A pouco menos de um mês da realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), Brasília recebeu esta semana lideranças de 67 países para a última rodada de negociações climáticas. A Pre-COP, como foi chamada, reuniu ministros, negociadores, cientistas, lideranças indígenas, juventudes e representantes do setor privado, com foco em consolidar propostas mais robustas e mais bem alinhadas para Belém, em novembro. O encontro marcou um avanço importante na complexa construção de consensos, mas também expôs os desafios difíceis de se transpor na transição entre discurso e implementação.
Nos aproximamos da 30ª Conferência em clima de “é agora ou nunca”. E foi esta a tônica que permeou os debates nos dias 13 e 14 de outubro: é preciso ações coordenadas, recursos reais e compromissos verificáveis. O Brasil, que sediará a COP30, apresentou-se de forma estratégica nessa agenda. Destacou sua matriz energética renovável, dados recentes de redução do desmatamento (ainda um tanto desafiador após a passada da boiada no governo anterior) e o esforço de articulação entre ministérios, ciência e sociedade civil. Mas discurso e credenciais não bastam. É nesse contexto que o conhecimento científico assume papel estratégico: orientar políticas, antecipar riscos e transformar compromissos em ação. As mudanças climáticas não se resolvem nas mãos de uma só gestão, nem, tampouco, em uma ou outra nação isolada. Será a capacidade de transformar compromissos planetários em resultados que definirá o legado da Conferência de Belém.
Falo com o olhar da ciência e a memória de tragédias que se repetem com frequência crescente e impactos cada vez mais devastadores. As enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024, para citar um exemplo mais recente, mostraram o custo de não investir em adaptação e prevenção. Segundo estimativas da Confederação Nacional de Municípios (CNM), os desastres climáticos de 2024 geraram prejuízos superiores a R$ 30 bilhões — um custo que poderia ter sido evitado com planejamento e adaptação. A SBPC acompanhou de perto esse processo, articulando pesquisadores, participando de comitês técnicos, apoiando editais emergenciais e produzindo recomendações baseadas em evidências.
É nesse sentido que a SBPC defende que Belém seja o marco de um pacto real, concreto e definitivo pela adaptação. Reiteramos o óbvio: eventos extremos climáticos não respeitam fronteiras e a adaptação e sua mitigação só existirá com investimentos em infraestrutura, governança, além de políticas bem-implementadas. As diretrizes internacionais precisam ser traduzidas em planos locais com metas e recursos definidos, capazes de chegar aonde os impactos são mais severos.
No caso do Brasil, isso significa drenagem urbana funcionando, encostas protegidas, escolas e unidades de saúde preparadas para operar em situações de emergência, monitoramento de nossas florestas e punição severa a quem desmata. Requer também informação confiável, redes de alerta e coordenação permanente entre ciência, defesa civil e governos locais.
Nada disso se sustenta sem financiamento. O desafio é garantir que os recursos internacionais para o clima cheguem de fato aos territórios e não se percam entre compromissos e promessas. Municípios vulneráveis, comunidades tradicionais e populações em áreas de risco precisam ser o destino prioritário do investimento climático. E, acima de tudo, é necessário assegurar transparência e participação. As decisões sobre o clima devem incorporar as vozes de quem vive a crise todos os dias: agricultores, jovens, povos indígenas, famílias que enfrentam enchentes e secas. E precisam ser acompanhadas de forma pública, com metas claras e verificáveis.
Falamos aqui de adaptação, mas também precisamos agir sobre a mitigação. O Brasil tem feito avanços no combate à devastação das florestas, mas ainda muito insuficiente. Somos, no entanto, o único país com condições reais de alcançar o desmatamento zero até 2030. Mas isso só terá efeito real se vier acompanhado de um compromisso global com a redução drástica do uso de combustíveis fósseis, da redução das emissões de carbono e contenção do aumento da temperatura no mundo todo. Um estudo publicado na Nature no ano passado alertou para a possibilidade de o sistema amazônico estar se aproximando de um ponto crítico de colapso, um limiar de não-retorno que deveria assombrar e mobilizar todos os países. O clima da Amazônia depende do clima do planeta, e vice-versa. Se as nações desenvolvidas não reduzirem suas emissões, mesmo um Brasil de floresta preservada continuará sob risco.
A Pre-COP deixou sinais positivos. A criação de uma agenda de ação envolvendo sociedade civil e setor privado indica maturidade. O compromisso de quadruplicar a produção de combustíveis sustentáveis até 2035 mostra disposição política. E o diálogo entre os círculos temáticos sobre finanças, ética e povos originários fortalece uma visão mais integrada da crise climática. Ainda assim, persistem travas que precisam ser enfrentadas: lacunas de financiamento, indefinições na transição longe dos fósseis e a distância entre a retórica global e as realidades locais.
O Brasil tem mostrado que tem condições de liderar essa virada. Nossa matriz elétrica majoritariamente limpa, nossa rica biodiversidade, a força da comunidade científica e das comunidades tradicionais e o histórico de políticas públicas baseadas em evidências nos permitem propor soluções replicáveis. Os resultados que almejamos ver se alcançam com cronogramas realistas, métricas públicas, prazos definidos e acompanhamento social.
Propomos que a Presidência da COP adote um pacto de adaptação para territórios vulneráveis e que todo mecanismo financeiro aprovado tenha uma regra clara de repasse mínimo à ponta, com transparência em tempo real.
A SBPC se coloca à disposição para que o compromisso firmado em Brasília se traduza em proteção concreta nas regiões afetadas por enchentes, secas, poluição e insegurança alimentar. A ciência brasileira está pronta para desenhar, colaborar na execução e avaliar políticas eficazes.
Se Belém for a COP da implementação, que seja reconhecida pela participação efetiva da ciência, pelos resultados concretos e pelos indicadores que melhorem a vida de quem hoje enfrenta, no cotidiano, os efeitos mais duros da crise climática.
Francilene Procópio Garcia, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC