Vacinas revolucionaram a saúde pública e continuam a fazê-lo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), elas já salvaram mais de 150 milhões de vidas nos últimos 50 anos. Provavelmente, esta é a maior conquista sanitária da humanidade, que ainda garantiu um aumento vertiginoso e inegável da nossa expectativa de vida. No Brasil, temos no Programa Nacional de Imunizações, constituído desde 1973, um patrimônio de proteção coletiva reconhecido no mundo todo. Avançamos e continuamos avançando na produção, no desenvolvimento e nas políticas públicas, porém, a cobertura vacinal está ameaçada por um vírus que ainda não encontramos imunizante: a desinformação.
Do lado dos avanços, o Brasil levou à fase final de estudos uma vacina 100% nacional contra a covid-19 (a SpiN-TEC), resultado de uma articulação entre universidades, institutos e financiamento público que poderá chegar aos braços da população em pouco mais de um ano. A oferta no SUS de imunização contra o vírus sincicial respiratório, desde gestantes até bebês, é uma nova mudança de patamar na prevenção de bronquiolite, uma das principais causas de internações de crianças em seus primeiros meses de vida. Além disso, evidências produzidas aqui em nosso país já demonstram a eficácia da vacina contra a dengue em cenário real, o que já permite desenhar um plano mais consistente e abrangente de vacinação nacional.
Fiocruz e Butantan, por sua vez, expandiram nos últimos cinco anos sua capacidade fabril e firmaram parcerias que reduzem a dependência externa e fortalecem nossa soberania sanitária. Estes avanços demonstram que o Brasil não depende apenas de importações: depende de vontade política, planejamento e continuidade de investimento público.
É difícil compreender como, ao lado de tantos avanços e tantas conquistas que levaram décadas para serem consolidados, e com resultados concretos e inquestionáveis, o Brasil possa ter voltado à lista dos 20 países com mais crianças sem a primeira dose de DTP, na 17ª posição. Globalmente, mais de 14 milhões de crianças seguem com “zero dose”, e o sarampo voltou a crescer no mundo, inclusive nas Américas. E não é só um problema infantil. A vacinação de adultos está também negligenciada, apesar de muito conhecidos seus benefícios, como redução do tempo de internações e óbitos por doenças como influenza, zóster e outras.
Os motivos são muitos, desde os obstáculos logísticos e sociais, desigualdades territoriais até serviços fragilizados e contextos de conflitos. Mas um fator muito preocupante cresce com velocidade assustadora: a desinformação. Ruídos, dúvidas, teorias conspiratórias, fake news corroem a confiança, geram medo e fazem com que famílias deixem de se vacinar ou de vacinar seus filhos. A desinformação é o novo agente infeccioso do século XXI — e seu antídoto é a confiança construída pela ciência e pela comunicação pública.
Por isso, o combate à desinformação precisa ser tratado como uma política pública de saúde. É necessário ocupar os espaços onde as notícias falsas se disseminam e ali introduzir informação qualificada, acessível e esclarecedora. Ao mesmo tempo, é fundamental ampliar o acesso às vacinas e fortalecer o SUS como rede de proteção e confiança. Fazer-se presente, com ciência, acolhimento e informação, é a única forma de não deixar espaço para o medo e a dúvida.
Como sociedade científica, propomos um pacto de três eixos que consolide uma política permanente de imunização. O primeiro é o da soberania e do financiamento estável: sem recursos previsíveis para pesquisa e desenvolvimento, ensaios clínicos, regulação ágil e capacidade fabril, não há vacina nacional sustentável. O FNDCT e os orçamentos do MCTI e do Ministério da Saúde precisam refletir essa prioridade, com metas plurianuais e transparência.
O segundo eixo é o da cobertura e da equidade, com a meta de recuperar e sustentar pelo menos 95% de cobertura nas vacinas do calendário infantil em todos os municípios, reduzindo bolsões de baixa imunização por meio de planejamento com indicadores públicos por território, integração com escolas e fortalecimento da atenção primária.
O terceiro eixo é o da confiança e da educação vacinal: implementar um programa nacional que una profissionais de saúde, educadores e comunicadores, capaz de monitorar os ecossistemas digitais, identificar tendências de desinformação, acionar respostas rápidas contra a desinformação e reconhecer boas práticas de divulgação científica que reforcem a credibilidade da ciência e do Sistema Único de Saúde.
Em maio passado, trouxemos este tema para ser discutido nesta nossa editoria especial. Retomamos agora e retomaremos quantas vezes forem necessárias até que o Brasil deixe de figurar em listas de baixa vacinação, até que a população brasileira alcance níveis seguros de imunização capazes de erradicar doenças contagiosas. Nosso compromisso é alertar para riscos e noticiar, com a mesma ênfase, nossos avanços e a vitalidade de uma indústria médica e de vacinas cada vez mais pujante.
A SBPC conclama todas as Sociedades Científicas Afiliadas e demais entidades da comunidade acadêmica e tecnológica a se unirem neste compromisso. Fortalecer a cultura da vacinação é também fortalecer a cultura científica, baseada em evidências, solidariedade e responsabilidade pública. Que cada sociedade leve esse debate a seus congressos, redes e publicações, reafirmando o papel da ciência como bem comum e instrumento de soberania nacional.
Vacinar é política de vida, de desenvolvimento e de soberania, especialmente em tempos em que a desinformação ameaça décadas de conquistas da saúde pública. O Brasil tem ciência, instituições e capacidade produtiva para liderar, novamente, pelo exemplo. A SBPC reafirma seu compromisso de mobilizar a comunidade científica e dialogar com o poder público para que a imunização volte a ser motivo de orgulho nacional, símbolo de uma sociedade informada, protegida e soberana.
Francilene Procópio Garcia, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC
Veja as notas do Especial da Semana – Vacinas
Folha de S. Paulo, 15/07/2025 – Brasil retorna à lista de países com mais crianças não vacinadas no mundo
Unicef – 15/07/2025 – Vacinação infantil global mantém-se estável, mas mais de 14 milhões de crianças continuam sem vacinação
Mariana Tokarnia – Agência Brasil, 09/10/2025 – Vacina brasileira contra covid entra na fase final de estudos
Agência Fiocruz, 20/08/2025 – Estudo comprova eficácia de vacina contra dengue
Midiamax, 20/08/2025 – UFMS e Fiocruz comprovam eficácia da vacina contra dengue em adolescentes
Rádio Nacional, 07/10/2025 – Vacina contra HPV reduz até 58% dos casos de câncer de colo de útero
Rádio Nacional, 16/07/2025 – OMS alerta para baixa cobertura de vacina tríplice DTP nas Américas
CNN Brasil – Mais de 14 milhões de crianças não foram vacinadas no mundo, diz OMS
Terra, 9/10/2025 – Vacina contra bronquiolite chega ao SUS
Agência Brasil, 24/04/2025 – OMS: surtos de doenças preveníveis ameaçam progresso na vacinação
Jornal da Unesp, 06/06/2025 – Programas de vacinação revolucionaram a saúde no Brasil e no mundo, mas a queda no uso de imunizantes preocupa a OMS
Ministério da Saúde – Ministério da Saúde lançou esta semana campanha nacional de vacinação para proteção de crianças e adolescentes de até 15 anos de idade
G1, 25/09/2025 – Aplicativo que alerta sobre vacinação infantil e combate notícias falsas é testado no Piauí; estudante da UFPI desenvolveu ferramenta
O Globo, 28/09/2025 – Vacinas e autismo: o estudo que deu origem a teorias falsas
Bloomberg School of Public Health – Como os cortes no desenvolvimento da vacina de mRNA prejudicarão os EUA
Opas, 7/10/2025 – Opas lança novos guias para ajudar a combater a desinformação sobre vacinas
The Conversation, 04/08/2025 – Hesitação vacinal: como questões sociais e tecnológicas se uniram para gerar desconfiança