O avanço das mulheres nos espaços de poder é inegável, mas ainda distante do que precisa ser, de fato. Apesar de serem maioria entre os eleitores e no ensino superior, elas continuam sub-representadas nas esferas política, acadêmica e econômica. (Uma exceção é nossa Diretoria, que desde 2021 conta com dois homens e sete mulheres. Na área educacional e científica, tem avançado muito a presença das mulheres, o que só pode nos orgulhar).
A desigualdade e a violência persistem, evidenciando desafios que resistem a ser superados. Na editoria especial do JC Notícias desta sexta-feira, celebramos o Dia Internacional da Mulher refletindo sobre essa complexa e conturbada trajetória rumo aos espaços de poder e os obstáculos que nossa sociedade impõe para a conquista da plena equidade e justiça.
Firmada em 1995, na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim estabeleceu um compromisso global para promover a igualdade de gênero. Líderes de 189 países e mais de 30.000 ativistas definiram diretrizes para garantir direitos políticos, acesso equitativo à educação e o combate à violência contra mulheres. Três décadas depois, mudanças significativas foram alcançadas, e merecem ser celebradas, mas números estarrecedores de violência e feminicídio em todo o planeta expõem a distância entre o ideal de igualdade e a realidade, e nos fazem questionar o quanto ainda estamos distantes de uma legítima paridade de gêneros, em pleno século XXI. A cada 10 minutos, uma mulher ou menina é morta por um parceiro ou membro da família. Defensoras de direitos enfrentam ameaças, perseguições e, em muitos casos, o silenciamento.
O voto feminino, no Brasil, a voz delas nas urnas, completa 93 anos em 2025. Instituído em 1932 e garantido pela Constituição de 1934, ele representou um marco na inclusão política das mulheres, permitindo que ocupassem um espaço antes restrito aos homens.
Diga-se de passagem que antes desta data nenhuma lei negava o voto às mulheres. Não diziam as Constituições de 1824 e 1891 que elas não poderiam votar. Elas apenas as omitiam. Tanto assim que, em alguns momentos da República Velha, mulheres pleitearam o direito de votar, que lhes foi recusado. Somente a lei eleitoral editada por Getúlio Vargas, em 1932, explicitamente reconheceu esse importante direito político.
Apesar dessa conquista, o direito ao voto não significou, imediatamente, maior representação política. As mulheres continuaram sendo minoria nos cargos eletivos ao longo do século XX e XXI, em razão de barreiras estruturais e culturais que dificultam sua ascensão ao poder. Mesmo com a implementação de cotas partidárias e de financiamento para candidaturas femininas, as mulheres ocupam apenas 17,5% das cadeiras no Congresso e administram duas capitais.
O Brasil ocupa a última posição da América Latina no ranking global de representação parlamentar feminina, reflexo de um sistema que ainda impõe barreiras às mulheres que aspiram ao poder. O impeachment de Dilma Rousseff, a única mulher a ocupar a Presidência do Brasil, expos a hostilidade estrutural às lideranças femininas no mais alto escalão político. No cenário global, apenas cinco mulheres foram eleitas chefes de Estado em 31 eleições presidenciais diretas realizadas em 2024.
No Judiciário brasileiro, a situação não é diferente. As mulheres ocupam 38% das vagas na magistratura, e sua presença é ainda mais reduzida nos tribunais superiores. No STJ, apenas cinco das 33 cadeiras são femininas. Essa baixa representação tem impacto direto nas decisões sobre direitos das mulheres e políticas de equidade.
A exclusão feminina também se manifesta no setor econômico e na tecnologia. Mulheres ocupam apenas 27% dos cargos executivos nas mil maiores empresas do Brasil. A desigualdade digital também limita oportunidades e perpetua estereótipos.
Na ciência, as mulheres continuam minoria em cargos de liderança e nas políticas de reconhecimento de seus papéis. Desde sua criação, em 1901, apenas 2,2% dos Prêmios Nobel de Física e 4,1% dos de Química foram concedidos a mulheres. No Brasil, elas representam 54,62% dos titulados em mestrado e doutorado, mas a presença feminina em cargos de direção dos centros de pesquisa ou nas reitorias das universidades permanece ínfimo – a Unesp elegeu sua primeira reitora em 2024; a Academia Brasileira de Ciências (ABC) teve pela primeira vez uma mulher na Presidência, Helena Nader, recentemente, em 2022, mais de 100 anos após sua fundação.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve três mulheres em sua Presidência ao longo de seus 77 anos de história, e hoje, sua Diretoria é majoritariamente feminina, tem sido uma persistente voz pela equidade de gênero na ciência no país. Desde 2019, promove o Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher”, que, em seis edições, já reconheceu 28 cientistas e jovens pesquisadoras, destacando a importância da presença feminina na produção de conhecimento.
Os avanços conquistados ao longo do século XX e XXI — seja pela Declaração de Pequim, por políticas de inclusão, equidade e proteção, ou pelo direito ao voto — não garantem, por si só, a plena igualdade de gênero. Direitos adquiridos precisam ser defendidos e regulamentados constantemente. O mundo assiste a uma escalada ultraconservadora que tenta retroceder em conquistas históricas, limitando não apenas os avanços políticos, mas também os direitos sociais, econômicos, científicos e culturais das mulheres. Se o passado ensina algo, é que direitos não são permanentes, e toda conquista é frágil diante da intolerância e do retrocesso. Mais do que eleitoras, elas devem ser protagonistas na ciência, na cultura, na economia, na formulação de políticas e na construção de sociedades justas e democráticas. As mulheres não podem retroceder – o lema “nenhum direito a menos” é, mais do que nunca, um imperativo.
Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Francilene Procópio Garcia, vice-presidente da SBPC
Veja as notas do Especial da Semana – Mulheres e poder
JC Notícias – Dia Internacional da Mulher: por que é tão difícil avançar?
G1, 11/02/2025 – Mulheres são maioria com mestrado e doutorado no Brasil, mas homens ainda dominam posições de liderança na ciência
Simon Schwartzman, 04/03/2025 – Nota sobre a feminização do ensino superior brasileiro
The Conversation Brasil, 15/10/2024 – Sempre a mesma coisa: por que os Prêmios Nobel continuam a ignorar tantas mulheres cientistas?
Folha de S. Paulo, 03/01/2025 – Mulheres que chegam à liderança enfrentam desafios de permanência e de poder efetivo
Valor, 07/03/2025 – Mulheres administram R$ 82,6 bi do orçamento de cinco capitais do país
ONU Brasil, 26/12/2024 – Apenas cinco mulheres se tornaram presidentes nas eleições de 2024 no mundo
Agência Câmara de Notícias, 21/10/2024 – Estudo da Câmara mostra crescimento de dois pontos percentuais no número de mulheres eleitas
Folha de S. Paulo, 01/12/2024 – Senadoras líderes são mais interrompidas do que homens, mostra estudo
Ministério das Mulheres, 24/02/2025 – 93 anos do voto feminino: o que já avançamos em quase um século do direito de escolher?
CNN Brasil, 24/02/2025 – Voto feminino completa 93 anos, com equidade na política como desafio
Nexo, 25/11/2024 – Marcos da conquista do voto feminino no Brasil
ONU Mulheres, 18/02/2025 – Relatório do Tribunal de Contas da União traz mapeamento de legislação e políticas públicas para mulheres no Brasil
Brasil de Fato, 05/12/2024 – Quando o poder é ameaçado, são as mulheres que pagam o preço
TRT-8ª região, 08/10/2024 – Equidade de gênero no Poder Judiciário: um caminho ainda longo
ONU Mulheres, 06/03/2025 – Um em cada quatro países relata retrocesso nos direitos das mulheres em 2024
ONU Mulheres, 06/012025 – Dia Internacional da Mulher 2025 – para TODAS as mulheres e meninas: direitos, igualdade e empoderamento
ONU Mulheres, 06/03/2025- ONU Mulheres Brasil divulga ações para acelerar a igualdade de gênero para TODAS as mulheres e meninas
ONU Mulheres, 05/02/2025 – 30 anos da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim: como ela transformou a luta contra a violência de gênero
Agência Brasil, 11/02/2025 – Ausência de mulheres negras é desafio para ciência
Veja, 15/01/2025 – Mulheres líderes: arqueologia revela o poder feminino nos povos celtas
G1, 16/01/2025 – Matriarcado? Pesquisa descobre que mulheres é que tinham poder em comunidades na Inglaterra em período pré-histórico