À frente da 1ª edição do SBPC Inovação — que reúne representantes de centros de pesquisa, empresas e governo —, Ana Lúcia Vitale Torkomian fala sobre o potencial e os desafios brasileiros para inovar
O Brasil não se sai bem em rankings que apontam quais são as nações que mais inovam em produtos, serviços ou processos (confira levantamentos aqui e aqui). O fruto que os países que mais inovam colhem, contudo, é bem conhecido: desenvolvimento econômico. A receita também: aproximação entre centros de pesquisa tecnológica, empresas e governo. É esse o objetivo da primeira edição do SBPC Inovação, evento que reúne nesta semana, em São Carlos, interior de São Paulo, representantes dos três grupos, como membros dos ministérios da Educação e Ciência e Tecnologia, executivos de empresas inovadoras, como Natura, e pesquisadores. Entre os temas a serem debatidos, estão parcerias entre instituições públicas e privadas, estímulo ao empreendedorismo dentro dos centros de pesquisa e o papel da universidade para a inovação (e, portanto, para o desenvolvimento econômico), incluindo as atribuições da academia dentro de um “sistema nacional de inovação” – um arranjo institucional com benefícios e responsabilidades para os parceiros. Nesse contexto, “o papel da universidade é de agente do desenvolvimento econômico”, diz Ana Lúcia Vitale Torkomian, coordenadora da SBPC Inovação e diretora da Agência de Inovação da UFSCar, que recebe o evento. Na entrevista a seguir, ela fala sobre o potencial brasileira para a inovação, o impacto da cultura das startups na universidade e também sobre desafios, como a falta de estímulo na academia e nos lares para o empreendedorismo. “Culturalmente, o brasileiro não incentiva seus filhos a empreender.” O SBC Inovação faz parte da 67ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Qual o papel da universidade em um sistema nacional de inovação?
O de agente de desenvolvimento econômico. O papel do ensino dessas instituições é o mais antigo, o mais tradicional. A ele, se agregou o de pesquisa, fenômeno que ficou conhecido como primeira revolução acadêmica. O papel de agente de desenvolvimento é o que está em evidência hoje. Para que esse papel seja de fato desempenhado pela universidade, temos um marco regulatório em discussão no Congresso Nacional. Ainda não foi possível criar um código de ciência, tecnologia e inovação, reunindo todos os dispositivos legais a respeito, mas decretos e leis que estariam nesse código avançam em Brasília. Então, dez anos após a lei da inovação, temos uma estrutura legal que incentiva a aproximação da universidade com empresas para promover inovação tecnológica no país.
Esse papel de agente do desenvolvimento econômico está claro para as universidades brasileiras? Em algumas áreas das universidades, esse papel é mais claro, como as engenharias. Em outras, mais ligadas às ciências básicas, menos. De qualquer forma, as estruturas universitárias estão se preparando para disseminar isso no seu interior. Hoje, temos mais de 200 núcleos de inovação tecnológica no país. Aí, surge a questão: como levar esse conhecimento para o mercado e promover inovação? Além dos meios tradicionais de publicação e ensino, há dois caminhos para isso: a cooperação com empresas inovadoras já existentes e a criação de novos empreendimentos, os spin-offs, empresas criadas para explorar conhecimento gerado na academia.
Imaginemos que a perfeita sinergia entre universidades, empresas e Estado em prol da inovação seja o fim de uma estrada. Em que altura da viagem está a universidade hoje? É difícil medir isso como um processo contínuo. Mesmo nas sociedades mais desenvolvidas, nas universidades americanas que têm como uma prática antiga a cooperação com as empresas, esse não é um processo trivial. Isso porque a universidade mantém outros objetivos. Continuaremos a encontrar na academia pessoas mais vinculadas e preocupadas com o desenvolvimento de ciências básicas. Então, eu diria que nós avançamos muito nessa questão, mas é claro que ainda há muito a fazer. E isso não é uma realidade apenas do lado da universidade: os demais parceiros também têm trabalho a fazer. O governo oferece ferramentas para estimular a inovação, provendo inclusive recursos financeiros por meio de agências de fomento, como Finep, CNPq, BNDES: essas ferramentas precisam ser aperfeiçoadas. As empresas, por sua vez, buscam aproximação com a universidade, mas ainda investem pouco em pesquisa e desenvolvimento internamente: isso também precisa melhor. Nas universidades, já existem estruturas, como agências e núcleos de inovação tecnológica, que procuram estimular e facilitar essa relação, mas é claro que há muito a ser feito. O objetivo é o desenvolvimento econômico, é levar para a sociedade coisas que melhorem a vida das pessoas.
Que indicadores melhor traduzem a importância da inovação para a economia?
Usualmente, número de patentes e investimento em pesquisa e desenvolvimento. Mas, na prática, conta mais a transferências de tecnologia, dependendo é claro se se trata de universidade ou empresa. Na universidade, é inegável que produção acadêmica e formação de mestres e doutores são indicadores de conhecimento. Tem se utilizado o número de patentes protegidas para mostrar a contribuição para a inovação. Mas o número de patentes não diz tudo: se o conhecimento for apenas protegido, e não licenciado, não há inovação, mas invenção. Inovação pressupõe que o resultado da pesquisa chega ao mercado, às mãos do usuário final. É essa transferência que mostra de fato desenvolvimento econômico: empresas vendendo, tendo lucro, gerando empregos, dando retorno ao investimento público. As empresas, é claro, podem fazer uso diferente das patentes, como proteção de mercado. Aí, a lógica é outra.
Um dos encontros do evento se propõe a debater a seguinte questão: como estimular o empreendedorismo inovador nas instituições de pesquisa. Como? Tradicionalmente, nossos cursos de graduação, até mesmo nas engenharias, não formam nossos alunos para criar um negócio, mas para procurar um bom emprego. A primeira coisa a fazer para estimular empreendedorismo na universidade é oferecer as ferramentas para os alunos, para que eles sejam capazes de desenvolver modelos de negócios, estimulá-los a explorar no mercado o que aprenderam na universidade. Mas esse não é problema exclusivo da universidade. Não há incentivo em casa. Culturalmente, o brasileiro não incentiva seus filhos a empreender. Então, é um caminho mais longo a percorrer.
Hoje, inovação é sinônimo de tecnologia e startups. Há pontos de contato entre essas empresas e a inovação vinda da acedemia? Sim. O termo startup tem sido usado para designar empresas novas em assuntos relacionados às tecnologia da informação e comunicação criadas por jovens, muitas vezes ainda na universidade. São negócios inovadores. Uma startup pode ser uma spin-off, na medida em que aquele conhecimento tenha sido desenvolvido na universidade. Caso contrário, ela é uma startup formada por pessoas que perceberam uma oportunidade dentro de um ambiente inovador.
A cultura das startups chega de alguma forma à universidade? Sim. Estamos estimulando nas universidades tanto startups quando spin-offs. Estimulamos o espírito empreendedor, que não precisaria nem ser para criar um novo negócio: poderia até ser usado para atuar em empresas estabelecidas e no Estado. Hoje, é muito mais comum encontrarmos nas salas de aulas alunos que estão envolvidos com startups. Há 20 anos, quando eu perguntava a meus alunos quem pensava em abrir um negócio, um ou dois levantavam a mão. Hoje, o número é o mesmo, mas de jovens efetivamente engajados em uma startup. Ainda estamos longe das cem empresas que se formam por ano dentro da Universidade da Califórnia, mas já é um avanço.
Como a academia enxerga métodos de gestão como “lean startup” ou “customer development”, nascidos da experiência de startups? Acredito que devemos transferir aos alunos todo o conhecimento disponível possível. É importante fazer que essas ferramentas cheguem às mãos deles. Cada um vai aplicá-las de acordo com sua necessidade.
Números mostram que o Brasil ainda investe pouco em pesquisa e desenvolvimento, na comparação entre investimento e PIB: metade ou um terço das potencias globais. O que fazer?
De fato, precisamos avançar. A meta da Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para 2014 é de 1,8% do PIB. Não sei se conseguimos chegar lá, pois os números ainda não foram divulgados. Mas a taxa ainda está muito aquém da de nações desenvolvidas, em torno de 3%. A Finlândia está perto dos 4%. Além disso, é importante que a parcela que vem das empresas aumente: a meta para 2014 era uma divisão 50%-50%, entre companhias e governo. Já seria um avanço, pois a tradição é que o Estado arque com 60% ou até 70% dos gastos, ficando o restante com a iniciativa privada. É justamente o inverso do que ocorre nos países desenvolvidos.
Tendo mais dinheiro, temos mão de obra e conhecimento suficientes para fazer proveito dos recursos? Depende da origem do dinheiro. Não adianta gerar conhecimento na universidade se as empresas não estiverem prontas para absorver esse conhecimento e colocá-lo no mercado. Por outro lado, há indicadores que mostram que estamos prontos: o Brasil forma mais de 15.000 doutores por ano, por exemplo. É indicação de que há mão de obra qualificada disponível no mercado.