Em 4 de junho de 1987, o economista Celso Furtado (1920-2004), à época ministro da Cultura, anotou em seu diário que o sociólogo e deputado constituinte Florestan Fernandes (1920-1995) vivia “o drama do intelectual que veste a camisa do político: necessidade de radicalizar verbalmente e de acomodação à prática”. Ele mesmo um intelectual político, Furtado concluiu: “São o que há de melhor em nossa arena política.”
— Eram dois intelectuais maduros, com passagens pelo exílio, dando suas contribuições no momento em que o país trocava de pele ao ganhar uma nova Constituição — diz a tradutora Rosa Freire d’Aguiar, viúva de Furtado e organizadora de seus “Diários intermitentes” (Companhia das Letras).
Fernandes e Furtado nasceram há cem anos, em julho de 1920, com apenas quatro dias de diferença: um no dia 22 e outro no dia 26. Furtado veio de uma família de classe média em Pombal, na Paraíba. Antes de enveredar pela economia, estudou Direito e lutou com os pracinhas brasileiros na Segunda Guerra. O paulistano Florestan, filho de empregada doméstica, nunca conheceu o pai. Trabalhou como engraxate e garçom antes de ingressar como aluno, e depois como professor, na USP. Apesar das diferenças, ambos se impuseram a “tarefa ingrata” (palavras de Furtado) de pensar o Brasil.
Autor de livros como “Formação econômica do Brasil” (1959) e “Criatividade e dependência na civilização industrial” (1978), Furtado revolucionou a teoria ao propor que o subdesenvolvimento não era uma “etapa” do desenvolvimento capitalista, mas uma posição das economias periféricas frente às centrais e que não seria superado apenas pela livre atuação do mercado. Já Fernandes, em livros como “A integração do negro na sociedade de classes” (1965) e “A revolução burguesa no Brasil” (1975), revelou as estruturas históricas e sociais que impediam (e ainda impedem) o país de ingressar de vez na modernidade.
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