Ministros de Estado, representantes dos Três Poderes e especialistas reuniram-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nessas segunda e terça-feira, 16 e 17 de setembro, no Palácio do Planalto, para discutir ações integradas de combate aos incêndios florestais e à crise climática global. Nos encontros, Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), apresentou propostas concretas para mitigar os efeitos da crise climática no Brasil.
Entre os presentes na segunda-feira, estavam o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e os ministros Marina Silva (Meio Ambiente), Fernando Haddad (Fazenda) e Ricardo Lewandowski (Justiça). O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, e representantes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também participaram da reunião.
Na reunião do dia 17 de setembro, participaram, além de Alckmin, os presidentes do Senado Federal (Rodrigo Pacheco), Câmara dos Deputados (Arthur Lira) e Supremo Tribunal Federal (Luís Roberto Barroso); os ministros da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski; da Saúde, Nísia Trindade; do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira; da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha; e da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta. Compareceram ainda o advogado-geral da União, Jorge Messias; o procurador-geral da República, Paulo Gonet; o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, e o vice-presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Vital do Rêgo Filho.
Artaxo destacou que o Brasil, por sua localização tropical, está entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, detém vantagens estratégicas únicas para enfrentar esse desafio global. “Precisamos explorar nossas vantagens e lidar com nossas vulnerabilidades. É fundamental evitarmos um colapso do sistema climático global. O Brasil tem potencial para reduzir suas emissões de gases de efeito sem prejuízos à sociedade, e temos vantagens estratégicas importantes na questão climática”, apontou.
O cientista citou o vasto potencial do país em fontes de energia renovável, como solar e eólica, além de seu programa pioneiro de biocombustíveis e a capacidade de sequestro de carbono. “Nenhum outro país no mundo possui as condições que temos para liderar essa transição. Nosso potencial para geração de energia solar e eólica é incomparável, e temos ainda o mercado de carbono, que pode gerar renda ao mesmo tempo em que contribui para a mitigação climática”, explicou.
No entanto, o vice-presidente da SBPC alertou para as vulnerabilidades que a economia brasileira enfrenta, especialmente sua dependência do agronegócio. “O agronegócio pode não ser tão viável nos próximos anos, e precisamos estruturar um futuro com menor dependência desse setor. A crise hídrica, que afeta diretamente a geração de eletricidade nas hidrelétricas, e a elevação do nível do mar, que ameaça 8.500 km de áreas costeiras, são sinais claros de que o Brasil precisa investir em adaptações urgentes”, disse. Ele também enfatizou que o Nordeste brasileiro corre o risco de se tornar uma região árida em poucas décadas, caso medidas efetivas não sejam tomadas.
Caminhos possíveis
Entre as propostas apresentadas por Artaxo, a eliminação do desmatamento até 2030 surge como uma prioridade inegociável. Ele defendeu a necessidade de erradicar tanto o desmatamento legal quanto o ilegal, ressaltando que o Código Florestal, aprovado em um momento de menor urgência climática, precisa ser revisitado para enfrentar a crise atual. Além disso, o combate intensivo aos crimes ambientais, especialmente na Amazônia, foi outro ponto destacado.
A transição energética também foi colocada como uma prioridade. Artaxo defendeu investimentos maciços em energias renováveis, como solar, eólica, biomassa e hidrogênio verde, posicionando o Brasil como líder global em energia limpa. O vice-presidente da SBPC ressaltou que o protagonismo brasileiro na COP-30, que será realizada em Belém no próximo ano, deve ser usado para pressionar outros países a seguir essa mesma trajetória.
No setor agrícola, Artaxo propôs a aceleração de programas de agricultura e pecuária de baixo carbono, com foco na sustentabilidade e na mitigação de emissões. Além disso, ele destacou a importância de investir em ciência voltada para a adaptação e mitigação das mudanças climáticas. “Soluções importadas de outros países muitas vezes não se aplicam à nossa realidade. Precisamos desenvolver abordagens específicas para o Brasil, com base em pesquisas robustas e investimentos significativos”, afirmou.
Para viabilizar essas ações, o vice-presidente da SBPC defendeu o fortalecimento de instituições essenciais, como o IBAMA, PrevFogo, ICMBio, CEMADEN, INPE e os institutos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “É necessário mais que dobrar ou triplicar os orçamentos dessas instituições para que elas possam auxiliar o país de forma eficaz em suas estratégias de adaptação climática”, concluiu Artaxo.
O vice-presidente da SBPC avaliou a iniciativa dos encontros no Planalto como extremamente positiva, sublinhando a importância da mobilização conjunta dos três poderes. “As reuniões realizadas na segunda e terça-feira, com todo o conselho político do governo, do Executivo, Legislativo e Judiciário, dedicada exclusivamente às mudanças climáticas, é um marco significativo. Ficou evidente a necessidade de uma ação rápida e coordenada entre os três Poderes para minimizar o impacto das queimadas e para definir estratégias de médio e longo prazo que abordem as mudanças climáticas de forma abrangente”, afirmou.
Artaxo também ressaltou a importância de o presidente Lula ter proporcionado um espaço para que a ciência fosse ouvida. “Sem o respaldo da ciência, qualquer medida será menos eficaz. O Brasil precisa de soluções que beneficiem a sociedade, com um planejamento robusto para enfrentar eventos extremos. As queimadas, as secas na Amazônia e as enchentes no Rio Grande do Sul são apenas algumas das manifestações visíveis de um problema complexo que o País deve enfrentar”, destacou.
Ele espera que sua apresentação tenha colaborado para que os participantes se sensibilizem sobre a situação crítica das mudanças climáticas e a necessidade de medidas urgentes. “Compreender melhor a situação é crucial para a formulação de políticas públicas eficazes, fundamentadas na ciência mais avançada, que contemplem tanto soluções para a adaptação quanto estratégias de mitigação das mudanças climáticas.” Confira aqui a apresentação de Paulo Artaxo.
No encontro de terça-feira, o Governo Federal anunciou o envio de uma Medida Provisória para liberação de um crédito extraordinário de R$ 514,4 milhões destinado ao combate a queimadas e à seca na Amazônia. Várias medidas provisórias estão sendo preparadas pela Casa Civil, e serão divulgadas nos próximos dias. Algumas destas medidas foram apresentadas nesta reunião, entre elas o aumento das penas por crimes ambientais, reforço orçamentário e de pessoal aos órgãos com o IBAMA, ICMBIO, DEMADEN, INPE, etc.
Na segunda-feira, 16/09, a SBPC divulgou uma nota técnica produzida pelo Grupo de Trabalho de Meio Ambiente da SBPC, enfatizando que a legislação ambiental e as estratégias de proteção à saúde pública precisam ser reforçadas e atualizadas.
Jornal da Ciência