Diante de um contexto político em transformação e da proximidade de novas disputas eleitorais no Brasil, a comunidade científica enfrenta o desafio de ampliar sua presença no debate público e fortalecer os laços com a sociedade. Estes são alguns diagnósticos apresentados por Soraya Smaili, nova vice-presidente eleita da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Smaili é professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde fez história ao se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo de reitora, eleita em 2013. Graduada em Farmácia e Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP), tem passagens por diversas instituições internacionais, como a Thomas Jefferson University e o National Institutes of Health (NIH), ambas nos Estados Unidos. Também atuou em entidades e organizações do setor, como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT).
Representante da Andifes à época da criação da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br), coalização da qual a SBPC também faz parte, Smaili é uma defensora das articulações políticas de entidades e representações do setor. O elo entre política e Ciência, inclusive, é uma de suas preocupações, visto que a nova gestão da SBPC terá mandato no biênio 2025-2027, que perpassa o período eleitoral no Brasil.
“É uma Diretoria que deverá se engajar muito na apresentação de propostas para os candidatos à presidência em nível nacional, porque a nossa Ciência depende muito do sistema público. No caso do sistema federal, temos universidades e institutos de pesquisas ligados a diferentes ministérios. Também é importante a atuação nos estados, porque nós temos as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) em todos – são 27 Fundações. Todo o sistema de financiamento depende de recursos públicos e grande parte da pesquisa nacional é realizada nas instituições públicas. Nós, certamente, estaremos acompanhando de perto [o período eleitoral] e apresentando propostas para que a Ciência e Tecnologia continuem produzindo conhecimento para o desenvolvimento do Brasil”, complementa.
Além da articulação com governantes, a cientista também ressalta a participação do poder Legislativo na formação de políticas públicas. “Nós vamos ter um período de articulação importante com os parlamentares que apoiam a Ciência e vamos dialogar bastante com eles. É uma linha de atuação que a SBPC sempre organizou e que trouxe muitos resultados: a atuação junto a senadores e deputados federais, pois são eles que possibilitam que muitas das propostas para Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) sejam concretizadas.”
Outra questão importante levantada por Smaili e que também envolve a relação entre a comunidade científica e o Parlamento é o fomento ao setor. A futura vice-presidente da SBPC defende o acompanhamento do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), que define a distribuição de recursos governamentais para o ano seguinte.
“Nós temos um Congresso Nacional que está em debate, que geralmente é intenso sobre o financiamento da Ciência e, nesse sentido, nós temos que acompanhar também, nesse primeiro ano de Diretoria, o processo de elaboração da PLOA. Como vai se dar o processo de composição da Lei Orçamentária para 2026 e depois como será a sua votação e execução”, complementa.
Além da frente política, outra preocupação de Smaili é com a comunicação pública da Ciência. Coordenadora do Centro SoU_Ciência, ligado à Unifesp, e com atuação na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (5ª CNCTI), a pesquisadora afirma que a difusão das informações científicas e o combate à desinformação precisam constar nas futuras políticas científicas.
“A desinformação ocorre em vários sentidos, em vários setores, mas a desinformação da Ciência tem repercussões muito fortes, não só no fazer acadêmico, mas na aplicação dos resultados da pesquisa. Por exemplo, o caso mais emblemático é o das vacinas. Os movimentos antivacina acabam produzindo uma repercussão negativa na vacinação das pessoas e, consequentemente, impactam na saúde de toda a população. Vemos também um movimento anticiência em relação às mudanças climáticas.”
Como resultado dos debates da 5ª CNCTI, Smaili defende que a próxima Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o novo Plano Decenal de CT&I tratem esses temas como políticas de Estado – uma defesa registrada no Livro Violeta, obra resultante da 5ª Conferência que encaminhou diretrizes políticas ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
“Nós temos um desafio maior agora por conta dos meios digitais de comunicação. Essa é uma área que eu venho atuando e que também escrevemos no Livro Violeta. Existe uma série de propostas que nós gostaríamos de realizar. Não depende só da SBPC, mas certamente de um conjunto grande de atores e a SBPC terá um papel central para que aquelas propostas possam ganhar corpo e sejam, de fato, executadas.”
Olhando para a comunicação da SBPC, Smaili ressalta as ações da entidade, que são excelentes e que espera contribuir. “A SBPC já faz muito na parte de comunicação e na educação em ciência. Tradicionalmente, a comunidade científica confia e consulta e lê os informativos do Jornal da Ciência e também a revista Ciência & Cultura. Mas há ainda diversas ações de divulgação científica, como atividades online e a própria Reunião Anual. Cada Reunião Anual é um grande irradiador de comunicação, porque ali a gente tem uma circulação de pessoas, mas também um conjunto de atividades tão importante, tão representativo, necessário, que se reverbera durante muito tempo.”
Para a especialista, o desafio comunicacional agora é aproximar a Ciência das pessoas de uma forma cada vez mais crítica e participativa. “Podemos atuar para uma conversa permanente com os movimentos organizados da sociedade para um contato mais direto com a população em um diálogo que valorize os pesquisadores e pesquisadoras e traga o que nós chamamos hoje de Ciência Cidadã, do fazer conjuntamente e permanentemente. Não é um projeto que tem um começo e fim, mas sim uma atuação contínua e que também contribui para a formulação e execução das políticas públicas para o setor.”
A nova Diretoria será empossada no dia 17 de julho, durante a 77ª Reunião Anual da SBPC, que será realizada em Recife, na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Para Smaili, será um momento de grande significado o início desta nova gestão, que encontrará importantes desafios, mas, também, grandes oportunidades.
“Nós temos muito trabalho pela frente, mas também temos uma força muito grande. Não podemos esquecer que a SBPC tem uma reputação enorme, é uma entidade muito respeitada, e nós temos uma organização forte. Junto com toda diretoria eleita, a SBPC pode continuar a trazer grandes conquistas para a ciência nacional”, conclui.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência