O atraso de três anos na aprovação do projeto de lei que institui o Plano Nacional de Educação (PNE), previsto para vigorar de 2011 a 2020, preocupa cientistas e especialistas em educação. Em defesa da melhora dos indicadores das escolas brasileiras, Anna Helena Altenfelder, gerente de projeto do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) pede urgência na aprovação do projeto, ainda em fase de tramitação no Senado Federal, como PLC 103/2012.
Para ela, quando se trata de educação existe urgência. “O Brasil tem de superar um prejuízo histórico e social na conquista dos direitos básicos”, diz. “Temos um atraso histórico: o nível de escolaridade dos brasileiros é um dos mais baixos da América Latina.”
Com opinião semelhante, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, diz que o Brasil deveria aprender com a China e Coréia, onde a educação é o aspecto principal para o sucesso do país em competitividade. Diante da demora da aprovação do PNE, Helena declara estar preocupada com o futuro da nação brasileira. “Cidadania é sinônimo de educação, e sem educação não chegamos a lugar nenhum”, disse.
Encaminhado pelo governo federal ao Congresso Nacional no fim de 2010, o PNE possui 14 artigos e 20 metas que representam as diretrizes da educação para os próximos dez anos. Com a demora na aprovação do projeto, o governo deixa de canalizar mais investimentos para o setor e, paralelamente, de traçar um padrão de qualidade para a educação nacional.
A principal discórdia no âmbito do PNE é a meta 20, que determina que os investimentos públicos em educação sejam de no mínimo 10% do Produto Interno Bruto (PIB), ao final de dez anos de vigência do plano. Inicialmente, a proposta do governo era chegar a 7%, mas o percentual foi elevado para 10% na Câmara dos Deputados, em outubro de 2012.
Na ponta do lápis, os investimentos em educação devem dobrar em dez anos, de R$ 150 bilhões para R$ 300 bilhões, equivalente a 5% e 10% do PIB, respectivamente, que é de R$ 3 trilhões, conforme cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Dessa forma, o setor público terá de buscar novas fontes de recursos para educação, seja por intermédio dos royalties do petróleo a ser extraído da camada pré-sal, seja pelo crescimento mais vigoroso da economia ou ainda remanejando recursos de outras áreas, ferindo outros interesses, conforme avaliação de pesquisadores do IPEA.
Tramitação
Especialistas temem que o texto, aprovado recentemente na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado reduza a participação do governo federal no investimento em educação pública. Isso porque, em uma simples troca de palavras,o texto aprovado passou a exigir “investimento público em educação”, em vez de obrigar o governo federal a investir em “educação pública”. A conclusão é de que, com a troca de palavras, o Estado pudesse incluir no orçamento da educação verbas de programas que incluem parcerias com entidades privadas.
Diante de tal cenário, o presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, demonstra preocupação tanto com o atraso na aprovação do PNE quanto com o texto em tramitação no Senado, já que há uma reversão dos ganhos obtidos na Câmara, onde a proposta teve o apoio das comunidades cientificas e educacionais.
Cara lembra que o texto aprovado na Câmara é uma possibilidade de o Brasil mudar o atual modelo da educação pública, em que apenas estados e municípios têm aumentado os recursos na educação nos últimos anos, por intermédio do Fundeb, sem a participação do governo federal. “O PNE (aprovado na Câmara) é uma forma de mudar essa perspectiva”, acredita. “Isto é, de o governo federal investir mais na educação.”
Também crítico do atraso de três anos da aprovação do PNE, Cara lamenta as consequências do atraso na aplicação de tal projeto. “Se não há lei não há pressão jurídica para o cumprimento das metas”, diz. Para manter os ganhos do texto conquistados na Câmara, ele antecipou que as entidades educacionais devem pressionar o Senado para reverter os retrocessos sinalizados no texto. “Para nós não basta um plano qualquer”, avisa.
Reforçando tal posicionamento, a presidente da SBPC volta a chamar a atenção para a necessidade de se investir em educação. “A SBPC, desde sua fundação, luta pela a educação e a ciência deste País, em busca da cidadania”, lembra Helena. “Mas sem educação nunca teremos cidadania.”
Crescimento do analfabetismo
Helena fez questão de frisar o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do ano passado, divulgada recentemente pelo IBGE, segundo a qual revela um aumento do analfabetismo no Brasil, de 8,6% para 8,7%, após anos de queda. Em 2012 foram registrados 13,163 milhões de pessoas que não sabiam ler nem escrever – o equivalente a 8,7% da população com 15 anos ou mais. O número supera o dado de 2011, quando o número de analfabetos era de 12,866 milhões (8,6%). Em 2004, a taxa de analfabetismo era de 11,5% no País.
Essa situação preocupa a presidente da SBPC. “Até quando vamos ter de dar bolsa (Bolsa Família), em vez de dar educação”, indaga Helena. “Só podemos tirar o povo da miséria dando prioridade à educação.” Ela faz a ressalva, de não ser contra a política de concessão de Bolsa Família, mas desde que seja por um período determinado.
Para o pesquisador do IPEA, Paulo Roberto Corbucci, mais importante do que a aprovação do PNE é a eficácia na aplicação das metas da legislação. Para ele, o principal problema do desempenho de alunos da educação básica, um dos principais gargalos da educação nacional, são as questões socioeconômicas e a precariedade de escolas situadas nas periferias, no interior do país e em regiões urbanas, onde existem os piores colégios do ponto de vista de profissionalização. “Não será o PNE que vai mudar a realidade da educação brasileira”, diz. “O PNE seria mais uma imposição para que fossem garantidas as condições da melhoria do ensino.”
Baixa frequência no ensino superior
Corbucci recorda que no plano anterior (2011 a 2010) muitas metas não foram cumpridas, principalmente pela falta de alunos capazes de ingressar na educação superior. Ele exemplificou com a meta da taxa de frequência líquida de jovens de 18 a 24 anos na educação superior, que era de 30% e ficou abaixo de 15% do total estabelecido, apesar dos estímulos de programas como o PROUNI e Fies. No novo PNE, essa meta é de 33%.
Para ele, a prioridade são os investimentos na educação básica. Nesse caso, Corbucci avalia que a elevação dos investimentos em educação para 10% do PIB pode resolver os gargalos da educação básica em médio e longo prazos. “A educação superior é a ponta do iceberg; não adianta oferecer mais vagas porque não haverá demanda”, explica. “Também não adianta oferecer mais financiamento, porque não haverá alunos que possam contratar esses financiamentos. Temos de ter mais recursos para educação básica, fazendo com que os jovens concluam o e ensino médico, com idade adequada, assim teremos taxas maiores de frequência líquida no ensino superior”.
(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)