Segundo Helena Nader, o parecer do senador Rodrigues alterou totalmente o texto aprovado na Câmara. O PLC 70/2014 foi aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) na quarta-feira, 22
A proposta que dispõe sobre a utilização de animais em pesquisas científicas para o desenvolvimento de cosméticos – aprovada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCT) do Senado Federal – na quarta-feira, 22 em votação simbólica – ignorou todas as sugestões das áreas de ciência, tecnologia e empresarial que a Câmara dos Deputados havia contemplado, lamentou a presidente da SBPC, Helena Nader, referindo-se às mudanças realizadas pelo senador Randolfe Rodrigues (REDE/AP), relator do PLC 70/2014, em seu relatório.
A titular da SBPC considerou grave a decisão. “O que foi aprovado na Câmara foi o que nós cientistas, tecnólogos e empresários conseguimos em várias audiências públicas. O Senado rasgou tudo o que a Câmara aprovou”, disse Nader, que em 2015 alertou à CCT do Senado sobre o apoio da instituição ao texto final da Câmara, em carta disponível aqui.
“Infelizmente o que houve nessa votação da Comissão do Senado é um grande retrocesso em relação ao um projeto amplamente discutido em diferentes audiências públicas, onde todos os setores opinaram e que havia sido construído na Câmara”, acrescentou.
O PLC 70/2014 altera dispositivos da Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008 – conhecida como Lei Arouca –, para dispor sobre a vedação da utilização de animais em atividades de ensino, pesquisas e testes laboratoriais com substâncias para o desenvolvimento de produtos de uso cosmético em humanos e aumentar os valores de multa nos casos de violação de seus dispositivos. O relatório do senador Rodrigues foi aprovado, no entanto, com emendas, consideradas prejudicadas por dois projetos de lei do Senado (PLS 438/2013 e o de nº PLS 45/2014) que tramitaram em conjunto com a proposta da Câmara.
Na análise da presidente da SBPC, as alterações trarão atraso à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico do País.
“Nós da SBPC, que trabalhamos ativamente na discussão do projeto, nos sentimos muito decepcionados. Porque os avanços que essa legislação poderia trazer foram todos perdidos e estão lançando simplesmente novos entraves que dificultarão que o País realmente seja forte na ciência, na tecnologia e na inovação, promovendo empregos. Sem CT&I, não teremos, de fato, uma indústria brasileira forte”, disse.
A titular da SBPC comparou ainda a situação à regulamentação da Lei da Biodiversidade, que também ignorou todas as recomendações da comunidade científica e de todas as partes interessadas no avanço da legislação. “O que vai acontecer? Parecido com a regulamentação da Lei da Biodiversidade e Conhecimentos Tradicionais, nós estamos mandando uma mensagem para nossa indústria: ‘por favor, instale-se num país vizinho’. É um retrocesso mesmo.”
A cientista Lucile M. Floeter Winter, conselheira da SBPC e representante da instituição no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), também criticou as mudanças realizadas no projeto de lei que havia sido aprovado pelos deputados federais.
Winter, que é professora titular do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP), além de concordar que a medida é um retrocesso, destacou que o parecer do relator de Rodrigues não acrescenta novos subsídios à utilização de animais em pesquisa científica no País.
Segundo analisa a cientista, a proposta prevê alterar pontos da Lei Arouca que já estão devidamente contempladas em ações do Concea, que foi criado pela legislação em vigor, constituindo, portanto, “um retrocesso legal”. Disse ainda que a legislação em vigor é mais rígida e mais abrangente na utilização de animais na pesquisa do que a proposta em tramitação.
Prazo de adaptação
Nesse caso, Winter disse que o projeto de lei em tramitação ignora as ações já adotadas pelo Concea, por intermédio da publicação de duas resoluções normativas (RN) que estabeleceram um prazo de transição de cinco anos para adequação e adoção de métodos alternativos à utilização de animais para determinados desfechos metodológicos. É o caso da RN nº 18, publicada em setembro de 2014, e a RN nº 31, publicada em agosto de 2016.
Já o prazo de transição previsto no parecer do senador Rodrigues é de três anos, a partir da aprovação do projeto ainda em tramitação, para que as empresas de cosméticos, que ainda realizam testes em animais, possam atualizar sua política de pesquisa e desenvolvimento e adaptar sua infraestrutura.
Pelas normas em vigor, a cientista destaca que a partir de 2019, conforme o prazo estipulado na RN nº 18, a mais abrangente em relação às recomendações sobre a utilização de métodos alternativos, o Brasil não poderá mais utilizar animais em quaisquer experimentos científicos, e não somente para testes de cosméticos, quando o teste tem o desfecho contemplado na resolução. Dessa forma, “essa desejada” proibição já está contemplada nas ações do Concea, reforça.
“Pelas resoluções normativas do Concea, chegaremos ao prazo de proibir definitivamente a utilização dos animais antes mesmo do que propõe o projeto de lei. Isso quer dizer que esse projeto não acrescenta nada à lei 11.794 e que, portanto, essa legislação não precisa ser mudada”, concluiu a cientista. “Os senhores senadores devem entender que já existe uma ação temporal que vai proibir o uso de animais em um prazo inferior ao do próprio projeto, mesmo que este fosse aprovado amanhã”, complementou e reiterou que a alteração da Lei 11.794 consiste em um retrocesso à atuação do Concea.
Abrangência
Winter acrescentou ainda que as duas resoluções normativas proíbem a utilização de animais para “desfechos metodológicos em qualquer produto” e não somente para cosméticos, como propõe o PLC nº 70/2014. “As ações do Concea são até mais abrangentes no que se refere à substituição da utilização de animais por métodos alternativos”, explicou.
A conselheira da SBPC chamou também a atenção para a preocupação da área científica de substituir a utilização de animais, sem, contudo, prejudicar o progresso do avanço no conhecimento que resulta em melhor qualidade de vida, tanto para o homem como para com os próprios animais. E reiterou “que todos têm o mesmo objetivo que consiste na utilização ética dos animais.”
Questionamentos de senadores
Ainda que a votação do PLC 70/2014 tenha sido simbólica na CCT na quarta-feira, o senador Pedro Chaves (PSC-MS) questionou pontos do parecer do relator da matéria que, segundo observa, permitem exceções na utilização animal em testes de cosméticos. O parlamentar referiu-se aos artigos que preveem exceções “em circunstâncias em que surjam graves preocupações no que diz respeito à segurança de um ingrediente cosmético, sempre após ampla consulta à sociedade civil para casos em que se tratar de ingrediente amplamente utilizado no mercado e que não possa ser substituído por outro capaz de desempenhar função semelhante”.
Referiu-se ainda à exceção para quando for detectado um problema específico de saúde humana, relacionado ao ingrediente, de modo fundamentado; e aos casos de inexistir método alternativo hábil para satisfazer às exigências de testagem.
“O projeto de lei da Câmara no parágrafo 15, nos artigos A, B e C, me parece que abrem exceções que acho extremamente perigosas, porque às vezes no Brasil se trabalha muito mais com as exceções do que com a regra”, alertou.
O relator Randolfe Rodrigues, por sua vez, respondeu que o dispositivo “de excepcionalidade” foi reproduzido de cláusulas existentes no regulamento da União Europeia.
“A condição de aplicação desses dispositivos é excepcionalíssima, é a exceção da exceção. Abrimos essa situação em casos de extrema calamidade pública, de gravíssimo risco sanitário em que esteja em risco a saúde da população, e que seja necessário retomar esse tipo de teste. Trouxemos a cláusula já existente na legislação mundial, notadamente na legislação europeia”, justificou.
O senador Randolfe reconheceu, em seu próprio relatório, os avanços obtidos pelo o Brasil na experimentação animal na pesquisa científica. “Como resultado da medida em apreciação, uma proibição nacional de testes em animais não irá causar grandes mudanças para o setor nacional de cosméticos”, destaca pontos do parecer.
Nesse contexto, o parecer do relator traz que a resolução normativa nº 18 do Concea tornou obrigatória a implementação de 17 métodos alternativos no Brasil, que os considera relevantes para o setor de cosméticos e também para outros setores. Cita ainda que desde 2012, o então Ministério da Ciência e Tecnologia criou a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama) para acelerar o desenvolvimento desses métodos no País.
O relatório também destaca que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por intermédio da resolução normativa nº 35, já aceita o uso dos métodos alternativos de experimentação animal reconhecidos pelo Concea, com o objetivo de substituir, reduzir ou refinar o uso de animais em atividades de pesquisa.
O relator cita ainda no texto que a própria Anvisa, que demonstrou “resistência à matéria em discussão”, estima que menos de 0,1% dos cosméticos aprovados anualmente são testados em animais.
Reverter os danos
A presidente da SBPC, Helena Nader, reforça que as alterações realizadas no texto final da Câmara representam um retrocesso para a Ciência e Tecnologia, e espera reverter os danos na Comissão de Meio Ambiente (CMA), o próximo passo da tramitação da matéria, antes de ir para deliberação final pelo Plenário do Senado. “A SBPC não jogou a toalha. Nós vamos continuar lutando para voltar a ter os ganhos para o País e para a proteção animal que tínhamos conseguido no projeto que veio da Câmara”, acrescentou.
Viviane Monteiro e Daniela Klebis – Jornal da Ciência