SBPC inaugura o Centro de Memória Amélia Império Hamburger

O novo Centro é resultado dos trabalhos de reconstrução e preservação da história da entidade, iniciados em 2004 com o então denominado Projeto Memória

O novo Centro é resultado dos trabalhos de reconstrução e preservação da história da entidade, iniciados em 2004 com o então denominado Projeto Memória

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) inaugurou na última sexta-feira (17) o Centro de Memória Amélia Império Hamburger, na sede da entidade, em São Paulo. O novo Centro é resultado dos trabalhos de reconstrução e preservação da história da SBPC, iniciados em 2004 com o então denominado Projeto Memória. A cerimônia de inauguração contou com a participação dos diretores da SBPC, de estudantes, pesquisadores e familiares da homenageada.

O Centro de Memória Amélia Império Hamburger abriga diversos materiais da entidade, como fotos, cartazes de eventos realizados pela SBPC, revistas, entre outros. O espaço poderá ser utilizado por estudantes, pesquisadores e tantos outros interessados em conhecer e estudar a trajetória da entidade e seu trabalho para o desenvolvimento científi­co nacional.

“Hoje é um dia muito especial para a SBPC, e em particular para mim, já que se concretizou o grande sonho de termos um Centro de Memória na nossa SBPC. Hoje estamos honrando nossos fundadores, idealistas que há quase 70 anos acreditaram que poderiam mudar o nosso País com educação e ciência”, afirmou a presidente da SBPC, Helena Nader. E completou, “se não conhecemos nosso passado, não podemos viver o presente e planejar o futuro. Como disse Fernando Pessoa, o grande escritor, poeta e filósofo português ‘A memória é a consciência inserida no tempo’”.

Nader ainda ressaltou que a inauguração deste Centro de Memória é um marco histórico para a reconstrução e preservação da história da ciência brasileira. “Uma realização assertiva para enxergar e compreender o quanto já caminhamos até agora, apesar de dificuldades que por vezes pareciam intransponíveis. O nosso acervo organizado demonstra que a ciência brasileira merece lugar de destaque no desenvolvimento da ciência mundial. Mas também mostra que as conquistas na área dependem muito da nossa capacidade de luta permanente pelo avanço da ciência no Brasil”, ressaltou.

A presidente da SBPC lembrou que por cerca de 10 anos, entre 2004 e 2014, o projeto passou por diferentes fases de levantamento e organização do acervo, que envolveram pessoas como a professora Lisbeth Cordani, responsável pela coordenação do projeto em diferentes momentos, e a historiadora Walkiria Chassot, responsável pela organização inicial do acervo. Por alguns períodos, chegou a ficar paralisado, por falta de recursos financeiros e humanos.

Em 2015, a SBPC retomou o Projeto Memória com recursos específicos obtidos graças ao empenho da diretoria da entidade pela elaboração de uma emenda parlamentar, que viabilizaram a implantação do novo Centro. A emenda foi apresentada pelo então presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Federal, o deputado Ricardo Trípoli, e após a sua aprovação, foram liberados recursos via o então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.

Trajetória

Durante a cerimônia, Nader lembrou a trajetória de Amélia desde quando ela entrou na faculdade em 1951. Lá ela conheceu Ernst Wolfgang Hamburger, com quem se casou e teve cinco filhos. “Juntos eles construíram uma brilhante trajetória acadêmica, intelectual e de militância política no Brasil”, disse.

Nader citou ainda que o casal foi preso durante a ditadura e que em 1977, quando a 29ª Reunião Anual da SBPC foi proibida de ser realizada em Fortaleza pelo então governador do Ceará por determinação do governo militar, ela foi uma das que lutaram pela realização do evento. “O presidente da SBPC, Oscar Sala, conseguiu trazer a reunião para a PUC, considerada território livre do Vaticano, graças à intervenção do saudoso Dom Paulo Evaristo Arns. Amélia estava lá, presente e ativa, assim como eu e outros aqui que já estavam na luta”, lembrou.

Além de trabalhos em diversas áreas da física, Amélia realizou incursões pela epistemologia e história das ciências, motivadas por interesses no ensino de física, conforme lembrou a presidente da SBPC. Ela também trabalhou na preservação da memória científica brasileira. Foi responsável pela organização dos arquivos históricos do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e publicou dois livros sobre a história da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo: “Fapesp 40 anos – Abrindo Fronteiras” e “Fapesp, uma história de política científica e tecnológica”, em parceria com Shozo Motoyama e Marilda Nagamini.

Ainda na área de história da ciência, publicou “A ciência e as relações Brasil-França 1850-1950”, resultado de seu trabalho com o professor Michel Paty, da Universidade de Paris VII, onde foi pesquisadora visitante em 1988.

Nader disse que essa experiência bem sucedida em organização de acervos foi o que a levou a coordenar a organização do então denominado Projeto Memória da SBPC, a partir de 2004, durante gestão de Ennio Candotti como presidente da SBPC. “Nesse período, a concepção inicial do projeto foi delineada com a participação ativa de Amélia, com o intuito de resgatar, organizar e disponibilizar todos os registros existentes sobre a história da SBPC e seus inúmeros personagens”. Mesmo durante a gestão de Marco Antonio Raupp, quando ela já estava doente, ainda participou como pôde da organização deste acervo.

A escolha do nome dela para o Centro de Memória da SBPC foi aceita por unanimidade pelo Conselho da SBPC e também pelos sócios da entidade durante a Assembleia Geral Ordinária dos Sócios da SBPC, ambas realizadas em Porto Seguro (BA), durante a 68ª Reunião Anual da SBPC.

Lisbeth Cordani, coordenadora da Comissão do Projeto Memória, ressaltou a garra da presidente da SBPC de retomar o projeto nesses últimos dois anos. “Um projeto como esse requer uma ação com um pessoal especializado e que trabalhe em tempo integral. E isso eu credito e homenageio a Helena Nader que teve garra, foi atrás e conseguiu os recursos. Foram dois anos de trabalhos intensos. E a Amélia sempre pairou como a mentora deste projeto, como uma suavidade enérgica que trouxe energia sua continuidade. Isso fez com que a gente sempre continuasse, por conta da memória da Amélia e de sua capacidade de aglutinar pessoas, de acreditar que a memória da ciência é importante, e de, também, valorizar a responsabilidade social do cientista”, explica.

A importância de preservar

A inauguração contou com a presença de cerca de 15 familiares de Amélia, entre eles, os cinco filhos, todos os netos, sobrinhos e cunhados que vivem em São Paulo, além de Ernest, o companheiro de toda a vida. “É muito emocionante estar aqui”, disse Ernest, contento as lágrimas, durante a homenagem.

Os cinco filhos ressaltaram a alegria da homenagem à mãe e lembraram que ela sempre os ensinou a importância da preservação da memória. “Ela trazia a memória como parte constitutiva da gente e o respeito ao outro”, salienta o caçula Fernando Hamburger.

“Esse Centro de Memória é muito importante para a ciência brasileira e ela sempre deu muito valor a memória”, disse Cao Hamburger, ao citar que a mãe deve estar muito orgulhosa com a homenagem.

“Ela sempre estudou e trabalhou a memória como parte da nossa formação”, disse Vera Hamburger. “E é uma coincidência feliz que o Centro de Memória da SBPC esteja neste prédio, que fez parte da vida de minha mãe em diversos momentos. Queria agradecer muito a SBPC, por essa homenagem linda, e lembrar que a entidade tem um papel muito grande nas nossas vidas, porque conhecemos e aprendemos muito durante a participação nas diversas reuniões da SBPC”, disse.

Sônia Hamburger disse que ficou muito tocada com a homenagem porque é um “jeito de lembrar de Amélia de uma forma querida”.  Ela lembrou ainda que sempre acompanhou o trabalho da mãe e de sua proximidade com a comunidade científica, sempre ligada ao esforço de organizar a memória, recuperar e valorizar a ação de cada um na construção da cultura e da sociedade brasileira.

Já Esther Hamburger, a primogênita, lembrou-se de ter acompanhado a mãe em uma das reuniões do Projeto Memória. “É muito legal saber que a SBPC deu continuidade ao projeto e que está digitalizando o material. Tenho certeza de que minha mãe estaria muito feliz de ver um sonho realizado, ainda mais com o Centro levando seu nome e num prédio que fez parte de sua vida”, finalizou.

Vivian Costa – Jornal da Ciência