Há exatos, 20 anos, eu colocava no ar a FolhaWeb, primeira iniciativa da Folha na então recém-nascida Internet comercial. Aquilo foi um caldeirão de inventividade sem limites, muito trabalho e diversão, e algum risco.
“Você vai enterrar sua carreira nisso!” “Internet é só um modismo que não vai pegar!”
Ouvi frases como essas aos montões de colegas do jornal, que viam a Internet como uma bobagem de nerds que nunca deveria ter deixado os limites das universidades. Quando eu propus a entrada da Folha na Web, em janeiro de 1995, eu era repórter de Ciência. Quando decidi deixar o jornal para cuidar apenas do rebento digital, que já tinha completado um mês no ar, era editor-interino. Poderia ter mesmo continuado cuidando da minha carreira no impresso, que estava decolando. E, naquela época, quem diria que os jornais chegariam à situação que enfrentam hoje?
Felizmente não dei atenção àqueles colegas, e fui em frente!
Mesmo porque não havia sido fácil conseguir publicar aquele pequeno site, e não queria perder o pouco que tinha conseguido. Eu e meu editor, Claudio Cssillag, ficamos sovando a direção do jornal por meses para conseguir a autorização para a iniciativa. Enquanto ouvíamos perguntas do tipo “onde fica essa tal de Internet” ou “para quem terei que pagar para publicar na Internet”, todos os jornalões brasileiros publicavam suas versões online primitivas.
O pulo do gato para conseguirmos a liberação foi a reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que, naquele ano, aconteceria no Rio de Janeiro. A Folha cobriria o evento, como fazia todos os anos. Meu editor teve então a brilhante ideia de propor a “primeira cobertura online do Brasil”. Entendam: isso não tinha, nem de longe, qualquer semelhança com uma cobertura online de hoje. Basicamente eu publicava à noite as notícias sobre o evento que estariam no jornal do dia seguinte. Mas o uso da palavra “primeira”, muito apreciada no jornal, foi um golpe de mestre do meu colega.
Além disso, alguns dias antes, a Folha havia dado ampla cobertura à Parada LGBT que havia acontecido no Rio de Janeiro, uma das primeiras do gênero no Brasil. “Já que demos tanto espaço aos gays, vamos dar agora aos cientistas”, ouvi na época. E assim o projeto foi liberado.
Assim, depois de realizar minhas tarefas diárias no jornal, ia até a sala do então gerente técnico da Agência Folha, Lelivaldo Marques Filho, parceiro no desenvolvimento das primeiríssimas páginas, que também contaram com a ajuda técnica de Sérgio Esteves, analista de sistema da Folha. Tudo sob a batuta deMarion Strecker, diretora da Agência na época. E, como previsto, no dia 9 e julho, há 20 anos, as matérias enviadas por Ricardo Bonalume Neto, repórter da Folha na reunião da SBPC, foram para o ar na espartana página vista acima. A criação do logo ficou a cargo de Cássio Leitão. Elas estavam acompanhadas por alguns outros conteúdos, como o noticiário das editorias de Ciências e de Informática, e a coluna Netvox, da Maria Ercilia, uma das primeiras pessoas a escrever sobre Internet no Brasil.
O trabalho era artesanal. O código HTML de cada página era editado na mão, em Word. A princípio, uma ferramenta inadequada para o trabalho, mas eu havia criado nele macros que transformavam os comandos do sistema de publicação do jornal em equivalentes na linguagem da Internet. Isso agilizava bastante o trabalho de importação do conteúdo do jornal.
A Folha possuía outra iniciativa de digitalização correndo em paralelo, no Banco de Dados, porém não visava criar um site na Web. Esse grupo, capitaneado porRodrigo Santaliestra e Margot Pavan, uniu-se à FolhaWeb poucas semanas depois.
Além dos dois e das pessoas citadas anteriormente, que já trabalhavam na casa, a FolhaWeb começou a contratar gente especificamente para o projeto: Thania Thadeu, Luciana Saito e Kerly Tanaka, todas reforços editoriais. E a salinha onde trabalhávamos definitivamente ficou pequena…
Foram meses intensos, quase selvagens. É muito raro ter a oportunidade de participar da criação de não apenas um produto, mas um verdadeiro novo meio de comunicação, especialmente um que foi o de mais rápida adoção pelas pessoas e provavelmente o que alterou suas vidas de maneira mais dramática em apenas poucos anos. Ter participado da gestação da FolhaWeb foi um ópio, uma experiência arrebatadora em que tudo se podia, pois não havia parâmetros, não havia literatura, não havia concorrentes, nada! E ter feito tudo isso com as pessoas citadas foi um privilégio.
Antes que o ano acabasse, Caio Túlio Costa já estava no barco, preparando a transformação da FolhaWeb no Universo Online, que se concretizaria no dia 28 de abril de1996. Mas essa é outra história