Helena Bonciani Nader: APOSTA NO FUTURO


Em entrevista à revista Minas Faz Ciência, Helena Nader fala que investimento em ciência e educação é vital à superação de desafios que já se apresentam à humanidade – e ao desenvolvimento do Brasil

VANESSA FAGUNDES | Edição 53 – Março a Maio de 2013

 

Helena Bonciani Nader é mulher de opiniões fortes. Atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC),está envolvida em importantes e polêmicas discussões, como as mudanças na carreira dos professores das universidades federais e a destinação dos royalties advindos da exploração do pré-sal para a educação e a ciência. A primeira, ela considera um retrocesso. A segunda, uma aposta de que os recursos do pré-sal, que são finitos, terão impacto duradouro e significativo para o Brasil.

Professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Helena Nader é graduada em Biologia, pela Universidade de São Paulo (1971) e em Ciências Biológicas – modalidade médica –, pela Universidade Federal de São Paulo (1970), com doutorado em Ciências Biológicas (Biologia Molecular) pela Unifesp (1974) e pós-doutorado pela Universidade do Sul da Califórnia (1977), nos Estados Unidos. É membro titular da Academia de Ciências de São Paulo e da Academia Brasileira de Ciências, classes Comendador e Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, e professora honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Confira a entrevista concedida à MINAS FAZ CIÊNCIA.

Em novembro, o Brasil receberá o Fórum Mundial de Ciência, evento que reúne as academias científicas de vários países e busca debater o papel da ciência e suas responsabilidades no século XXI. Pela primeira vez, o Fórum será realizado fora da Europa. Qual o significado disso para o país?

Idealizado pela Academia de Ciências da Hungria, esse evento tem como proposta discutir problemas científicos e tecnológicos de impacto global, os rumos da ciência e como ela pode contribuir para o bem estar da humanidade. Tradicionalmente, ele ocorre na Hungria, mas levantou-se a sugestão de alternância a cada dois anos, para impactar outras regiões. Então, o evento é realizado na Hungria e, dois anos depois, em outro país. Volta para a Hungria e, daí a dois anos, segue novamente a outro país. A América Latina foi a região escolhida para receber o primeiro Fórum fora da Europa e o Brasil será o país sede. Imagine, portanto, a importância e a responsabilidade! É preciso garantir o sucesso do evento, o que, em termos de ciência, se faz por meio da participação dos cientistas nas conferências e debates. 

 

Os encontros regionais, organizados como eventos preparatórios para o Fórum Mundial de Ciência, tinham esse objetivo de mobilização?

A ideia dos encontros regionais veio do próprio tamanho do território brasileiro. O Brasil é um país continental. A proposta é fazer reverberar o evento a ser realizado em novembro, no Rio de Janeiro, de tal modo que o impacto vá além do Fórum em si. A mobilização está sendo muito maior. As comunidades das diferentes regiões do país estão sendo impactadas com as discussões provenientes desse encontro, antes conhecido apenas por quem é membro de uma academia de ciências.

Ao todo, serão sete encontros regionais. Os de São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Bahia foram realizados em 2012. Neste ano, fecham a programação os eventos de Pernambuco (abril), Rio Grande do Sul (maio) e Brasília (data a definir). Informações sobre as palestras e as recomendações para o Fórum estão em http://fmc.cgee.org.br.

 

Um dos objetivos do Fórum é discutir como a ciência pode contribuir para o bem estar da humanidade. Em sua opinião, quais os desafios em um futuro próximo e como a ciência poderia ajudar a superá-los?

Darei alguns exemplos: em reunião de sociedades científicas realizada em Boston (EUA), mencionei a segurança alimentar como um tema importante a ser discutido pelos cientistas. O representante da China, na hora, disse que esse é o maior problema para eles. Claro, quem tem uma população de mais de bilhão precisa se preocupar em como alimentá-la, pois segurança alimentar envolve produção de alimentos, distribuição, garantia de qualidade… e a ciência vai ter que ajudar, vai ter que responder a esse desafio urgentemente. Água foi outro problema apresentado: como resolveremos isso? Energia. São problemas que precisarão ser abordados, em conjunto, pelos países, porque os impactos ultrapassam as fronteiras.


Compartilhar as informações será fundamental. Morei nos EUA em diferentes épocas e a impressão é que, lá, a sociedade é mais envolvida com ciência. Não sei se por que o voto é distrital, mas a população consegue cobrar mais dos representantes. Mesmo assim, as pessoas acham que as informações são poucas e a divulgação está ruim. Então, como fazer divulgação científica? Como mostrar para a população que está pagando, por meio de impostos, o que a ciência faz? Na saúde, isso fica mais evidente, pois o indivíduo tem ou não tem o acesso; o atendimento é bom ou ruim. Na ciência, é mais difícil de perceber. A população, muitas vezes, não se dá conta de que existe ciência por trás de um novo celular, de um aparelho de microondas, de um medicamento. O que está na mesa das pessoas, da sociedade, é resultado de muita ciência. Por isso é importante essa divulgação: o diálogo com o jornalista tem que ser mais frequente e maior, de tal maneira que a população passe a demandar mais investimentos na área.

 

Recentemente, foi incluída no currículo Lattes uma aba de divulgação científica, o que significa que as atividades relacionadas ao tema passam a ser consideradas na avaliação dos pesquisadores. A senhora acredita que isso estimulará mais pesquisadores a divulgar ciência?

Espero que sim. Até então, os pesquisadores que fazem divulgação científica estavam sendo avaliados dentro de um currículo tradicional: os trabalhos que publicavam, em que revista, qual o impacto da revista, número de citações. Agora, você pode acrescentar produtos de divulgação. É fundamental que isso conste no currículo Lattes, pois, ao criar mecanismos de avaliação, você valoriza o trabalho. E tem que valorizar, porque não dá mais para fazer divulgação apenas porque gosta. A atividade precisa ser reconhecida e eu parabenizo a iniciativa. Afinal, quando é que a produção científica brasileira começou a aumentar? Quando a Capes passou a fazer as avaliações. Acredito que a avaliação levou a isso, e tenho certeza que, ao criar mecanismos de avaliação para a divulgação científica e atividades educacionais em ciência, a tendência é que isso também aumente. Nem todo mundo tem a mesma vocação, nem todo pesquisador prefere ficar na bancada fazendo experimentos. Existem pesquisadores que são ótimos no diálogo com a sociedade e isso é fundamental. Também acho que precisamos ter mais jornalistas de ciência no Brasil. Estamos muito aquém da necessidade.

 

A Royal Society apresentou, no ano passado, o relatório Science as an open enterprise. Entre outros, o documento aponta que a ciência está mais aberta, no sentido de haver mais dados circulando, especialmente pela internet, o que permitiria maior colaboração entre os pesquisadores. Em sua opinião, isto mudaria a forma como a ciência é produzida?

Concordo totalmente com o relatório da Royal Society. A internet foi o grande contribuidor para essa ciência aberta. Se não existisse a internet, a gente até poderia querer abrir, mas não conseguiria nunca. Acho fundamental essa abertura, mas ainda existem muitas informações fechadas. Os pesquisadores estão mais abertos a usar essas ferramentas. Claro, não podemos nos tornar dependentes da tecnologia, mas negá-la, ou negar o impacto que ela teve na ciência, é impossível. Lembro-me quando a gente assinava uma revista científica e ela vinha de navio, demorava a chegar. Hoje, você acessa o conteúdo pela internet.


Mas quero lembrar outro exemplo que ajudou muito nesse compartilhamento de dados no Brasil. Para mim, foi um paradigma para a ciência brasileira. Quando fiz meu doutorado, na década de 1970, era um desafio ter acesso à literatura internacional. A gente tinha que escrever para o autor, pedir uma cópia, esperar chegar, e às vezes isso demorava meses. Quando a Capes lançou o seu Portal de Periódicos, o impacto foi enorme. Não importa se você está no Xingu ou no Oiapoque, é possível obter informações sobre o que está sendo produzido. Isso ampliou o acesso e o tornou igual para todos aqueles envolvidos com ciência. A sociedade também pode ter esse acesso por meio das bibliotecas de universidades. Gosto de relembrar porque já escutei que esse é um gasto muito alto. Mas é porque as pessoas não fazem as contas de quantos docentes, pesquisadores e estudantes estão sendo beneficiados.

 

Nas últimas décadas, cresceu significativamente o número de citações a pesquisas e pesquisadores brasileiros no exterior. Neste cenário de desenvolvimento, o que significaria, para o Brasil, a possibilidade de receber um Prêmio Nobel?

Você não vai gostar da minha opinião. Acho que o Brasil já tem vários prêmios Nobel. Poucos países têm um Carlos Chagas – na verdade, acho que nenhum outro. Um indivíduo que identificou a doença, o vetor, o parasita, todo o ciclo de uma doença. O nome dele foi proposto, mas não teve força política suficiente para ganhar. Isso porque ganhar o Nobel também depende de política. Posso te dar outro exemplo? Maurício Rocha e Silva, um dos fundadores da SBPC. Ele descobriu a bradicinina, e o impacto da descoberta mudou a visão que tínhamos do sistema cardiovascular. Uma série de medicamentos foi desenvolvida em função do entendimento da ação da bradicinina. Isso foi na década de 1940. São exemplos da área de saúde, que é a minha área, mas existem outros brasileiros que foram propostos e não ganharam por causa da política.


Eu não gosto desse papo. Acho que é de uma subserviência enorme e mostra falta de conhecimento da ciência brasileira. Estudo muito, aprendi muito lendo sobre cientistas. E o número de coisas já feitas nesse país… as pessoas deveriam estudar um pouco mais. O Brasil está se internacionalizando e isso é importante. Precisamos transformar o país em rota de cientistas. Veja a China, que tem investido muito nas universidades, em ciência básica. Os chineses também querem um Prêmio Nobel. Enquanto isso, nós andamos para trás. Aprovamos uma legislação para a carreira docente que não vai atrair nenhum professor do exterior [referência à Lei nº 12.772/2012, sancionada em dezembro de 2012, que modifica pontos estruturais da carreira nas instituições federais de ensino superior]. Com essa legislação, todo mundo – o bom e o medíocre – começa no mesmo lugar. Para mim, isso acabou com tudo o que foi feito de esforço em anos anteriores para contratação, por exemplo, de apenas pessoas com doutorado.


Tenho muito orgulho do meu país e de onde ele chegou. Um país onde a educação superior começou tarde, pois só com a vinda da família real portuguesa passamos a ter universidades, uma biblioteca nacional, jardim botânico. Em outros lugares do mundo, as universidades têm mil anos. A educação, até pouco tempo, era para muito poucos, apenas agora conseguimos universalizar o ensino básico. Infelizmente, não conseguimos universalizar a qualidade do ensino básico. Ainda temos problemas profundos para resolver. Nossas universidades são jovens e precisam de cuidado para manter a qualidade. Essa lei prejudica a qualidade.

 

Uma das lutas da SBPC tem sido a defesa da destinação dos royalties do petróleo para a educação. Como isso contribuiria para uma mudança de patamar da educação brasileira?

Desde a descoberta do pré-sal, existe a discussão: como vamos utilizar os recursos? À época, o atual ministro de CT&I, Marco Antônio Raupp, era o presidente da SBPC. Ele apresentou a posição da entidade em audiência pública no Congresso Nacional: os royalties do petróleo devem que ser aplicados em educação e ciência, porque isso é apostar no futuro. Isso é apostar que esse dinheiro, que é finito, terá impacto duradouro. A proposta define que o fundo social – não os juros do fundo, mas o fundo – seja usado para educação e ciência, na proporção de 70% no ensino básico, 20% no ensino superior e 10% na ciência. Afinal, o pré-sal só foi descoberto graças à ciência brasileira. Acho muito importante toda essa discussão sobre estados produtores e não produtores, mas o que a mídia abordou foi apenas isso: para quem vai o dinheiro. Ninguém perguntou como usá-lo. Esse dinheiro tem que ser carimbado. Parece que a discussão está parada por enquanto. Mas eu sempre falei em educação e ciência. Vou lutar e morrer falando em educação e ciência. Esse dinheiro não é para asfaltar rua ou para o saneamento – que são, claro, muito importantes. Esse dinheiro é para apostar que o Brasil, daqui a dez anos, será uma outra nação, com educação fantástica e com uma ciência que apresente mais dividendos para a nação.

 

Link para a entrevista na Revista Minas Faz Ciência: http://www.jornaldaciencia.org.br/links/ApostanoFuturo.pdf