A região tem potencial e os riscos para o meio ambiente seriam grandes. Mas por enquanto o interesse na exploração não parece grande
Existe um medo de que a Amazônia brasileira vire a nova fronteira da expansão do petróleo e gás. Ela será o novo campo de expansão da produção, depois do pré-sal, que hoje concentra a maior parte das atenções e investimentos da área petrolífera. Isso por que sempre se falou que há potencial no subsolo da floresta. Esse potencial ficou mais concreto quando a ANP (Agência Nacional do Petróleo, órgão que regula as atividades das indústrias de petróleo e gás natural e de biocombustíveis no Brasil), colocou para leilão algumas áreas da floresta em novembro de 2013. Só na bacia do Acre, em que se discutia a possível exploração de gás xisto, nove blocos foram ofertados na época. Apenas um foi arrematado, com um lance único, feito pela Petrobras. O fato gera mais pano para manga para que se discuta qual é realmente o potencial da Amazônia e quais riscos uma exploração em larga escala na região.
O temor é grande. Ainda em 2013, antes do leilão, o gás de xisto apareceu como o grande tema das discussões. O gás vem sido apontado com alternativa energética ao petróleo.
Principalmente depois que os Estados Unidos começaram a explorá-lo em maior escala. Sua extração é muito mais complexa do que o petróleo ou o gás natural. “É precipitada a decisão da ANP de abrir os leilões para a exploração de gás de xisto”, disse o físico José Goldemberg, da USP, em entrevista a ÉPOCA na ocasião. “Para transformar o gás em energia, precisaria ser instalada uma termelétrica na região e também as linhas de transmissão. Isso geraria mais impactos ambientais.”
O assunto foi tema de discussão na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no ano passado. Para o químico Jaílson de Andrade, professor da Universidade Federal da Bahia, “As características locais precisam ser levadas em conta de uma forma extremamente relevante. Creio que a Amazônia tem várias opções e alternativas que não implicam necessariamente em potencializar o uso de energia de petróleo”.
O receio também se deve a embates recentes ocorridos em outros países que detém parte da floresta, como o Equador. No final de 2013, contrariando alertas para os impactos negativos ao bioma amazônico, o governo local autorizou a exploração de petróleo em uma área de reserva ambiental. E culpou a comunidade internacional por não ter financiado a floresta em pé.
Do lado de cá da fronteira, a exploração não é novidade. A província petrolífera de Urucu, de concessão da Petrobras no estado do Amazonas, está em atividade há mais de 28 anos. De acordo com dados de janeiro deste ano, a bacia do Solimões extrai o equivalente a 1,1% de todo o petróleo do país e 14,2% do gás natural, fundamentais para o abastecimento de toda a região e principalmente Manaus. O impacto ambiental é controlado. Todo o lixo produzido é reciclado, existe um viveiro com 125 mil mudas de espécies nativas coordenado pela estatal e um sistema de alta-tecnologia para prevenção e controle de acidentes e vazamentos. É um bom modelo, embora não garanta risco zero para a floresta. Por isso o temor de que mais áreas sejam exploradas e aumentem os perigos.
No entanto, a falta de interesse nos lotes leiloados pela ANP em 2013 pode significar que talvez o potencial da região não seja tão interessante assim. De acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, isso se explica pelo Acre ter 100% do seu território em uma bacia sedimentar e ser o único estado do país que não tem como explorar minérios. “Óleo e gás não convencional (o xisto) já se demonstraram pouco interessantes. Sobra mesmo o gás natural, mesmo que sem grandes reservas. Isso explicaria o fato de só um lote ter sido arrematado com apenas uma oferta”.
O lote arrematado pela Petrobras na fronteira do Acre com o Amazonas, de acordo com nota enviada pela ANP à Época. está na fase de exploração (período no qual as empresas realizam estudos para verificar a existência e a viabilidade comercial de explorar petróleo e/ou gás natural), que se estende por oito anos e pode ser prorrogado.
A Petrobrás, em resposta por email, informou que não realiza atualmente atividades de pesquisa voltadas à exploração de “gás de xisto” naquela região. E que “realiza suas atividades de exploração e produção na Amazônia com plena consciência da sensibilidade da área. A unidade da Amazônia foi a primeira petroleira a receber a certificação ISO 14000, em 1998, mantida até hoje”.
De qualquer maneira, mesmo com o xisto em tese descartado neste primeiro momento, o temor não é totalmente infundado. Pedro Bara Neto, coordenador de conservação da bacia do Tapajós The Nature Conservancy (TNC), maior organização de conservação ambiental do mundo, maior do que os riscos da exploração em si são os do transporte tanto do óleo quanto dos gases. “A logística na região é muito complicada, particularmente na Amazônia ocidental brasileira, e os mercados consumidores estão distantes, o que eleva os custos logísticos. Os gasodutos têm que atravessar áreas de conservação, rios muito largos, terras indígenas, o solo das várzeas é instável. O risco também fica mais elevado, inclusive os ambientais. Há poucas operações de petróleo e gás na Amazônia brasileira, hoje, entre as quais se destaca o Polo Arara de Urucu, que abastece de óleo a refinaria de Manaus. Outro desafio é que o óleo da Amazônia é leve, normalmente associado a gás e água, o que implica na necessidade de reinjeção do gás para aumentar a extração do óleo e na importação de óleo pesado para refino de alguns subprodutos.”
O momento agora no Brasil, já que a maioria dos lotes acabou encalhando, é de aproveitar o tempo para avaliar todas as oportunidades e suas consequências. Pelo andar dos projetos, a Amazônia vai, felizmente, poder colher as lições de erros e acertos cometidos no pré-sal.