
A pesquisadora e educadora paraibana Francilene Procópio Garcia assumiu nesta quinta-feira (17/07) a Presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A cerimônia de posse foi realizada durante a Assembleia Geral de Sócios da SBPC, onde também tomaram posse os demais membros da Diretoria da entidade, parte do Conselho e Secretarias Regionais.
Mulher, nordestina e gestora pública, Garcia destacou em seu discurso a urgência de uma ciência que dialogue com os territórios, defenda a soberania nacional e enfrente, com coragem coletiva, as ameaças recorrentes à democracia, à educação e ao meio ambiente. A cientista também anunciou cinco eixos estratégicos para o biênio 2025–2027, com foco na transformação social, na inclusão da juventude na ciência e na reconstrução das instituições científicas do país.
A nova presidente denunciou os retrocessos em curso no Congresso Nacional, como o PL do licenciamento ambiental e a aprovação da proposta de uso de recursos do Fundo Social do pré-sal para refinanciar dívidas do agronegócio, em detrimento de áreas essenciais como educação e saúde. “É hora de levantar a voz”, conclamou. A nova presidente também relembrou os ataques sofridos durante o governo anterior, como cortes em bolsas e editais, o esvaziamento de agências estratégicas e a negação da pandemia, que deixaram cicatrizes profundas no Brasil. Garcia afirmou que a SBPC seguirá como sentinela ativa da democracia, da ciência e da memória coletiva do país.
Garcia disse que sua gestão terá como base cinco eixos estratégicos: transformar a ciência em política de Estado; promover e valorizar a inserção da juventude na ciência; fortalecer a governança do sistema nacional de CT&I; aproximar ciência e sociedade, com foco também na transformação digital; e ampliar a inserção internacional com base na solidariedade e cooperação. Garcia também anunciou que a SBPC será protagonista na mobilização da comunidade científica para que as diretrizes da 5ª Conferência Nacional de CT&I se traduzam em políticas públicas estruturantes. “Ciência, cidadania e justiça social caminham juntas. Sigamos juntos. Viva a democracia! Soberania sempre!”, finalizou.
Francilene Procópio Garcia é professora e pesquisadora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) desde 1989, com atuação no Centro de Engenharia Elétrica e Informática. Possui graduação e mestrado em Ciência da Computação, além de doutorado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisadora visitante na Tsinghua University, na China, e desenvolve pesquisas nas áreas de engenharia de software, sistemas de apoio à decisão, inovação, avaliação de políticas públicas e desenvolvimento regional. Coordena projetos voltados ao uso estratégico da tecnologia da informação e à internacionalização de produtos e serviços de software.
Com uma trajetória marcada pela articulação entre ciência, inovação e gestão pública, foi secretária executiva de CT&I da Paraíba (2011–2018), presidiu o CONSECTI, a ANPROTEC e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba, além de ter integrado conselhos do CCT, CGI.br, FINEP e SEBRAE Nacional. Vice-presidente da SBPC no biênio 2023–2025, presidiu o Conselho Científico do Instituto Serrapilheira e recebeu a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico em 2018. É reconhecida nacionalmente por sua atuação estratégica em políticas de ciência, tecnologia e inovação com foco em impacto social e transformação territorial.
Leia a seguir seu discurso de posse como presidente da SBPC na íntegra:
77ª Reunião Anual da SBPC – 17 de julho de 2025
Caros colegas da comunidade científica brasileira, Sócias e sócios da SBPC,
Assumo hoje a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao lado dos colegas eleitos para o biênio 2025–2027 (Soraya Smaili, Aldo Zarbin, Andrea Macedo, Marilene Corrêa, Ana Teresa Vasconcelos, Samuel Goldenberg, Giselle Zenker e Laila Salmen Espindola), com profundo senso de responsabilidade. É uma imensa honra e, sobretudo, um compromisso continuar a trajetória dessa entidade histórica que, há 77 anos, defende a ciência como bem público, como direito de todas as pessoas e como força transformadora da sociedade.
Como mulher, nordestina, educadora, pesquisadora e gestora pública, reconheço também o simbolismo dessa responsabilidade. Trago comigo as vozes de quem historicamente precisou lutar por reconhecimento, equidade e inserção nos espaços de decisão.
Então, eu acho que esse pertencimento é simbólico e importante para este momento em que a ciência do mundo precisa se posicionar, cada vez mais de maneira plural, inserindo e ouvindo vozes com diferentes sotaques.
Desde muito cedo, carrego a convicção de que a ciência deve estar a serviço da vida, da redução de desigualdades, na transformação de territórios, que é o tema desta Reunião, da soberania nacional, da inclusão e da transformação de realidades. Uma ciência que se realiza com escuta, com redes, com cooperação, e se enraíza nos territórios, dialogando com as múltiplas vozes da sociedade brasileira. E se não for assim, ela não transforma realidades.
Assumir a presidência da SBPC em um momento de grandes desafios e transformações — marcados por crises ambientais, desigualdades persistentes, desinformação, ameaças à democracia e ataques à soberania nacional, não apenas vindos de fora, mas também dentro, como vivemos com relação às medidas recentes de nosso Congresso Nacional. Este é o momento que temos que renovar o compromisso com a reconstrução institucional da ciência brasileira. Convivemos com instituições que precisam se reconfigurar, se remodelar, face aos desafios do século XXI. E é preciso que a gente assuma o engajamento no fazer política cientifica de fato neste país.
Enfrentamos, no governo anterior, um dos períodos mais dramáticos da história do país: cortes em bolsas e editais, ataques à educação pública, esvaziamento de agências estratégicas, negação da vacina e da própria pandemia. Esse legado de desmonte e desgovernança ainda impõe cicatrizes profundas. A SBPC foi — e seguirá sendo — sentinela ativa da democracia, da soberania, da verdade científica e da memória coletiva. Estamos aqui para reafirmar, com firmeza e esperança, que o retrocesso não pode se repetir. A ciência, a educação e os direitos devem ser pilares de um futuro justo, sustentável e democrático que todos nós acreditamos.
É hora de afirmar com toda clareza: ciência não pode ser um projeto de governo — precisa ser política de Estado. Esta é a única forma de assegurarmos a transformação dos territórios com base na ciência.
Atuaremos com firmeza em cinco eixos de compromisso estratégico:
- Seguir lutando para transformar a ciência em política de Estado:
Seguiremos lutando por um Sistema Nacional de CT&I com governança sólida, planejamento de longo prazo e financiamento estável. A 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação mostrou essa motivação de acreditar numa Política de Estado. A consolidação do FNDCT, a nova ENCTI e o Plano Decenal são pilares para que a ciência impacte os territórios e promova o desenvolvimento nacional. Defendemos critérios de avaliação mais sensíveis à relevância social e ambiental, ao fortalecimento da cidadania e ao compromisso com o futuro do Brasil.
- Maior inserção da juventude na ciência
É urgente romper as barreiras que dificultam e afastam os jovens da ciência. Precisamos valorizar a iniciação científica, os programas de pós-graduação, a carreira científica e a permanência de jovens pesquisadores nas instituições e nos territórios. Vamos escutar, apoiar e buscar abrir caminhos para que a nova geração de cientistas seja protagonista do presente e do futuro.
- Fortalecimento da gestão e da governança
A reconstrução do sistema científico exige transparência, planejamento e pactuação federativa. Atuaremos para apoiar as Unidades de Pesquisa, descentralizar infraestruturas, reforçar a integração da SBPC a conselhos estratégicos e fortalecer as Secretarias Regionais como presença viva da luta pela ciência nos estados. Enxergamos a boa gestão como um pilar da credibilidade e da sustentabilidade da ciência pública.
- Fortalecer a aproximação entre ciência e sociedade
Popularizar o conhecimento e dialogar com a sociedade é tarefa contínua. Iniciativas como a “SBPC Vai à Escola”, a revista “Ciência & Cultura”, as publicações semanais, o “Jornal da Ciência”, a “SBPC Cultura” e os seminários “Vozes da Ciência” serão intensificadas, especialmente voltado para a aproximação das eleições nacionais do próximo ano. A inovação social, a filantropia científica ajuda a construir pontes reais com os desafios sociais, ambientais e econômicos do país. Neste eixo, incluímos um tema emergente e inadiável: a transformação digital. A SBPC será parte ativa na formulação de marcos regulatórios que garantam o uso ético, democrático e soberano de tecnologias como a inteligência artificial, com o protagonismo da pesquisa pública.
- Inserção internacional e solidariedade científica
A comunidade científica precisa ser inserida nas grandes agendas globais, como a transição energética e a COP30, com um olhar para o fortalecimento da cooperação Sul-Sul. O Brasil pode exercer uma diplomacia científica baseada na solidariedade, sustentabilidade e justiça climática, com protagonismo das mulheres, da juventude e dos territórios historicamente invisibilizados.
A realização da 5ª Conferência Nacional de CT&I demonstrou a força da mobilização da comunidade científica brasileira e. A publicação do Livro Violeta e o início da série de seminários “Vozes da Ciência” expressaram, com nitidez, a urgência de transformar essa escuta em políticas públicas estruturantes. A SBPC estará ativamente envolvida nesse processo, acompanhando e mobilizando a comunidade científica para que as diretrizes construídas coletivamente se traduzam em ações concretas.
Agradeço, com reconhecimento:
- À dedicada equipe técnica e administrativa da SBPC;
- À Diretoria, ao Conselho e às Secretarias Regionais;
- Às 161 sociedades científicas afiliadas e aos sócios institucionais;
- E às sócias e sócios individuais que mantêm viva a chama da ciência em nosso país.
Iniciamos esta Reunião Anual com uma fala de Renato Janine Ribeiro em defesa da soberania nacional, proferida em um contexto de ataques da gestão Trump à ciência e à democracia. Hoje, vivemos um grave momento também em nosso país. Projetos que tramitam no Congresso Nacional — como o PL da Devastação e a proposta que autoriza o uso de até R$ 30 bilhões do Fundo Social do pré-sal, originalmente destinado a áreas essenciais como educação, saúde e habitação, para o refinanciamento de dívidas do agronegócio com juros subsidiados — representam ameaças concretas à soberania nacional, ao meio ambiente e ao futuro do Brasil.
Esses retrocessos são impulsionados por velhas práticas de chantagem institucional, que ferem o pacto democrático, comprometem o interesse público e desfiguram o papel do Estado.
É hora de levantar a voz. Este é um tempo que exige vigilância ativa, mobilização ampla e coragem coletiva. Conclamamos a comunidade científica e educacional, os movimentos sociais, e todos os setores democráticos da sociedade a se unirem em defesa da democracia, da justiça social e de uma ciência comprometida com a vida.
A ciência brasileira não se calará diante do retrocesso.
Ciência, cidadania e justiça social caminham juntas, sigamos juntos.
Viva a democracia! Soberania sempre!
Muito obrigada.
Recife, 17 de julho de 2025
Francilene Procópio Garcia
Jornal da Ciência