabilizar os recorrentes recordes de safras agrícolas (Theodoro, et al, 2022, Brasil, 2022).

Particularmente no caso do potássio, os maiores produtores são o Canadá, a Rússia e a Bielorrússia, que respondem por 90% da produção mundial. O Brasil importa 96% do que necessita para viabilizar seu sistema agrícola (FAOSTAT, 2023).

Tal fragilidade coloca em xeque e risco uma das principais garan@as do protagonismo brasileiro no que se refere a produção de alimentos e commodities. Portanto, encontrar fontes que assegurem a oferta desse insumo é uma estratégia para garantir a soberania para o país. Um dos caminhos para isso, por exemplo, seria acessar, por meio da exploração e produção, uma reserva de potássio em território brasileiro, na busca por mudar a perspetiva de dependência do país no mercado internacional.

Desde os anos de 1970/80 o Brasil já conhece as ocorrências minerais de sais de potássio na Bacia do Amazonas, particularmente, na região conhecida como baixo rio Madeira, próximo a confluência com o rio Amazonas. Essa descoberta foi feita pelos geólogos da Petrobras Mineração, empresa extinta pelo governo Collor, em 1990. Desde a descoberta, diferentes iniciativas para explorar a jazida de potássio, localizada a cerca de 1000 metros de profundidade, tem enfrentado vários desafios e passado por diferentes interessados no acesso a tal recurso.

Apesar da oportunidade, os desafios são gigantescos. A reserva encontra-se em uma área ao mesmo tempo de grande riqueza, mas de fragilidade ambiental (floresta Amazônica e rios Madeira e Amazonas) e, por isso, ainda não se tornou viável. Para além disso, uma série de outros desafios precisam ser vencidos, em especial tecnológicos e de infraestrutura, como por exemplo a oferta de energia em grande quantidade para manter o funcionamento do parque de exploração e beneficiamento do minério, logística de transporte e distribuição, projetos de destinação e tratamento dos rejeitos (em superkcie) e, por último, mas não menos importante, o impacto sobre os povos indígenas da Terra da etnia Mura.

As instituições que assinam essa nota técnica partem do pressuposto que é possível a busca por viabilizar a exploração de potássio na região amazônica. No entanto, essa iniciativa não pode prescindir de segurança e respostas a todos estes desafios, em especial no respeito ao direito sobre os povos originários. Para além disso, é oportuno mencionar que estudos geológicos desenvolvidos no Brasil apontam que há continuidade da ocorrência das jazidas de silvinita (fonte do cloreto de potássio) passiveis de serem exploradas não apenas na região de Autazes/AM, mas, também, em outros locais da bacia sedimentar do Amazonas, e que podem, ao mesmo tempo, contemplar os interesses econômicos, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos dos povos indígenas e tradicionais.

Para além dessa perspectiva, cumpre-nos a grata satisfação de apontar um importante caminho, ou rota tecnológica, para manter o protagonismo agrícola brasileiro. Trata-se do uso dos remineralizadores de solo (REM), que são produtos derivados de rochas silicáticas, formadas por minerais, que em sua composição química apresentam teores significativos de potássio (K) cálcio (Ca), magnésio (Mg), ferro (Fe), enxofre (S), zinco, (Zn), molibdênio (Mo), selênio (Se), vanádio (V) e muitos outros microelementos, que em conjunto tendem a melhor as condições e a sanidade das culturas agrícolas. São, portanto, insumos multinutrientes (Leonardos et al., 2000).

O uso desse tipo de insumo apoia-se nos princípios da tecnologia da rochagem e já está regulamentado no arcabouço normativo brasileiro. A Lei 12.890 de 2013 (Brasil, 2013) estabeleceu o conceito de remineralizadores e, posteriormente, a edição da Instrução Normativas (IN) no 05/2016, do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), estabeleceu as condicionantes e garantias mínimas que os REM devem apresentar, de forma a obterem registro para comercialização e uso (Brasil, 2016). Para além disso, o Plano Nacional de Fertilizantes (Dec. nº. 10.991/2022, alterado pelo Dec. nº 11.518/2023), construído como uma ferramenta estratégica para o setor de fertilizantes nos próximos 28 anos, inseriu os remineralizadores em suas diretrizes no âmbito da cadeia de insumos emergentes.

Essa base legal, somada a uma série de resultados de pesquisas desenvolvidas no Brasil (são cerca de 70 dissertações de mestrado, 30 teses de doutorado e mais de 100 artigos científicos, publicados em jornais e revistas científicas) tem facilitado a incorporação dos REM em meio aos agricultores, o que sinaliza para uma mudança de paradigma.

Para além dos benefícios produtivos, o uso de fontes minerais disponíveis local/regionalmente acena para um modelo de produção mais aderente às práticas sustentáveis e favoráveis ao alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU.

Importante destacar que o único processamento permitido para esses materiais é a cominuição (moagem), o que sinaliza para custos produtivos infinitamente menores que os fertilizantes solúveis (NPK). De modo geral, desconsiderando os custos do frete, os remineralizadores podem diminuir os custos de produção em até 50%, se comparados à adubação convencional (NPK). Atualmente, uma tonelada dos REM pode ser obtida por valores entre R$ 150,00 a 400,00. A título de comparação, uma tonelada de cloreto de potássio custa cerca de R$ 6.000,00. Obviamente que deve ser considerado que a dosagem de aplicação do KCl é menor do que a dos REM a depender dos objetivos de produção.

No Brasil a comercialização e uso dos REM tem crescido de forma expressiva, especialmente nos últimos três anos, em função dos problemas de escassez e dos preços dos fertilizantes solúveis. O fato de o país ser um dos protagonistas nas pesquisas sobre o uso de rochas moídas para uso agrícola e por já possuir um arcabouço legal que regulamenta o uso desse insumo tem favorecido o crescimento de forma bastante vigorosa (Theodoro et al. 2022, Manning e Theodoro, 2018). A produção e oferta dos REM tem duplicado ano após ano. Em 2022 foram comercializados cerca de três milhões de toneladas de remineralizadores. Cerca de 10% da área agrícola do Brasil já utiliza esse insumo no processo produtivo, resultado do rápido crescimento de registros no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Em quatro anos (2019 a 2023) o aumento de registros foi de 400%, passando de 17 para 68 produtos registrados (Martins et al., 2023).

A capacidade desse número crescer ainda mais é bastante vigorosa, considerando o perfil mineral do país e a tendência de aumento do uso desse insumo, evidenciando que as projeções do PNF (18 milhões de toneladas anuais de remineralizadores até 2050) pode ser muito rapidamente encurtada.

Mas para fomentar e acelerar tal objetivo cabe uma ação ordenada do governo federal, que pode priorizar, por meio de suas políticas públicas, mecanismos de acesso a financiamentos, subsídios e outros diversos mecanismos que facilitem o es_mulo para que agricultores familiares e o agronegócio optem por essa rota tecnológica para garantir a produção de alimentos e commodities.

Semelhante apoio ao setor mineral, que produz os remineralizadores, torna-se imperativo, especialmente porque muitas pesquisas dão conta que vários tipos de rochas, tais como micaxistos, calcoxistos, basaltos, kamafugitos, anfibolitos, fonolitos, serpentinito, granitos, olivina melilititos, sienitos, dunitos, piroxenitos, gabros, diabásios, dacitos, biotita gnaisses, entre outras podem ser utilizadas com essa finalidade. Essas rochas são amplamente disponíveis em quase todas as regiões do Brasil. A grande maioria delas já foi testada para diversos tipos de culturas agrícolas, como por exemplo soja, milho, feijão, trigo, café, tomate, quinoa, aveia, morango, cana de açúcar, palma etc.

Para além dessas vantagens, outros benefícios diretos e indiretos do uso dos REM têm sido apontados. Dentre estes destaca-se o seu potencial de capturar carbono no solo (por meio de um processo denominado intemperismo aprimorado das rochas), o que contribuirá também para que o Brasil e, particularmente o setor agrícola, passe a colaborar com as metas de redução de Gases de Efeito Estufa (GEE). Pesquisas desenvolvidas por equipes de pesquisadores ingleses, americanos e chineses (Beerling, Manning, Kantola, Guo et al.) mostram o potencial que se abre para o uso desses insumos. Grupos de pesquisas no Brasil seguem este mesmo pressuposto.

Um grande esforço precisa ser feito para tornar essa opção uma realidade, enquanto a exploração de potássio na Amazonia não se mostrar uma opção segura em todas as suas dimensões (econômica, ambiental, tecnológica e social). Mas a condição fundamental já está assegurada. O Brasil é um país de grande geodiversidade com rochas aptas para se converter em remineralizadores em todas as regiões.

CONCLUSÃO:

Encontrar soluções para diminuir a dependência de insumos agrícolas e apoiar práticas de manejo menos impactantes do ponto de vista social, ambiental e econômico não será uma tarefa fácil, mas é imperativo para o futuro. O Brasil tem uma importância crucial na busca de soluções. O país tornou-se protagonista ao regulamentar e permitir o uso dos REM. Além de garantir maior autonomia produtiva, essa opção possibilita a ampliação da quantidade e qualidade nutricional dos insumos. Em que pese o uso regular de cloreto de potássio (derivado da silvinita), nas formulações NPK, por grande parte do agronegócio nacional, alertamos que há outros caminhos para o atendimento dos interesses produtivos e de soberania do país, tanto do ponto de vista econômico quanto de sustentabilidade produtiva e ambiental. Não se trata de nenhuma fórmula extraordinária, mas de uma estratégia simples em seus pressupostos. Ao usar insumos disponíveis internamente (com eficácia produtiva), o Brasil torna-se mais independente do mercado internacional de fertilizantes – podendo, inclusive, estabelecer novas prioridades de práticas agrícolas e de tipos de culturas agrícolas que serão produzidas.

Referências:

Beerling, DJ, et al, (2024) Enhanced weathering in the US Corn Belt delivers carbon removal with agronomic benefits. PNAS 121(9). hGps://doi.org/10.1073/pnas.2319436121

Brasil. (2013). Lei 12.890. Lei dos Remineralizadores. Disponível em Planalto: hGp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12890.htm

Acesso em 2024 Brasil. (2016). Instrução NormaYva No 5, de 10 de março de 2016. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). hGp://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumosagricolas/ferYlizantes/legislacao/in-5-de-10-3-16-remineralizadores-e-substratos-para-plantas.pdf

FAOSTAT (2023) StaYsYcal Database. Food and Agriculture OrganizaYon of the United NaYons, Rome. Disponível: hGps://www.fao.org/faostat/en/#data (accessed 11/3/24).

Guo, Y., Huang, M., You, W., Cai, L., Hong, Y., Xiao, Q., Zheng, X., Lin, R. (2022). SpaYal analysis and risk assessment of heavy metal polluYon in rice in Fujian Province, China. FronYers in Environmental Science, 10. hGps://doi.org/10.3389/fenvs.2022.1082340

Leonardos OH, Theodoro SH, Assad ML. RemineralizaYon for sustainable agriculture: a tropical perspecYve from a Brazilian viewpoint. Nutr. Cycl. Agroecosyst. 2000. 56: 3–9 hGps://doi.org/10.1023/A:1009855409700

Manning DAC, Theodoro SH (2018). Enabling food security through use of local rocks and minerals. ExtracYve Industries and Society, 7(2), 480–487. hGps://doi.org/10.1016/j.exis.2018.11.002

MarYns ÉdS, Theodoro SH, Bernardez F, Siqueira DS, Caixeta AP, CurYs JCD, Luchese AV (2023) Produção Brasileira de Remineralizadores e FerYlizantes Naturais: 2019 a 2022. Revista Novo Solo. 3.10-19. Disponível: hGps://abrefen.org.br/2023/06/29/producao-brasileirade-remineralizadorese-ferYlizantes-naturais-2019-a-2022/

Theodoro SH, Manning DAC, Carvalho AXM, Ferrão FR, Almeida GR (2022) Soil remineralizer: a new rote to sustentability for Brazil, a giant exporYng agro-mineral commodiYtes. In: Yakovleva, N. Nickless, E. (eds) Routledge Handbook of the Extractive Industries and Sustainable Development. 1st Ed. 261-281 https://doi.org/10.4324/9781003001317

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