A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lamenta o falecimento do físico, professor e pesquisador Rogério Cezar de Cerqueira Leite, ocorrido no último domingo (01/12). Engenheiro eletrônico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Cerqueira Leite foi um grande defensor da cadeia tecnológica do País, com ênfase ao desenvolvimento de combustíveis renováveis e incubadoras.
Cerqueira Leite foi docente do ITA e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde presidiu os institutos de Artes e de Física. A cidade de Campinas, inclusive, foi um dos seus polos de atuação, onde criou e dirigiu duas instituições de pesquisa, a Codetec (Companhia de Desenvolvimento Tecnológico), em 1975, e a Ciatec (Companhia de Desenvolvimento do Polo de Alta Tecnologia de Campinas), em 1979.
Na década de 1980, o pesquisador atuou massivamente para a criação da primeira fonte de luz síncrotron do Hemisfério Sul, o que viria a se tornar o CNPEM (Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais), onde foi Presidente de Honra e Presidente do Conselho de Administração.
O forte engajamento político fez com que Cerqueira Leite chegasse à SBPC, onde foi membro ativo desde 1980 e membro de seu conselho de 1985 a 1989. Em 2003, se candidatou à presidência da entidade, concorrendo com Renato Janine Ribeiro, atual presidente da SBPC, e Ennio Candotti, que foi eleito na época.
“É dever da SBPC assessorar comissões do Congresso e de assembleias legislativas nos campos de competência de cientistas e técnicos. Não devemos aceitar como obstáculo o desinteresse e o desconhecimento de parlamentares sobre questões científicas e técnicas. Esta é, possivelmente, a mais profícua forma de atuação em benefício da sociedade que uma democracia representativa permite”, escreveu em março de 2003 no Jornal da Ciência, ao defender a sua candidatura.
A articulação da entidade com os órgãos políticos foi, inclusive, a sua principal proposta. Para o pesquisador, a Ciência e a Tecnologia só chegarão à sociedade quando os atores políticos entenderem que as políticas científicas, industriais e as políticas de desenvolvimento social são dependentes entre si.
“O relacionamento com o Executivo e o Congresso Nacional não pode se limitar à discussão anual do Orçamento. A voz da SBPC tem de se fazer ouvir na discussão das grandes questões nacionais – defesa nacional, biodiversidade, energia, transgênicos, violência, reformas econômicas e sociais, desenvolvimento regional, e tantos outros – onde a qualificação e a competência profissional de seus membros pode dar uma contribuição relevante para o debate”, escreveu em maio de 2003, também no Jornal da Ciência.
Temas presentes nas atuais discussões das políticas científicas, ilustrados na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada agora em 2024, também apareceram nos escritos de Cerqueira Leite de 20 anos atrás.
“Em um mundo onde convergências são cada vez mais notáveis, no qual, para a solução dos grandes desafios científico-tecnológicos deste século a inter e a multidisciplinaridade estão cada vez mais presentes, é urgente que a SBPC engaje, junto com as sociedades científicas especializadas, uma discussão sobre novos currículos, sobre novos conteúdos para a educação técnica, secundária, primária e a divulgação científica, que levem em conta essa realidade. É preciso repensar as fronteiras departamentais nas Universidades, atualizar currículos, discutir novas disciplinas e cursos. em resumo, enfrentar o desafio do conhecimento no século 21”, concluiu.
Cerqueira Leite faleceu aos 93 anos e deixou a esposa, três filhos e seis netos.
Entidades e personalidades lamentam o falecimento de Cerqueira Leite
No último domingo (01/12), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, utilizou seu perfil na rede social X (antigo Twitter) para lamentar a morte de Cerqueira Leite. “Rogério Cerqueira Leite foi um dos nossos maiores cientistas e um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da pesquisa e avanços da Ciência no Brasil. Engenheiro e físico, contribuiu ensinando, pesquisando e criando departamentos e centros de pesquisa em diversas universidades brasileiras”, afirmou.
Entidades onde o trabalho de Cerqueira Leite foi marcante também se pronunciaram. Em nota, a Unicamp destacou as ações do pesquisador em prol do ensino e pesquisa. “Sua trajetória, marcada por uma intensa atividade acadêmica e um profundo engajamento com o desenvolvimento do país, deixou contribuições inestimáveis para a Unicamp, da qual é professor emérito, e para a ciência brasileira”, ponderou, em documento.
O CNPEM também publicou uma nota ressaltando a importância de Cerqueira Leite em sua fundação e a visão do professor em integrar conhecimento e cultura. “Grande apreciador das artes, constituiu e manteve um acervo com milhares de itens artísticos, coleções de arte da China, Japão, Índia, África, Síria, Oceania, América Pré-colombiana, dentre outras. A seu ver, a formação humanística deveria ser intrínseca à formação científica, promovendo, assim, ideias mais progressistas e humanistas.”
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, destacou que o falecimento de Cerqueira Leite é também uma perda pela democracia brasileira. “O professor Cerqueira Leite tem grandes contribuições ao País, que se revelam nas várias facetas de sua atividade. Foi uma das pessoas que melhor concebeu o que seria a Universidade Estadual de Campinas, que lhe deve muito. Dirigiu a Companhia de Energia do Estado de São Paulo numa gestão importante e, além de toda a contribuição científica e institucional, participou decisivamente da discussão pública brasileira, sempre em torno de alguns grandes valores, como a defesa da universidade pública, a defesa da pesquisa científica e a defesa dos interesses nacionais. Cerqueira Leite lutou sempre pelos interesses do povo brasileiro na construção de nossa sociedade, de nossa economia, de nosso campo acadêmico e científico. Por isso, a SBPC e eu pessoalmente lamentamos muito a sua partida.”
Rafael Revadam – Jornal da Ciência