Em 2010, quando era deputado, Aldo Rebelo classificou a ciência das mudanças climáticas como uma “doutrina de fé”. Cientistas e ambientalistas aguardam para ver qual será sua postura como ministro sobre o assunto
A escolha de Aldo Rebelo (PCdoB) para assumir o comando do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) no segundo mandato de Dilma Rousseff foi recebida com apreensão por ambientalistas e parte da comunidade científica nacional. Não só pelo fato de ser uma indicação política, mas por causa de algumas posições polêmicas assumidas por ele nos últimos anos. Em 2010, quando era relator do projeto de revisão do Código Florestal na Câmara dos Deputados, Rebelo descreveu a ciência do aquecimento global como uma “doutrina de fé” e negou que houvesse provas científicas da relação do homem com as mudanças climáticas.
“Ciência não é oráculo. De verdade, não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza. Trata-se de uma formulação baseada em simulações de computador”, escreveu Rebelo, em uma carta pública intitulada A trapaça ambiental e endereçada a Marcio Santilli, então coordenador da ONG Instituto Socioambiental (ISA), que dias antes havia publicado um artigo criticando a conduta do deputado no processo de revisão do código.
Leia a íntegra da carta aqui: Carta Rebelo-A trapaça ambiental
“É muito grave que o Aldo Rebelo se perfile, ideologicamente, aos chamados céticos climáticos, para colocar sob suspeita a ciência do clima”, escreveu Santilli, em 1 de julho de 2010, no artigo intitulado Reacionário e Predatório. “É um tapa na cara dos inúmeros pesquisadores brasileiros que integram o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), e de todos os nossos negociadores nos foros internacionais.”
Procurada pelo Estado, a assessoria de imprensa do MCTI informou que Rebelo não está concedendo entrevistas por enquanto. A pasta apenas reiterou o que foi dito pelo ministro no dia de sua posse, 2 de janeiro: que a “polêmica” sobre o aquecimento global existia “indepentemente da sua opinião”. “Há cientistas que defendem uma posição, e outros cientistas que defendem outra visão. Eu acompanho o debate, como é meu dever de homem público”, disse Rebelo.
“Ele evitou se aprofundar na polêmica, mas disse que a polêmica existe, o que não é verdade. O aquecimento global é um fato, cientificamente comprovado. Não há nenhuma dúvida de que ele está acontecendo e que é causado pelo homem”, avalia Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, uma rede de entidades da sociedade civil focada na questão das mudanças climáticas. “Não podemos correr o risco de o Aldo ministro continuar a agir como agia o Aldo deputado. A responsabilidade dele agora, com relação a esse tema, é muito grande.”
O MCTI tem um papel central na formulação e implementação das políticas brasileiras sobre mudanças climáticas, que reconhecem o aquecimento global como um problema real, associado à emissão de gases do efeito estufa por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento. “O que prevalece é a posição do governo brasileiro. O Brasil participa dos debates relacionados com esse tema nos fóruns internacionais. E o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação vai participar contando com o apoio dos seus técnicos e das outras instituições governamentais que formam a posição do Brasil nesses temas”, disse Rebelo, no dia de sua posse.
Santilli, do ISA, disse ao Estado que a indicação de Rebelo para o MCTI é “constragedora para o Brasil”, especialmente neste ano, em que deverão ser definidas as novas metas internacionais de redução de emissões de gases do efeito estufa, e que o desmatamento da Amazônia volta a apresentar tendências de aumento. “Se era para ele ser ministro, teria sido melhor em outra área”, avalia Santilli.
Inconformado, pesquisador pediu desfiliação da ABC
Na comunidade científica, a nomeação de Rebelo foi recebida de forma silenciosa, sem manifestações públicas de apoio (ou rejeição) à escolha do novo ministro. Ele substituiu o engenheiro Clélio Campolina Diniz, reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que estava no cargo há apenas nove meses. Antes dele, o ministro era o matemático Marco Antonio Raupp.
Nos bastidores, porém, houve manifestações extremas de insatisfação. Um pesquisador aposentado da Universidade de São Paulo (USP) chegou a pedir desfiliação da Academia Brasileira de Ciências (ABC), em protesto contra o silêncio da instituição no caso.
“O repúdio público da Academia Brasileira de Ciência à indicação de uma pessoa incompetente para dirigir, nos próximos quatro anos, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação seria uma das mais importantes iniciativas que eu, como filiado dessa entidade, esperaria ter ocorrido. A omissão dessa manifestação significa, no meu entender, a irrelevância dessa medida (ou da ABC), ou puro oportunismo político. Não gostaria de compactuar com nenhuma dessas alternativas, motivo pelo qual solicito minha desfiliação da ABC”, escreveu o médico e farmacologista Antonio Carlos Martins de Camargo, membro da academia desde 1999, em uma carta enviada ao presidente da ABC, Jacob Palis, no dia 1 de janeiro.
Palis respondeu também por escrito, dizendo: “Gostaria de esclarecer que, tradicionalmente, não condiz com o perfil da Academia protestar contra pessoas, por isso seria incoerente que nossa entidade se manifestasse contra a escolha do ministro de CT&I, o que, em um regime democrático, é prerrogativa do Chefe de Estado. À ABC, cabe atuar para que o ministro e seu Ministério ajam em prol da Ciência e da Sociedade, manifestando-se quando necessário”.
Segundo Palis, o estatuto da ABC não prevê a possibilidade de desfiliação. Camargo, porém, respondeu dizendo que tem o direito constitucional de se desfiliar da academia, e seu pedido agora será avaliado pelo setor jurídico da entidade.
Presidente da SBPC está tranquila
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, disse ao Estado que está “tranquila” com relação à indicação de Rebelo para o ministério. “Ele não é cientista, mas vai dialogar com a comunidade e, se ele se cercar de pessoas boas nessa área, há uma chance grande de sucesso”, avalia a cientista, pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Já tivemos uma experiência semelhante, com o Eduardo Campos, que era político e fez uma gestão maravilhosa, porque se cercou de grandes talentos científicos.” (Campos, morto no ano passado, durante a campanha presidencial, foi ministro da pasta em 2004 e 2005.)
Ter um ministro com influência política poderá ser uma vantagem para o ministério, segundo ela, especialmente no atual cenário de escassez de recursos federais para ciência e tecnologia, e tramitação de projetos de lei importantes para o setor. “Ele (Rebelo) é um importante interlocutor com o Congresso Nacional. É um político idônio e com posições claras”, elogia Helena. “Minha experiência pessoal com ele é muito positiva. Quando precisamos dialogar com ele sobre o Código Florestal, ele nos ouviu, e muitas das sugestões apresentadas pela SBPC foram incorporadas ao texto. Outras não, mas política é assim que funciona. No final, ganhamos um código que foi o melhor possível.”
Rittl, do Observatório do Clima, discorda. Na visão da comunidade ambientalista, e também de muitos cientistas que se envolveram no debate, a postura de Rebelo na discussão do Código Florestal foi muito mais favorável aos interesses econômicos dos ruralistas do que aos alertas da ciência ambiental. “Conseguimos melhorar algumas coisas no final, mas partimos de um relatório péssimo, que foi ele quem construiu”, diz.
Atualização: Após ler esta reportagem, Camargo pediu sua desfiliação, também, da SBPC.
(Herton Escobar/Estadão) – http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/novo-ministro-da-ciencia-duvidou-do-aquecimento-global/