Um diagnóstico sobre a biodiversidade do Brasil e os serviços ecossistêmicos a ela atrelados deve ser divulgado em 2018 por cientistas brasileiros que integram a Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), entidade internacional criada em 2012 para atuar na interface entre a ciência e a tomada de decisão política.
Com o intuito de orientar o trabalho de produção do relatório, engajar a comunidade acadêmica nacional na empreitada e iniciar um diálogo com outros setores da sociedade, esse grupo de pesquisadores de diversas instituições pretende publicar no próximo mês de março um informe técnico (white paper) elencando as razões pelas quais esse diagnóstico é essencial para o desenvolvimento sustentável do país.
A decisão foi tomada em um evento, realizado nos dias 5 e 6 de novembro na cidade de Indaiatuba (SP), no qual estiveram presentes os cerca de 25 brasileiros que integram os quadros do IPBES.
O encontro foi organizado pela equipe do Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA), em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).
“Nosso objetivo ao lançar esse informe técnico é mobilizar um conjunto grande de pesquisadores para de fato darmos início à produção do diagnóstico brasileiro. Vamos sintetizar em poucas páginas, e com uma linguagem compreensível aos diversos setores sociais, o que entendemos como as principais ameaças à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos do país. E também elencar as consequências da perda parcial ou integral desses recursos para a qualidade de vida, bem como a importância de conservar e, em alguns casos, restaurar essa biodiversidade”, explicou Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do BIOTA e co-chair do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP) do IPBES.
“Foram dois intensos dias de trabalho para construirmos a estrutura das equipes e a abordagem de um diagnóstico brasileiro com base na avaliação regional das Américas que o IPBES propõe”, contou a urbanista Tatiana Gadda, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Segundo Gadda, o grupo para o diagnóstico brasileiro se formou inicialmente com os membros que integram a avaliação regional das Américas e as forças-tarefas do IBPES. “Este grupo inicial deve se expandir e está fortemente engajado em procurar equidade de participação relacionada à região do Brasil e gênero. Além disso, a interdisciplinaridade é outro fator-chave para o desenvolvimento do diagnóstico”, disse Gadda.
Conforme explicou Joly, o relatório brasileiro deve ficar pronto quase ao mesmo tempo que o diagnóstico regional – que vai abordar a biodiversidade de todo continente americano e está sendo elaborado por cientistas de diversos países. Outros diagnósticos regionais serão feitos na mesma época para África; Ásia e Pacífico; Europa e Ásia Central.
Todos esses relatórios vão alimentar o primeiro diagnóstico global sobre a biodiversidade e serviços ecossistêmicos, previsto para ser publicado no início de 2019 nos mesmo moldes dos relatórios lançados a cada cinco anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU).
“É uma iniciativa voltada a aproximar a comunidade científica dos tomadores de decisão. Essa aproximação não se faz por meios dos artigos científicos que publicamos, pois estes possuem uma linguagem muito hermética e as informações estão muito espalhadas. Os diagnósticos são uma oportunidade de traduzir a ciência, selecionar o que há de mais importante, fazer uma análise crítica dessa quantidade grande de informações e colocá-la em uma linguagem acessível e resumida para ser usada pelo decisor político”, comentou Jean Paul Metzger, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e membro da equipe do IPBES que está elaborando o diagnóstico regional para as Américas.
Metzger também participou da elaboração do Diagnóstico Metodológico de Modelos e Cenários de Biodiversidade, já concluído e que será submetido à 4ª Plenária do IPBES em fevereiro de 2016, na Malásia. Atualmente integra o grupo de especialistas de vários países que está desenvolvendo o Diagnóstico de Degradação e Restauração de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
Fabio Scarano, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor da FBDS, ressalta que, ao contrário do trabalho feito pelo IPCC, os diagnósticos do IPBES não serão baseados apenas em artigos publicados em revistas científicas. Também vão levar em consideração o conhecimento tradicional de comunidades locais e indígenas.
“Nossa intenção é trazer esse conhecimento tradicional à tona de maneira sistematizada e criar um diálogo entre os saberes tradicionais e científicos”, disse Scarano.
Nesse sentido, participaram do grupo reunido em Indaiatuba o diretor do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Helder Queiros, e a professora da Universidade de Chicago Manuela Carneiro, autoridade em conhecimentos indígenas.
Metodologia
O diagnóstico brasileiro deverá seguir a mesma metodologia, o mesmo sistema de métricas e a mesma estrutura dos diagnósticos regionais do IPBES (disponível em http://www.ipbes.net/index.php/2-b-regional-subregional-assessments).
O documento será, portanto, dividido em seis capítulos com os temas: “Definindo o cenário”; “A importância dos serviços ecossistêmicos para a qualidade de vida”; “Status e tendências da biodiversidade e funções dos ecossistemas que dão suporte aos serviços ecossistêmicos”; “Vetores diretos e indiretos de mudanças nos serviços ecossistêmicos, considerando os diversos contextos socioculturais da qualidade de vida”; “Análise integrada das diferentes escalas das interações entre o mundo natural e a sociedade humana”; “Opções de governança e arranjos institucionais para a tomada de decisão em diferentes escalas e setores, tanto públicos como privados, incluindo as lições aprendidas”.
“Esperamos mostrar as melhores formas de lidar com os recursos naturais e colocar a conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos como preocupação central no processo de desenvolvimento do Brasil. Gostaríamos que esse componente – atualmente chamado de política ambiental – fosse parte de uma política maior de desenvolvimento e não seja mais percebido como uma espécie de apêndice”, disse Scarano.
Ainda segundo o diretor da FBDS, o grupo não pretende esperar a conclusão do diagnóstico em 2018 para iniciar o diálogo com os setores político, privado, terceiro setor e a academia. “Queremos começar já e por isso vamos lançar esse informe técnico em março”, disse.
De acordo com Joly, o diagnóstico brasileiro deverá dialogar não só com a Política Nacional de Biodiversidade, mas também com as políticas de mudanças climáticas, de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, de recursos hídricos, de cidades sustentáveis, e contribuir para a mudança do modelo de desenvolvimento do país.
“Deverá ter como parâmetro as Metas de Aichi para a Biodiversidade da Convenção sobre a Diversidade Biológica (disponível em portaldabiodiversidade.sp.gov.br/2013/12/13/plano-de-acao-de-sao-paulo-implementacao-das-metas-de-aichi/), cujo prazo é 2020, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável aprovados recentemente pela ONU (17 grandes metas que guiarão os próximos 15 anos na luta global contra a pobreza e as desigualdades, em substituição aos Objetivos do Milênio), com prazo até 2030”, contou Joly.