A Evolução é Fato: cientistas reforçam base da biologia contra o negacionismo

Especialistas reunidos na 77ª Reunião Anual da SBPC discutem a importância da teoria da evolução para a ciência, a educação e os desafios contemporâneos
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

A teoria da evolução por seleção natural é uma das mais sólidas da história da ciência. Desde que Charles Darwin e Alfred Russel Wallace a propuseram no século 19, ela tem sido confirmada por milhares de estudos e evidências, sendo hoje uma pedra angular das ciências biológicas — tão fundamental quanto as leis da física e da química são para a compreensão do universo. Diante do avanço da desinformação e do negacionismo científico, no entanto, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) decidiu reafirmar seu compromisso com os fatos: lançou o livro “A Evolução é Fato”, uma obra que traz um panorama atual e acessível sobre a teoria da evolução, com exemplos concretos — inclusive brasileiros — e aplicações que vão da biodiversidade às biotecnologias.

O tema foi discutido na mesa-redonda “Evolução é Fato”, realizada nesta quinta-feira (17/7), durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). A mesa foi coordenada por Samuel Goldenberg, pesquisador Emérito da Fiocruz, e contou com a participação de Carlos Frederico Martins Menck, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP); Marie-Anne Van Sluys, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP); Fabrício Rodrigues dos Santos, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e Marina Bento Soares, professora do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional (MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Samuel Goldenberg, que tomou posse nessa quinta-feira como diretor da SBPC, destacou que “a luta pelo progresso da ciência passa, necessariamente, pela luta contra o negacionismo. E o negacionismo da teoria da evolução é persistente, existe há mais de um século”. Goldenberg lembrou que a ABC teve a preocupação de esclarecer publicamente esse tema, lançando o livro A Evolução é Fato”, que hoje é finalista do Prêmio Jabuti Acadêmico. O livro está disponível gratuitamente no site da instituição.

O professor Carlos Frederico Martins Menck reforçou que o objetivo da obra é afirmar, com base em dados concretos, que a evolução não é hipótese ou crença — é um fato comprovado cientificamente. “Quando Darwin publicou ‘A Origem das Espécies’, já havia naturalistas no Brasil confirmando suas ideias. Fritz Müller, em Desterro (atual Florianópolis), observou crustáceos que sustentavam a ancestralidade comum. Peter Lund, dinamarquês radicado em Lagoa Santa (MG), descobriu fósseis como a preguiça gigante e o tigre-dente-de-sabre, sendo considerado o pai da paleontologia brasileira.” Carlos Menck também destacou nomes como Crodowaldo Pavan e Francisco Lara, precursores da biologia molecular no Brasil, além de Aziz Ab’Sáber, Jurgen Haffer e Paulo Vanzolini, que formularam a teoria dos refúgios para explicar a biodiversidade amazônica. O professor lembrou ainda o impacto do Projeto Genoma: “A evolução está escrita em nossos genes. A leitura do DNA confirma a ancestralidade comum entre todos os seres vivos.”

A professora Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da USP, destacou o papel fundamental das plantas na história evolutiva e na manutenção da vida. “Foi com a fotossíntese que se iniciou a liberação de oxigênio na atmosfera. Essa atividade está presente globalmente, seja em fitoplânctons nos oceanos, seja na vegetação terrestre.” Marie-Anne Van Sluys alertou para os impactos das mudanças climáticas sobre esse equilíbrio: “Ao aumentarmos a concentração de CO₂, alteramos diretamente a atividade biológica da fotossíntese, com efeitos profundos sobre o clima e a biodiversidade. Por isso, projetos de lei que incentivam a devastação ambiental são extremamente preocupantes.” Ela também relacionou a fotossíntese com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destacando sua importância para o combate à fome, a saúde dos oceanos e a preservação da vida terrestre.

Já a professora Marina Bento Soares, do Museu Nacional (UFRJ), enfatizou a importância dos fósseis como registros materiais e inquestionáveis da evolução. “Fósseis revelam padrões macroevolutivos e permitem compreender momentos de origem, diversificação, aquisição de características inovadoras e extinção de espécies.” Segundo ela, os dinossauros mais antigos conhecidos foram encontrados no Rio Grande do Sul e na Argentina, revelando os primeiros passos evolutivos desse grupo. “A paleontologia, as extinções em massa e a geologia nos ajudam não só a entender o passado da Terra, mas a projetar cenários futuros”, afirmou.

Por fim, o professor Fabrício Rodrigues dos Santos, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, abordou a ancestralidade humana e a importância de discutir a evolução na educação brasileira. “Darwin não falou sobre nossa origem em ‘A Origem das Espécies’. Isso veio depois, em ‘A Descendência do Homem’, quando ele apontou nossa ancestralidade africana.” Santos destacou que há evidências fósseis de mais de 30 espécies de hominídeos nos últimos 6 milhões de anos, a maioria encontrada na África. Há cerca de 200 mil anos, surgiram os primeiros Homo sapiens na Etiópia. “Partilhamos características com os primatas que estão inscritas no nosso genoma. Mesmo algumas estruturas anatômicas pouco funcionais em humanos são heranças de nossos ancestrais quadrúpedes.” Ele também criticou a falta de conteúdos sobre ancestralidade africana e indígena na educação: “Temos uma lei que obriga a inclusão dessas histórias nos livros escolares, mas ainda há um grande déficit. É essencial que os estudantes tenham acesso à rica diversidade biológica e cultural que existia no Brasil antes da colonização.”

Assista aqui à mesa-redonda na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=y-sJ0tVcgO0

Chris Bueno – Jornal da Ciência