Aprodução científica no Brasil caiu 7,2% em 2023 comparada a 2022, ano que havia registrado a primeira queda desde 1996. As informações são do relatório da editora científica Elsevier e da Agência Bori divulgado na terça-feira (30/7). É a primeira vez que a produção científica do Brasil, quantificada em 2023 em 69.656 artigos, cai por dois anos seguidos. Outros 34 países sofreram retração no mesmo setor, um aumento de 12 nações em relação ao ano anterior. Enquanto isso, 17 países tiveram alta na produção científica e apenas a Áustria não variou. A redução em massa impactou na produção científica mundial, que concentrou o maior número de países em decréscimo desde 1997. No total, o relatório avaliou 53 países que publicaram mais de 10 mil artigos científicos entre 2022 e 2023.
O Brasil seguia uma tendência de crescimento constante até 2021, quando registrou uma queda que não ocorria desde 1996. Os primeiros sinais dessa tendência apareceram em 2020, quando o ritmo de crescimento desacelerou. “A primeira hipótese para explicar essa queda é a falta de verbas. Sem dinheiro não se faz pesquisa”, diz o cientometrista Estêvão Gamba, cientista de dados da Agência Bori. “A segunda é a pandemia: houve um boom de publicações naquele período e depois veio uma queda.”
Para Dante Cid, vice-presidente de Relações Acadêmicas da Elsevier para a América Latina, a pandemia também teve outros efeitos. “A queda em um grande número de países a partir de 2022 nos leva a considerar que a pandemia pode ter impactado a continuidade de diversos projetos de pesquisa e, portanto, a publicação de seus resultados”, afirma.
Segundo o documento, os investimentos públicos federais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil vêm diminuindo desde 2013. No caso das instituições estaduais, a redução orçamentária foi registrada desde 2015. Em 2023, a quantidade de dinheiro público destinada para P&D foi 76% do aplicado em 2015. O menor valor foi em 2021, quando só foi investido 71% do valor de 2015.
O filósofo Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), concorda com o impacto dos cortes. Para ele, o financiamento é o que está por trás da retração. “A ciência precisa de investimento constante, tanto em equipamentos, laboratórios, material de consumo quanto em recursos humanos. Há instituições que carecem de centenas ou até milhares de funcionários”, comenta Janine.
Nesse cenário, o Brasil foi o 14° colocado no ranking mundial de publicações científicas. Entre 2019 e 2023, o país publicou 376.220 artigos. As únicas áreas que registraram crescimento nesse período, contudo, foram as ciências sociais, com aumento de 11,6%, e humanidades, com uma alta de 82% em artigos publicados. De 2022 para 2023, todas as ciências registraram queda na produção. A área com maior diminuição foi ciências médicas, com 10% de retração.
O relatório também avaliou o número de artigos nas instituições de ensino e pesquisa que publicaram mais de mil artigos em 2022. Ao todo, foram 31 universidades e centros de pesquisa analisados, mas somente a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) registrou crescimento de 0,3%.
Das instituições que sofreram queda, as mais afetadas foram as universidades Federal de Lavras (Ufla), em Minas Gerais, Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, e Federal do Espírito Santo (Ufes). É uma mudança em relação ao ano anterior, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) estavam no fim da lista.
Em São Paulo, as universidades de São Paulo (USP), Estadual de São Paulo (Unesp), Estadual de Campinas (Unicamp) e Federal de São Paulo (Unifesp) figuram todas na lista de queda na produção científica. O cenário chama a atenção pela maior quantidade de verbas destinadas à pesquisa no estado, por meio da FAPESP.
Para o geneticista Marcio de Castro, diretor científico da Fundação, o impacto da pandemia nas pesquisas é inegável, mas há outros fatores. “Acho que esse decréscimo reflete um cenário maior que afeta principalmente a pós-graduação”, diz ele, que foi pró-reitor de pós-graduação na USP. Castro explica que, nos últimos anos, houve um declínio significativo na relação candidatos-vaga nos programas de mestrado e doutorado em São Paulo. “Precisamos refletir sobre outras causas dessa baixa”, sugere.
Uma das razões é um formato definido por ele como “muito rígido e tradicional” nas pós-graduações, em que os jovens cientistas são formados somente para trabalhar na academia, sem muita abertura para uma formação destinada ao serviço público, empresas, organizações não governamentais e outros meios. “Na USP, dois terços dos jovens que terminam o mestrado não seguem para o doutorado. Vão fazer outras coisas”, explica Castro.
Outros países
No ranking mundial, Taiwan e Etiópia foram os países que tiveram as maiores reduções de produção científica, logo abaixo do Brasil. Em 2022, o país tinha sido o último da lista, enquanto o penúltimo foi a Ucrânia. “São dois anos seguidos no fim da lista”, constata Gamba. “Não podemos olhar para o aumento dos países em decréscimo e achar que é normal o Brasil estar nessa posição”, alerta.
No ano passado, a Ucrânia conseguiu reverter o quadro, apesar de estar em guerra, e ficou em 10° lugar na lista dos que tiveram aumento da produção científica. A lista foi liderada pelos Emirados Árabes Unidos, Iraque e Indonésia, com incremento de 15%. Em 2022, foi encabeçada pela China, seguida por Estados Unidos e Índia – naquele ano, a Índia cresceu 19%, e superou pela primeira vez o Reino Unido na lista anual de acréscimo.
Gamba explica que a subida dos novos líderes também pode ser explicada pela pandemia. Enquanto em algumas nações, como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França e Alemanha, a elevada produção científica no período pré-pandemia teve um boom no período de alta da contaminação e depois uma queda, nos países onde a produção era baixa, a elevação impulsionada pela pandemia se manteve.
Um terceiro fator são os problemas econômicos como baixo crescimento, alta inflacionária e endividamento externo, que afetam países de todos os continentes. “Não tem como esses problemas deixarem de impactar”, diz Gamba. Apesar do cenário de recessão, as perspectivas são positivas. “Calculamos que com o distanciamento da pandemia e a redução nos cortes, a situação deva melhorar daqui a dois ou três anos no Brasil.” Isso não significa que não haverá desafios. “Vimos mudanças no orçamento para melhor, mas a carência ainda é muito grande”, finaliza Janine.
No relatório deste ano, “2023: ano de queda na produção científica de 35 países, inclusive o Brasil”, foi utilizada a ferramenta analítica Scival, da Elsevier, para coletar dados da base Scopus, que guarda informações de mais de 85 milhões de publicações editadas por mais de 7 mil editoras científicas no mundo.