
Ariá é o nome popular, entre os povos originários da Amazônia, de uma espécie de tubérculo cultivado há mais de nove mil anos e que já foi um item essencial da alimentação para várias etnias indígenas da região do Alto Rio Negro. Com o tempo, no entanto, ele foi deixado de lado pelo desinteresse dos mais jovens em seu cultivo e a competição com os alimentos industrializados, conta Tyson Ferreira-Saterê, o único indígena entre os doze autores do livro “Ariá Um Alimento de Memória Afetiva” (Ed. Valer/Ed. Inpa 2024), que está entre os finalistas do Prêmio Jabuti Acadêmico deste ano.
“Minha contribuição ao livro foi contar como meu povo voltou a plantar essa batatinha que estava adormecida”, explicou Ferreira-Saterê após a mesa-redonda “Livros Acadêmicos, Técnicos e Científicos no Brasil: Anúncio de Finalistas do Jabuti Acadêmico”, evento da programação científica da 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Com 95 páginas em papel couchê, ilustradas pela designer Hadna Abreu, “Ariá” é muito mais que um estudo sobre biologia ou antropologia. O livro foi escrito em duas línguas, o português e Ye Pâ-Masa, ou Tukano, um dos idiomas indígenas cooficiais do município de São Gabriel da Cachoeira (AM). Isso só foi possível porque dois estudantes de origem judaica, Eli Minev-Benzecry e Ruby Vargas-Isla, desenvolveram um teclado especial com os caracteres da língua tukana.
“Todas as métricas da faculdade estão mais preocupadas em contar a ciência brasileira para fora da Amazônia, para fora do Brasil. Então, há um tempo a gente vem trabalhando para escrever livros para dentro da Amazônia, para os povos indígenas”, disse Noemi Ishikawa, pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também coautora do livro e que orientou o trabalho dos estudantes.
Esta e outras complexidades do livro acadêmico foram assuntos da mesa-redonda, que foi coordenada pela professora Marilene Corrêa da Silva Freitas, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e que contou com a participação da presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Sevani de Matos Oliveira; da professora Débora Foguel, da Universidade Federal do Río de Janeiro (UFRJ); do psicólogo e etnobiólogo Ulysses Albuquerque, membro da Academia Pernambucana de Ciências (APC), e do presidente da Fundação Editora da Unesp, Jezio Hernani Bomfim Guterre.
“Comunicação científica é fundamental, ela não existe sem ciência, mas, por outro lado, a ciência também não existe sem comunicação”, declarou Guterre que, em sua exposição, posicionou o Prêmio Jabuti Acadêmico, lançado em 2024, no contexto da longa existência das publicações denominadas Científicas, Técnicas e Profissionais (CTP). Ele traçou uma linha do tempo do CTP na história da ciência ocidental, surgindo com os primeiros achados científicos nos séculos XIV e XV, atingindo a maturidade no século XVII, com a invenção da imprensa e o surgimento das primeiras editoras universitárias (Cambridge e Oxford no século XVI).
Hoje, no entanto, a modalidade está em baixa, refletindo uma tendência na indústria do livro impresso. Citando estatísticas da CBL, Guterre afirmou que o setor de CTP no Brasil sofreu uma queda de receita de 66% entre 2004 e 2024, devido a fatores como a internet e a falência de grandes livrarias e chamou a atenção para a baixa utilização do livro como fonte de trabalhos acadêmicos em comparação a artigos e periódicos.
“A moral da história, para mim, é que a gente deveria reconsiderar e reinstituir o relevo do livro no edifício da comunicação científica lado a lado dos periódicos”, concluiu Guterre.
Mas se a internet prejudicou o setor CTP, facilitou a vida dos pesquisadores. “As tecnologias digitais podem emprestar ao livro acadêmico as mesmas características do artigo científico dada a velocidade com que nós podemos hoje revisar, atualizar e disponibilizar esse material para o público”, ponderou Ulysses Albuquerque. Além disso, o livro digital promoveu um forte crescimento da autopublicação. “Hoje, a quantidade de autores que se auto publicam é muito grande”, comentou Albuquerque.
Para Sevani de Matos Oliveira, as redes sociais também são um grande desafio à medida que introduziram na sociedade – em especial nos jovens – um desejo por rapidez que os livros não podem atender. Ela acrescentou questões básicas para o incremento à leitura que vão do “saneamento básico à qualidade da educação primária”, além do incentivo à leitura dentro de casa, pelas famílias.
E completou contextualizando a premiação literária: “O Prêmio Jabuti reafirma a importância da produção científica e do livro acadêmico no Brasil. Reconhecer estas obras é, acima de tudo, valorizar a ciência, a cultura e a educação como pilares para o desenvolvimento do nosso país.”
Janes Rocha – Jornal da Ciência