“Que falta amazônica nos faz o Ennio”

Na solenidade de abertura da 76ª Reunião Anual, o presidente de honra da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, conduziu homenagem póstuma a Ennio Candotti
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Ildeu de Castro Moreira. (Foto: Jardel Rodrigues)

Mais que um cientista, Ennio Candotti (1942-2023) era um inovador e um divulgador da ciência, um artista e um ser humano de grande sensibilidade. Seu legado foi relembrado neste domingo durante a Sessão Solene de Abertura da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada no Theatro da Paz, em Belém (PA).

Em um discurso emocionado, Ildeu de Castro Moreira, professor do Instituto de Física da UFRJ e presidente de honra da SBPC, destacou que Candotti “inspirou muitos jovens, promoveu debates sobre ciência, sociedade e democracia”, além de “se sobressair na luta pela ciência e pela solidariedade aos movimentos sociais.” Maria Elisa Magalhães e Fábio Magalhães Candotti, esposa e filho do pesquisador, receberam a homenagem durante a celebração.

Nascido em Roma, Itália, emigrado ao Brasil ainda jovem, Candotti foi formado pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) em 1964. Foi professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de 1974 a 1996, e se destacou como presidente da SBPC por quatro mandatos.

Moreira destacou o trabalho de divulgador da ciência desde sua docência na UFRJ, onde incentivou o debate sobre a ciência, sociedade e a democracia. Quando secretário regional da SBPC no Rio, lançou o projeto “Ciência às 6h30” para falar do tema para pessoas comuns no “happy hour”.

Criou a revista Ciência Hoje e o Jornal da Ciência, até hoje os principais veículos de comunicação e divulgação científica da SBPC. Ao migrar para a Amazônia, criou o museu de história natural Musa que, na definição do presidente de honra da SBPC, era uma “ideia ousada, um museu de história natural vivo” com o objetivo de “musealizar a natureza e preservá-la”.

Moreira lembrou ainda o trabalho intenso de Candotti na criação de muitas das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) e suas lutas, não só pela ciência, mas também em movimentos sociais e políticos de resistência à ditadura civil-militar (1964-1985). “Há aqueles que lutam toda vida, esses são os imprescindíveis. Ennio era um deles, e não só pela ciência, uma batalha certamente essencial, mas pela educação, pelos direitos humanos, pela redução das desigualdades, pelo bem-estar de todos, pelo desenvolvimento sustentável e inclusivo.”

O Centro de Memória Amélia Império Hamburguer, da SBPC, produziu um pequeno documentário em homenagem a Ennio Candotti. O vídeo, com depoimentos e fotos, foi apresentado na ocasião, ao final da fala de Moreira, e pode ser acessado neste link. https://www.youtube.com/watch?v=1bw2NjpH3_8

O filho de Candotti, Fábio, discursou ressaltando os predicados pessoais. “Foi e é admirado pela sua gentileza e generosidade no trato cotidiano, pelo ouvido atento e pelas palavras cativantes nas pequenas reuniões, pela sua ironia fina diante dos donos do poder e pelo respeito sincero diante dos trabalhadores das instituições por onde passou como professor e dirigente. Não são poucas as pessoas que, mesmo antes de seu falecimento vieram me dizer que o consideravam como um pai ou um irmão mais velho, pessoas entre 20 e 70 anos de idade, brancas, indígenas, negras, brasileiras e estrangeiros.”

Fábio revelou que, além de físico, professor, dirigente de instituições e divulgador da ciência, Candotti era pintor e marceneiro. E completou: “Para mim esse é seu maior legado, a criação de grandes e pequenas belezas fundadas na ciência, em favor das ciências, mas ciências abertas ao mundo não científico, desejosas de diálogo com o mundo não-científico, por meio de uma ética da generosidade, do viver juntos, atenta à diversidade humana e não humana.”

Além de Candotti, a SBPC prestou homenagem aos cientistas José Murilo de Carvalho, José Gregori, Ana Maria de Almeida Camargo, Danilo dos Santos Miranda, José Monserrat Filho, Newton da Costa, José Pereira de Queiroz Neto e Maria da Conceição Tavares, todos falecidos nos últimos doze meses.

O vídeo da Sessão Solene de Abertura da 76ª Reunião Anual está acessível na íntegra no canal da SBPC no Youtube.

Janes Rocha e Chris Bueno – Jornal da Ciência