A escolha de Belém (PA) como sede da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP30, carrega uma série de contradições que podem levar ao mesmo resultado da Copa do Mundo realizada no Brasil dez anos atrás, em 2014.
O alerta é de pesquisadoras das áreas de geografia, arquitetura e urbanismo que participaram nesta quinta-feira da Mesa-Redonda “COP no Brasil e os dilemas da cidade sede”, na programação da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O evento foi apresentado pela geógrafa Maria Goretti da Costa Tavares, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), instituição que sedia a Reunião Anual.
Olga Lúcia Castreghini de Freitas, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) observou que os principais indicadores da cidade de Belém contrastam com o conceito de sustentabilidade que norteia a COP. Citou como exemplo o elevado índice de informalidade no trabalho da população – seis em cada dez pessoas, a maior do país – e o acesso a saneamento: apenas 71% da população tem água encanada, 60% tem rede de esgotos e apenas 3,5% do esgoto recebe tratamento.
Autora de um estudo que analisa a COP enquanto megaevento, Freitas falou da importância do legado, comparando com outros megaeventos realizados no país, em especial a Copa do Mundo de 2014. “Legados têm sempre uma potência discursiva muito grande em que ninguém se coloca contra, permite convencer os habitantes de que todos os gastos são aceitáveis”, afirmou.
Dinheiro antes negado para as demandas concretas da população subitamente aparece por meio de orçamentos e financiamentos que acabam direcionados para projetos que em muitos casos se tornam, como definiu Freitas, “deslegados”.
Citou como exemplo obras lançadas para a Copa de 2014 depois sucateadas, como o VLT de Cuiabá (MT), que custou R$ 1 bilhão e nunca funcionou; o estádio do Amazonas; o Aeroporto de Natal, o primeiro a ser concedido a iniciativa privada e o primeiro a ser devolvido por não ser lucrativo; e o Parque Olímpico no Rio de Janeiro, que está prometido para entrega este ano, 2024, dez anos depois do prometido quando foi anunciado.
Roberta Menezes Rodrigues, diretora da Faculdade de Arquitetura da UFPA falou em “greenwashing urbanístico”, destacando uma obra recém anunciada para desafogar o trânsito em Belém na COP30, cujo projeto prevê passar no meio Parque Ecológico Gunnar Vingren, uma das últimas áreas verdes da capital paraense. “O enorme investimento em uma logica rodoviarista, em contradição com os objetivos da COP”, pontuou.
Rodrigues chamou a atenção também para os planos de suprir parte da demanda hoteleira com incentivo à abertura de quartos de hospedagem dentro da plataforma AirBnB. “Vejo com preocupação (…), parece uma solução fácil e rápida, mas temos visto como as cidades têm se colocado contra essa lógica pelo tipo de turismo que ele consolida”, disse. Ela se referia à resistência de cidades como Berlin e Barcelona ao modelo AirBnb que acaba por pressionar o mercado de aluguéis da cidade, intensificando o processo de gentrificação.
Por fim, a geógrafa Helena Lúcia Zagury Tourinho, vice-residente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Pará e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade da Amazônia (UNAMA), analisou o impacto dos preparativos para a COP sobre o Centro Histórico de Belém (CHB).
Segundo ela, o CHB vem passando por processo de degradação desde anos 70 por uma série de razões e, ao mesmo tempo, um conjunto de ações públicas tem sido desenvolvido para recuperar a área claramente direcionadas pelos interesses do mercado imobiliário.
Tourinho apresentou um mapeamento dos investimentos no CHB, que já envolveu totalizam US$ 1 bilhão, mas que privilegiam o entorno e não o centro em si, mantendo imóveis subutilizados ou abandonados aos quais o mercado não tem interesse. “Parece haver uma tentativa de empurrar ainda mais e derrubar a legislação de preservação do CHB”, analisou.
Assista à mesa-redonda na íntegra pelo canal da UFPA no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência