As mudanças dos ciclos hidrológicos na Bacia Amazônica, que têm sido profundas e de grande extensão, se intensificaram nos últimos 50 anos, se refletindo em períodos de fortes cheias e secas dos rios, afetando a vida e a economia de toda a região.
É o que indicam estudos apresentados durante a Mesa-Redonda “A Hidrografia, os Aquíferos, as secas e as enchentes na Amazônia”, quinta-feira (11/7) na programação da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O evento, realizado na sede da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém (PA), foi coordenado por Naziano Filizola, professor de Geociências da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e reuniu como palestrantes os hidrólogos Ayan Fleischmann, do Instituto Mamirauá, Ingo Daniel Wahnfried, da Ufam e Jochen Shöngart, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Fleischmann, que é líder do grupo de pesquisa em geociências dinâmicas ambientais na Amazônia do Mamirauá, apresentou registros históricos mostrando que nos últimos 120 anos houve um aumento expressivo de cheias extremas nos principais rios amazônicos (Negro e Solimões), foco de estudos do instituto. “A gente teve sete das dez maiores cheias do último século acontecendo na última década desde 2009 mais ou menos.”
As mudanças registradas não se limitam aos extremos de cheias, mas provocam também secas catastróficas. “Quando a gente olha no médio Solimões, por exemplo, a gente teve em 98 uma seca muito forte, 2010 uma seca mais forte ainda e em 2023 uma seca mais forte que a de 2010”, analisou.
Ingo Daniel Wahnfried, especialista em hidrossistemas da Amazônia, centrou sua análise na questão dos aquíferos subterrâneos, as águas que se localizam dentro das camadas geológicas que é o foco de sua pesquisa. Ele chamou a atenção para o fato de que, durante o evento que secou o Rio Negro no ano passado, os aquíferos não cumpriram sua função de “amortecedor” que seria esperado. “Por que que de repente secou? Não poderia ter uma sustentação do fluxo de base, mantendo o fluxo de chegada da água para os rios? Não foi o que a gente viu”, refletiu o pesquisador da Ufam.
Segundo ele, a situação foi agravada com a permissão dada pelo governo estadual para a população perfurar poços durante o período de seca, o que era uma decisão acertada para facilitar a vida das pessoas. Porém, submeteu a população ao risco de contaminação por arsênio e manganês devido às más condições de saneamento básico, a falta de tratamento de esgotos. Além desses, os riscos apontados por ele para os aquíferos são eventos climáticos extremos, grandes empreendimentos (Belo Monte, BR 319, etc.) desmatamento e grilagem.
Jochen Shöngart, pesquisador do Inpa também analisou as causas e consequências da intensificação dos ciclos hidrológicos na Amazônia que atribuiu, resumidamente, à formação persistente do dipolo climático (fenómeno que resulta de uma diferença acentuada na temperatura da água à superfície entre regiões opostas) entre as regiões Norte e Sul que começou mais ou menos na década de 1970, quando houve uma mudança da fase fria para a quente (climate shift) entre outras causas.
Ao final, listou uma série de ações que considera necessárias para conter a degradação do ecossistema na região. “Muita ciência, tecnologia e inovação serão necessárias para enfrentar as mudanças do ciclo hidrológico na maior bacia do mundo, a Amazônia. Essa vai ser um dos maiores desafios dos tempos atuais para as políticas públicas em diversos setores socioeconômicos, mas também para a ciência e a educação”, analisou Shöngart.
Assista à mesa-redonda na íntegra pelo canal da UFPA no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência