5ª CNCTI é o caminho para que as políticas científicas brasileiras sejam elaboradas com participação da sociedade

Para vice-presidente da SBPC, Francilene Garcia, Governo Federal tem desafio em olhar para a Ciência como ferramenta essencial de desenvolvimento do Brasil
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

A partir da próxima terça-feira (30/07) começará a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), em Brasília. O principal objetivo do evento é auxiliar na estruturação de uma política científica brasileira, retomando debates sobre temas estratégicos que não aconteciam há 14 anos.

Para a vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Francilene Garcia, que integra a comissão organizadora da 5ª CNCTI, o desafio da iniciativa é retomar o diálogo sobre temas e estratégias que deverão subsidiar a formulação de uma política de Estado, construída com a participação da sociedade, que posicione e fortaleça o papel da Ciência no caminho desenvolvimentista do País.

Em entrevista ao Jornal da Ciência, a pesquisadora fala dos bastidores para a realização da 5ª Conferência, e como a tecnologia, com destaque à inteligência artificial, foi uma ferramenta essencial na sistematização das problemáticas trazidas pela população. Confira a entrevista:

Jornal da Ciência: Qual o papel da SBPC na realização da 5ª CNCTI?

Francilene Garcia: A comunidade científica, de uma maneira geral, estava preocupada com a grande distância que havia desde a realização da última Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que foi há 14 anos. Além disso, a sociedade passou por inúmeras mudanças neste período, que precisam ser debatidas no âmbito da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), como as transições relacionadas à questão do clima, aspectos da própria demografia do País, além dos efeitos e as consequências do pós-pandemia de covid-19. Logo, havia uma ansiedade e uma inquietação muito grande da comunidade científica sobre a realização de uma nova conferência. Inclusive, por várias vezes, a própria SBPC vinha lembrando o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação da necessidade de organizar e estruturar uma conferência nacional. Isso faz parte das lutas históricas da SBPC. Quando o presidente Lula assumiu novamente, agora em 2023, ele reforçou a importância do combate ao negacionismo científico e a necessidade de uma série de avanços na política científica no comparativo com a primeira gestão dele. Trouxe até um slogan: “A Ciência voltou”. Então, a partir das decisões que foram tomadas já no começo do seu governo, é publicado um decreto presidencial que convoca a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse primeiro movimento do governo foi importante para que as entidades científicas, como a SBPC, enxergassem ali uma oportunidade de voltar a debater e discutir sobre novos desafios, incluindo a retomada de temas que constam no Livro Azul, elaborado ao final da 4ª Conferência, realizada em 2010. Também é necessário o debate sobre os desafios enfrentados pelas instituições e indivíduos que operam no ambiente de pesquisa no Brasil, como as fragilidades da infraestrutura de pesquisa, que foram ampliadas nos últimos anos com a escassez e descontinuidade de recursos. Integrando a equipe de organização da 5ª CNCTI, estamos eu e o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro. Eu faço parte do Comitê Executivo e Janine Ribeiro, do Conselho Consultivo. Como integrante do comitê executivo, recebi a incumbência de coordenar a Subcomissão de Sistematização e Documentação.

JC: Qual é o trabalho desta subcomissão?

FC: Como o próprio decreto presidencial prevê, essa subcomissão tem o papel de assessorar e trazer para a Coordenação Geral e Executiva da 5ª Conferência a metodologia e abordagem para realização do registro e comunicação das ações, ou seja, ela gerencia toda a documentação dos diálogos, iniciadas na etapa preparatória, durante a realização da Conferência e no pós. Durante a conferência, estaremos acompanhando as 54 sessões paralelas e outras tantas sessões plenárias que acontecerão nos três dias. A sistematização de conteúdos, acumulados em cada etapa, trará as condições para, ao final, a Coordenação entregar ao MCTI um documento final que traga as proposições emanadas dos debates.

JC: Nós estamos falando de uma quantidade muito grande de eventos realizados, não? Como foi sistematizar tudo?

FC: Exatamente, a programação preparatória já foi muito intensa. Nesta 5ª Conferência, nós tivemos 18 reuniões temáticas, que foram reuniões com temas definidos pela própria coordenação da 5ª CNCTI. A reunião temática sobre neoindustrialização, que foi liderada pela Finep, por exemplo, gerou mais de 20 seminários. Foram tantos debates qualificados que a própria Finep produziu já duas publicações específicas sobre os temas. Também foram realizadas as conferências estaduais, dos 26 estados da Federação mais o Distrito Federal, cinco conferências regionais (Sudeste, Norte, Sul, Centro-Oeste e Nordeste), além de conferências municipais. No comparativo com a 4ª Conferência, nós já temos aí um número maior de eventos. Mas ainda temos o momento de maior inovação desta 5ª Conferência, no que diz respeito à abordagem participativa da sociedade, que foi a proposição espontânea de temas livres para debates, daí o nome conferências livres. Foram, ao todo, 157 conferências livres realizadas no período de novembro a maio. No conjunto, contando todos os tipos de conferências e reuniões, foram mais de 220 eventos, que totalizam 4.000 horas de gravações, com mais de 70 mil pessoas envolvidas, além dos relatórios enviados pelos coordenadores de cada atividade. Humanamente, é inviável dizer que uma subcomissão com 12 pessoas conseguiria trabalhar com todo esse material em dois meses. Para isso, nós tivemos que fazer uma parceria inédita com uma empresa de inteligência artificial de Pernambuco, para que pudéssemos usufruir de tecnologias digitais avançadas, como a aplicação de agentes inteligentes. Assim, conseguimos, a partir das transcrições das 4 mil horas de atividades e dos relatórios realizados por mãos humanas, gerar sínteses dos temas. Essas sínteses viraram o que chamamos de e-books da etapa preparatória, que estão disponíveis para download no site da 5ª CNCTI (https://5cncti.org.br/).

JC: Pode detalhar melhor o que são essas publicações?

FC: São dois e-books, um com a síntese das conferências livres e outro com a síntese das conferências regionais e reuniões temáticas. Essa sistematização conta com um resumo executivo, com as principais tendências e convergências dos debates e, ainda, uma nuvem de palavras, aplicando métricas para contagem da ocorrência de verbetes, consiga-se perceber quais foram os temas recorrentes nos debates. Para os participantes da 5ª Conferência, os e-books oferecem um alinhamento básico do que foi debatido na fase preparatória e, também, a visualização das fichas técnicas dos debates realizados. Essas duas publicações têm como objetivo comunicar de forma acessível e clara o que foi debatido na fase preparatória, de modo a qualificar e aprofundar os debates e, assim, auxiliar nos desdobramentos para a formulação de políticas científicas.

JC: Tem alguns temas que mais apareceram nos debates preparatórios?

FG: Há uma infinidade de temas, e que são muito diversos. Para auxiliar no agrupamento das informações, os 220 eventos foram agrupados em quatro eixos temáticos: Recuperação, expansão e consolidação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação; Reindustrialização em novas bases e apoio à inovação nas empresas; Ciência, Tecnologia e Inovação para programas e projetos estratégicos nacionais; e Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento social. Se a gente pegar só o eixo 4, Ciência, Tecnologia e Inovação para o desenvolvimento social, apareceram temas como inclusão social, letramento científico e até a inclusão dos saberes das comunidades tradicionais. Para além dos quatro eixos, nós conseguimos, por meio da abordagem IA-humana, um tema transversal que apareceu nas conferências livres: ciência aberta no Brasil. Inclusive, houve uma conferência livre sobre esse tema, mas conferências sobre temas diversos acabaram trazendo a ciência aberta em suas considerações, que é o movimento de tornar o conhecimento científico mais acessível e difundido. De alguma forma, esse não era um tema que estava previsto inicialmente, mas espontaneamente foi trazido com a participação social e agora é importante ouvir a comunidade científica, o segmento empresarial e governos sobre como eles entendem que o Brasil deve entrar neste debate. É claro que temáticas históricas também apareceram e não há como fazer ciência no Brasil sem elas, como a educação básica, que precisa ser plenamente revista, além de questões acerca dos direitos das mulheres. Outro tema importante, que foi amplamente defendido pelo presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, foi a reconstrução dos laços sociais. Em função de tantas dificuldades que a gente vem passando enquanto sociedade, como a desinformação e políticas negacionistas e indevidas, isso fez com que, de alguma maneira, houvesse alguns retrocessos sociais, o que também precisa ser alvo de discussão na 5ª Conferência.

JC: Quais são as expectativas para a 5ª CNCTI?

FG: A nossa expectativa é que a 5ª Conferência possa trazer proposições que subsidiem não só a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, mas um plano decenal de Ciência, Tecnologia e Inovação para o País. E que seja um plano concreto, ou seja, que traga metas, dentro de cronogramas e que, inclusive, tenha previsão orçamentária. Também é importante que essa discussão dê espaço para outras fontes de investimento que não sejam públicas, para dar vazão a mais políticas. Mas, principalmente, que a política científica brasileira para os próximos 10 anos seja, a exemplo do que ocorre em outros países, resultante desse debate com imensa participação da sociedade.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência