A comissão especial que analisa o Projeto de Lei 2.177/11, que institui o Código Nacional de Ciência e Tecnologia, realizou seminário nesta segunda-feira, a fim de discutir formas de aprimorar as estratégias para soluções jurídicas ao texto em análise na Câmara dos Deputados. Os deputados Gabriel Chalita (PMDB-SP), presidente da comissão, Newton Lima (PT-SP) e Sibá Machado (PT-AC) apresentaram o estágio atual da tramitação do projeto e ouviram sugestões dos participantes. O evento contou ainda com diversos representantes da área científica, entre eles, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, e o diretor executivo da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), Naldo Dantas.
O seminário aconteceu na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Chalita, idealizador do evento, ressaltou na abertura que é preciso “ter uma politica cada vez mais aperfeiçoada para ciência e tecnologia no Brasil”. Todos os participantes avaliaram o evento como oportuno. Durante o debate, alguns fizeram muitas críticas à forma burocrática como a pesquisa é tratada pelos órgãos reguladores e enumeraram dificuldades para compras de insumos.
Um dos painéis mais polêmicos foi o que tratou das estratégias jurídicas relativas ao assunto. Contrariando a maioria dos participantes, a professora associada da Faculdade de Direito da USP e assessora jurídica da Agência USP de Inovação, Maria Paula Dallari, afirmou que o sistema não precisa de mais leis. Para ela, embora limitado, já existe um sistema autorregulamentado, no âmbito dos financiamentos de projetos, concedidos pelas agências oficiais de fomento, como, por exemplo, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Há um vínculo permanente e de grande zelo por parte do pesquisador que precisa prestar contas”, disse. “Esta dinâmica funciona, mesmo não estando expressa e detalhada na lei”. Na sua opinião, a chave dessa autonomia está no artigo 207 da Constituição Federal, que trata das universidades. “Nós precisamos é refinar essa identidade”, disse.
A presidente da SBPC discorda que o sistema tenha uma autorregulação e afirma que é preciso sim de novas leis que respaldem o pesquisador. “Essa autorregulação não existe”, declarou. “Todo mundo é questionado. A Fapesp é questionada.” Segundo Helena, a solução encontrada foi transferir para o pesquisador a responsabilidade de fazer a licitação e a fiscalização. “Temos que ver se a empresa que estamos comprando é idônea”, disse. Para se preservar, Helena explicou que na hora de comprar algo, ela e outros pesquisadores, por exemplo, imprimem a página da empresa, tiram fotografia da tela do computador para comprovar que na hora em que a compra foi feita a empresa era idônea. “Existem vários casos em que primeiro o pesquisador é apontado como culpado, para só depois acontecer a investigação”, explicou.
Conjunto de leis
Para o relator da comissão, o deputado Machado, um código engessaria uma área, que precisa ser altamente flexível. Por isso, a Relatoria da Comissão Especial propôs desmembrar o texto em vários subtemas tratados na proposta, para que sejam trabalhados adequadamente. Assim, deverá ser elaborada uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC); um Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); uma legislação específica de Acesso à Biodiversidade; e um projeto de lei que incorpore itens do PL 2.177/11, Lei de Inovações e outras similares. “Não é mais um código, mas um conjunto de leis”, explicou Machado, que destacou a importância da mobilização dos deputados para tramitação e aprovação das iniciativas. “Essa divisão pode ser o grande salto de qualidade para a legislação que estamos nos propondo a realizar”, disse.
Machado afirmou ainda que hoje há algumas leis “burras e atrasadas “que atrapalham o trabalho dos pesquisadores. “Por isso, a ideia é não criar uma ambiguidade maior do que já existe”, explicou. O relator declarou também que a ideia é que esses procedimentos estejam pronto sem agosto, para entrarem em tramitação em conjunto. “Temos que amarrar bem e não deixar com que as leis corram livres”, disse. Ele explicou ainda que sugeriu o desmembramento, porque há situações nas quais alterações na Constituição podem colocar em risco todo o esforço, não chegando à altura das mudanças necessárias.
O secretário de Ciência e Tecnologia do Acre, Marcelo Minghelli, apresentou uma série de justificativas que ajudou a Comissão Especial a se decidir pelo abandono da ideia de criar um código nacional de ciência e tecnologia e optar por um conjunto de normas. “A conjuntura política de governo nos forçou a isso”, disse. Para ele, a legislação de ciência e inovação estava totalmente esparsa e era preciso um norte. “Sem esquecer que temos urgência para votar essas leis ainda este ano”, disse. “A ideia é criar um sistema jurídico livre capaz de dialogar com as outras legislações;”
P&D
O deputado Newton Lima, membro da Comissão Especial e idealizador do evento, apresentou alguns dados para mostrar que o Brasil tem investido em pesquisa e desenvolvimento (P&D), mas afirmou que o país pode avançar muito mais e tornar-se referência internacional. “É preciso lutar por melhorias”, declarou. “Já tivemos avanços nos últimos dez anos, com a Lei de Inovação e a Lei do Bem, mas é preciso mais.”
Segundo Lima, o Brasil pode avançar nos investimentos em P&D.O deputado informou que em 2012 o país investiu 1,2% do PIB em ciência e tecnologia. “Isso já é um avanço extraordinário, pois há dez anos 90%do investimento erado Estado e apenas 10% do setor privado”, disse. “Nós caímos, o que é bastante adequado, para 56% de investimento do governo. Se compararmos com outros países, podemos ver que há uma evolução importante”. Para ele, o governo não gasta pouco em relação ao PIB. “Nós não estamos atrasados em termos de investimentos públicos, proporcionalmente aos nossos recursos. Mas é preciso gastar melhor, eliminando os gargalos.”
Setores acadêmicos
O painel que discutiu o tema nos setores acadêmico e empresarial teve a participação da presidente da SBPC e do diretor executivo da Anpei. Helena abriu seu discurso lembrando que ela, como professora, vive na pele as mazelas causadas pela falta de uma legislação mais clara. “Sofremos muito, porque não somos da área jurídica e temos que interpretar leis”, disse.
Para mostrar a incoerência de algumas leis, a presidente da SBPC citou a aprovação da lei 2.172/12, que havia acabado com a exigência de doutorado para o ingresso na carreira de docente das universidades federais. “Para nós, essa lei era um retrocesso”, disse. Ela ainda estipulou que pesquisadores em regime de dedicação exclusiva poderiam prestar assessoria a empresas por um período máximo de 30 horas anuais, o que é muito pouco. De acordo com a presidente da SBPC, a Medida Provisória 614, de 14 de maio de 2013, trouxe uma melhora em relação a isso, aumentando esse período para 120 horas. Mas essa situação contradiz a Lei Nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a chamada Lei da Inovação. “Com a MP e as 120 horas, aqueles professores que estiverem hoje fazendo assessoria conforme dizia a Lei de Inovação ficam num buraco negro (legal)”, alertou Helena.
Os participantes também foram unânimes em afirmar que a Lei de Licitações (8.666/93) causa problemas para o desenvolvimento da pesquisa. Eles ressaltaram a ocorrência frequente de judicializações das licitações, o que tem resultado, muitas vezes, na devolução dos recursos para o governo por parte das instituições de pesquisa. “Desta forma, fica difícil fazer ciência no Brasil”, queixou-se Helena. “É necessária a revisão da legislação para garantir segurança jurídica.”.
Segundo a professora, a ideia é que todas as universidades participem da Lei da Inovação. Para ela, o RDC vai resolver parte do problema. “Mas só ela não vai ser suficiente, porque existem particularidades que não vão ser cobertas”, ressaltou. Outro problema citado pela pesquisadora é a necessidade de realizar no mínimo três orçamentos, de fornecedores diferentes, para compras com recursos públicos. Segundo a presidente da SBPC, esse modelo atrapalha a vida dos pesquisadores. “Nós queremos ser fiscalizados, mas tem que ter mudanças”, disse. Para ela, a lei diz que tudo é pregão. “Não vou julgar, mas posso garantir que na ciência não existe pregão porque cada área tem suas particularidades”, disse.
(Vivian Costa)