Entre marés e jangadas

Artigo da nova edição da Ciência & Cultura discute resistência e adaptação climática no litoral brasileiro

whatsapp-image-2025-08-13-at-09-54-12As cidades costeiras brasileiras vivem uma realidade em que a justiça climática é tão frágil quanto a vida nas palafitas erguidas sobre o mangue. Em regiões como o litoral paulista, comunidades que enfrentam diariamente a ausência do Estado desenvolvem estratégias próprias de sobrevivência, baseadas em saberes transmitidos de geração em geração. Essas práticas, muitas vezes vistas como precárias por quem observa de fora, revelam-se altamente adaptadas às condições locais. Pescadores que leem as marés antes das previsões oficiais e marisqueiras que conhecem o ritmo das águas exemplificam como a adaptação climática, para essas populações, não é apenas técnica, mas profundamente enraizada na experiência e na memória coletiva. Isso é o que discute artigo da nova edição da Ciência & Cultura, que tem como tema “Cidades e Meio Ambiente”.

O litoral brasileiro, com mais de 7.000 km de extensão e crescente urbanização, é particularmente vulnerável a impactos como a elevação do nível do mar, enchentes, erosão e salinização de aquíferos. Esses fenômenos, embora de alcance global, afetam desigualmente as populações, expondo a sobreposição entre desigualdades socioespaciais e riscos ambientais. A especulação imobiliária, a falta de planejamento territorial integrado e políticas públicas fragmentadas agravam a situação de comunidades como pescadores artesanais, quilombolas, ribeirinhos e caiçaras, que dependem diretamente dos ecossistemas costeiros para seu sustento, cultura e alimentação. Enquanto isso, muitas decisões sobre o futuro desses territórios seguem sendo tomadas sem sua participação efetiva. “A urbanização acelerada do litoral brasileiro expõe a sobreposição entre desigualdades socioespaciais e riscos climáticos”, enfatiza Pedro Henrique Campello Torres, professor na UNESP/CLP e no PROCAM/USP e coordenador do Laboratório de Pesquisas em Desigualdades Ambientais, Mudanças Climáticas e Planejamento em Sistemas Socioecológicos (LADAMPS).

A teoria da treadmill of environmental governance ajuda a compreender por que tantas políticas falham em enfrentar essas desigualdades. Quando a adaptação climática se limita a soluções tecnocráticas e centralizadas, ela tende a reproduzir as mesmas estruturas que produziram a vulnerabilidade. Nesse cenário, a justiça climática surge como um caminho para reorientar o planejamento urbano e a governança ambiental, colocando no centro a redistribuição de recursos, a pluralidade de vozes e a participação das comunidades diretamente afetadas. Trata-se de reconhecer que a adaptação não é apenas um desafio técnico ou ambiental, mas uma questão política e histórica. “A seletividade na aplicação das leis ambientais revela uma lógica excludente que penaliza comunidades tradicionais e racializadas”, diz Pedro Torres.

Avançar para uma adaptação climática transformadora exige romper com a lógica de considerar as populações costeiras como beneficiárias passivas e reconhecê-las como protagonistas de um outro modelo de cidade e de relação com a natureza. Inspirada no fandango caiçara — em que a harmonia só é possível com escuta e coordenação coletiva —, essa abordagem precisa valorizar os saberes ancestrais e as práticas comunitárias como parte legítima das soluções.

Leia o artigo completo:

https://revistacienciaecultura.org.br/?artigos=entre-mares-e-jangadas

Ciência & Cultura