Ao se completar o quinto ciclo eleitoral no Brasil desde 2016 com predominância da direita extrema e conservadora é preciso investigar o motivo da persistência do voto da maioria da população nessas pautas e do desencanto com o progressismo e as esquerdas. A opinião é do filósofo Wilson Gomes, um dos palestrantes do painel “Democracia, Ciência e Desinformação” da programação do Dia de Luta pela Democracia promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Sob a coordenação de Claudia Linhares Sales, secretária-geral da SBPC, o painel contou também com a participação das pesquisadoras Ana Regina Barros Rêgo Leal, da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Thaiane Moreira de Oliveira, da Universidade Federal Fluminens (UFF). O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, abriu o evento.
Filósofo, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Democracia Digital e referência acadêmica na área da Comunicação, Gomes falou sobre a tendência de votos majoritários em conservadores e na extrema direita que vem sendo observada não só no Brasil, mas em vários países, em muitos casos elegendo autocratas que colocam em risco o próprio sistema democrático que os elegeu.
“Metade dos americanos, pela terceira vez, irá votar na extrema direita; metade dos brasileiros, já na quinta eleição neste ciclo eleitoral, tende a votar na extrema direita também, ou seja, é um número que faz pensar”, afirmou Gomes. Na visão dele, após dez anos de vitórias sucessivas da direita em todos os pleitos, não é mais possível explicar o fenômeno como um rompante.
“A percepção, opinião e a vontade política das pessoas mudaram nos últimos tempos e por diversas razões. A rigor, os conservadores de direita não conquistaram as massas, foram elas que se tornaram mais conservadoras e radicalizadas, e cada vez mais afastadas da esquerda e dos progressistas, muitos se tornaram genuinamente hostis a posições da esquerda e progressistas”, afirmou Gomes.
Apoio a ditaduras
A percepção de crescente apoio à extrema direita, autocracias e governos ditatoriais tem base em dados e estudos em vários países, dos EUA ao Reino Unido, da Alemanha à Índia, alguns deles trazidos pela pesquisadora Ana Regina Barros Rêgo Leal. Ela destacou um relatório recente da Economist Intelligence Unit (EIU) – divisão de pesquisa e análise do Economist Group, empresa de mídia com sede em Londres que edita o jornal The Economist – que mostra uma queda de 11% para 7,8% da população mundial vivendo em democracias plenas, de 2011 para 2024. O estudo da EIU analisa 60 indicadores classificados em cinco categorias, incluindo pluralismo, liberdades civis e cultura política, em 25 países.
Em outro relatório, da Universidade de Gottenburgo, com uma metodologia diferente da EIU, são citados 42 países em processo de autocratização e 18 em processo de democratização. Leal ressaltou deste relatório a posição dos Brics – sigla para o grupo de países emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – onde, de acordo com o estudo, a democracia não tem sido um pressuposto para a estruturação das relações comerciais e expansão econômica.
Nestes e em outros trabalhos como o do Fórum Econômico Mundial, o ponto em comum é a relação entre a desinformação e as mudanças democráticas. “A questão da desinformação, sobretudo dentro de uma sociedade incluída digitalmente em um capitalismo tecnológico, termina por perpassar diversos outros estudos, incluindo o meio ambiente, porque a desinformação nessa área também é bem complicada”, comentou Leal.
Desinformação e crise
Thaiane Moreira de Oliveira, que tem como tema de pesquisa desinformação relacionada à ciência, destacou o último relatório sobre a percepção pública da ciência produzido pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) em parceria com o Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT) e da SBPC, demonstrando o interesse de 83% da população em ser ouvida em temas relacionados à Ciência, Tecnologia e Inovação.
“Faço um chamado à reconstrução da ordem democrática através de uma ciência que de fato seja inclusiva, não apenas pelo acesso à informação, mas também uma transformação mais profunda que implique reconhecer as diferentes formas de saber que têm sido marginalizadas, reconhecendo os conhecimentos tradicionais”, afirmou Oliveira.
Ao final do painel, o presidente da SBPC Renato Janine Ribeiro opinou sobre a dificuldade da luta pela democracia devido aos retrocessos observados nos últimos anos. “Os desafios mudaram, os remédios antigos não funcionam mais e, infelizmente, algumas propostas novas ainda padecem de problemas sérios”, concluiu.
O “Dia de Luta pela Democracia Brasileira” foi realizado segunda-feira (7/10) no modo online com transmissão ao vivo pelo canal da SBPC no YouTube. A data, celebrada em 5 de outubro – dia em que foi promulgada a Constituição de 1988 –, é uma oportunidade de reflexão sobre o período da ditadura militar e a importância da liberdade em contraste com o autoritarismo.
Assista ao debate “Dia de Luta pela Democracia Brasileira – Democracia, Ciência e Desinformação” na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência