Um espetáculo musical emocionante e discursos de reafirmação dos valores democráticos marcaram a Sessão Solene de Abertura da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada neste domingo no Theatro da Paz, em Belém (PA).
A cerimônia iniciou com um concerto da Orquestra Sinfônica Altino Pimenta da Escola de Música da Universidade Federal do Pará (UFPA), com regência do professor Miguel Campos Neto. Na sequência a apresentação ficou com o Coro Universitário da UFPA – Coruní, sob regência da professora Cristina Mami Owtake; a Madrigal Escola de Música da UFPA, com regência do professor Adamilson Guimarães de Abreu; e Minicortejo de Abertura (EMUFPA-Catum e convidados), sob coordenação do professor Kleber Moraes Benigno.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, destacou a escolha de Belém como sede desta edição da Reunião Anual, celebrando a cidade com o poema “Belém do Pará”, de Manuel Bandeira, que exalta sua beleza e cultura. Segundo ele, a realização da COP 30, em 2025, na capital paraense, foi uma feliz coincidência, mas o que pesou na escolha foi o fato de a cidade ser uma importante porta de entrada para a Amazônia, e que abriga uma das principais universidades da região Norte. Tudo isso, tem um caráter simbólico muito forte diante de emergências ambientais e sociais, observou: “Caráter simbólico da Amazônia, caráter simbólico da gente vir aqui, a imagem de um mundo que consiga superar o aquecimento climático.”
Em alusão ao tema central do evento, Janine Ribeiro enfatizou a necessidade de um novo contrato social entre a humanidade e a natureza, ressaltando a interdependência entre desenvolvimento sustentável e inclusão social. Ele também defendeu o reconhecimento e a valorização do trabalho humano na preservação da Amazônia e a busca por um progresso inclusivo e sustentável.
“Democracia inclui os direitos humanos, desde a Declaração Universal de 1948, e inclui os direitos sociais e os ambientais também. Então, por conta disso, pensamos a relação entre o ser humano e a natureza. Não é uma relação de um indivíduo com a natureza, é uma relação desse coletivo, que se faz coletivo na medida em que se liga com a natureza. O pacto com a natureza não é do indivíduo, ele é da sociedade. Isso tudo tem muito a ver com a ciência. Eu gosto de fazer uma troca na ordem das palavras que compõem o nome da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, dizendo que almejamos que a ciência sirva para o progresso da sociedade brasileira. Quer dizer, o nosso papel aqui é garantir um progresso da sociedade”, declarou o presidente da SBPC.
Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), começou seu discurso enfatizando o papel crucial da SBPC na sociedade. Para ela, a entidade não apenas defende a ciência brasileira, mas também contribui significativamente para a formulação do pensamento nacional e o desenvolvimento de propostas de ciência e tecnologia.
“É essencial reconhecer a importância da SBPC no avanço da educação superior, bem como seu compromisso com a democracia, a inclusão social e a construção de um futuro melhor e mais justo”, afirmou. A ministra também anunciou várias conquistas de seu Ministério, como o reajuste das bolsas de pesquisa, a abertura do primeiro concurso público do MCTI em 10 anos, e o lançamento de novos editais de pesquisa e do Plano Ennio Candotti. Esta iniciativa, que homenageia o físico e ex-presidente da SBPC, falecido em dezembro, prevê investimentos até 2026 em infraestrutura de pesquisa, apoio à inovação, segurança alimentar e outras ações na Amazônia. “Há uma série de ações para colocar a ciência a serviço do conhecimento, da sustentabilidade, e do desenvolvimento econômico e social”, declarou.
Luciana Santos ressaltou ainda a necessidade de resgatar o papel da ciência como ferramenta para solucionar problemas nacionais, como a fome, a desigualdade, a crise climática, bem como para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo. “Acreditamos que estabelecer fontes estáveis de financiamento para políticas de ciência e tecnologia é crucial para reduzir as assimetrias regionais”, pontuou a ministra. “Para construirmos um Brasil melhor e menos desigual, é importante a participação de todos”, concluiu.
Território de pessoas
Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da UFPA, destacou a importância das Reuniões Anuais da SBPC, mencionando que muitos dos que hoje fazem ciência na universidade e em outras instituições amazônicas foram inspirados pelo ambiente de diálogo rico proporcionado por reuniões anteriores. Ele ressaltou a importância de realizar o evento na região Norte, destacando suas particularidades.
“Esse território, quando visto de cima, é composto por florestas verdejantes e rios caudalosos. Mas no solo, ele é feito de pessoas – inteligentes, criativas e sábias. Pessoas frequentemente expostas à violência e violações de direitos. Pessoas raramente ouvidas nos gabinetes onde se decidem os projetos para a Amazônia”, afirmou Tourinho.
Ele destacou ainda que a região gera riquezas incalculáveis para diversos grupos nacionais e internacionais, mas a um custo alto para as condições de vida das populações locais e ao meio ambiente. “O que a Amazônia tem a oferecer não se limita às suas riquezas naturais ou ao seu potencial energético, mas inclui, de forma importante, a experiência de convivência e interação com a natureza de modos não predatórios”, alertou.
Finalizando, o reitor apontou que a ciência brasileira é feita nas universidades públicas, responsáveis por mais de 90% das publicações científicas do País – razão pela qual é vital defendê-las. “Nossas universidades públicas são fundamentais para nossa resistência”, afirmou. “A ciência na Amazônia é de alta qualidade e relevância, bem-sucedida e resiliente, mas é inconformada com a naturalidade com que as autoridades públicas brasileiras, governo após governo, promovem, toleram ou são indiferentes às assimetrias na distribuição de recursos para ciência e tecnologia no país.”
Defesa da democracia
O primeiro discurso da mesa foi do prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, que anunciou ter a cidade atingido um índice de 98% de alfabetização – comparado a 48% no estado, um dos mais baixos do país – o que a torna livre de analfabetismo.
O segundo a discursar foi o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Vinícius Soares que disse estar representando também a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella e Hugo Silva, recém-eleito presidente da União Brasileira de Estudantes Secundaristas.
Soares defendeu a necessidade de um debate sobre um projeto de desenvolvimento nacional sustentável e inclusivo, que leve ciência, educação, esportes, cultura para todas as comunidades brasileiras. “Mais que isso, precisamos fazer com que a ciência brasileira e todos esses setores absorvam os conhecimentos que esses povos (tradicionais) têm a nos oferecer, inclusive numa perspectiva de incluir o conhecimento popular de cada território, cada bioma brasileiro.”
Para ele, a ciência deve ser um instrumento indutor do desenvolvimento, em especial no momento que ele definiu como de “reconstrução nacional”. Também abordou o cenário político: “Precisamos estar em alerta. O espectro do inimigo da ciência ainda ronda nossa sociedade, por isso é preciso que cada vez mais nós sigamos unidos pela democracia brasileira”, afirmou o presidente da ANPG.
Soares conclamou uma mobilização de todos os presentes para uma ampliação dos recursos para a CT&I e para as universidades, tendo como horizonte garantir investimentos equivalentes a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para a produção cientifica. “Afinal, ciência não é gasto, é investimento que deve se voltar aos interesses nacionais”, reiterou.
Ouvir os jovens
A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, terceira a falar, disse que “assinava embaixo” de cada uma das frases de Vinícius Soares e ressaltou a importância da “parceria” entre a ABC e os jovens estudantes representados pela ANPG. “O jovem, cada vez mais, tem que ser ouvido, mas ele tem que querer participar e tem que se informar, não só pelo celular, pelas mídias, porque eles dão apenas pinceladas de informação, muitas vezes falsas”. E concluiu com uma mensagem para os jovens presentes: “o Brasil precisa de vocês, nós mais velhos, continuamos na trincheira”.
Marcel do Nascimento Botelho, presidente da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), veio na sequência, chamando a atenção para a questão do subfinanciamento da CT&I na região Norte.
“A Amazônia, com sua biodiversidade sem paralelo e seu imenso potencial para a bioeconomia, enfrenta um paradoxo. Apesar de sua importância global, o Norte recebe das agências federais recursos em proporção muito inferior às outras regiões como um todo no país”, afirmou. Segundo ele, as áreas críticas para o desenvolvimento sustentável como a biotecnologia, biodiversidade, engenharia, antropologia, ecologia, agroecologia, química, desenvolvimento de fármacos, óleos essenciais são as mais afetadas por essa falta de recursos.
Botelho destacou que estatísticas oficiais apontam para o fato de que, enquanto o Brasil avança na produção científica e alocação de recursos para inovação, a Amazônia permanece significativamente atrás, limitada pela falta de recursos e infraestrutura das instituições. “Essa assimetria não apenas limita o potencial de desenvolvimento dessa região, mas também representa uma ameaça à sua conservação e ao bem-estar, principalmente das comunidades tradicional”, frisou.
Para o presidente da Fapespa, somente através de uma estratégia integrada e de um compromisso compartilhado, será possível garantir os investimentos necessários para transformar a pesquisa e inovação em motores do desenvolvimento sustentável da região.
Denise Pires de Carvalho, presidente da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível (Capes), chamou a atenção para as frequentes tentativas de desvalorização da educação, a partir de ataques aos professores e às instituições públicas de ensino superior. E também saudou o trabalho do governo federal na área: “É uma honra para mim fazer parte desse governo de união e reconstrução. Não é fácil construir, mas muito mais difícil reconstruir, que ninguém se esqueça do negacionismo”, disse.
O presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Celso Pansera buscou também sair em defesa do governo, no mesmo dia em que um grande jornal de circulação nacional divulgou um suposto plano para cobrar mensalidades dos estudantes das universidades públicas federais. “Tenho certeza de que ele (o presidente Lula) e o (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad jamais vão admitir a cobrança de mensalidade da rede de ensino universitário nesse país”. E concluiu: “O que queremos é construir um governo para o povo brasileiro, para aqueles que mais precisam”.
Chris Bueno e Janes Rocha – Jornal da Ciência