Em momento de crescimento da produção científica nacional, especialistas chamam a atenção para o tema ética e integridade na ciência do Brasil, na esteira da tendência mundial. Pesquisadores da Unifesp, da UFRJ e PUC-RS, além da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader se reuniram na última terça-feira, 18, na Unifesp, para discutir a temática “Reconfigurando a Ciência para o século XXI: integridade na ciência.”
As partes aproveitaram o encontro para divulgar a 4th World Conference on Research Integrity, a se realizar pela primeira vez no Brasil, entre 31 de maio a 03 de junho de 2015, no Rio de Janeiro. O papel da integridade científica nos diversos sistemas de pesquisa, em vários países, será um dos principais pontos da pauta do congresso, realizado pela primeira vez em Lisboa, em 2007, depois em Cingapura, em 2010, e em Montreal, em 2013.
As discussões na Unifesp centraram em questões emergentes sobre a integridade científica. Em especial, na relação entre qualidade e financiamento de projetos, na comunicação responsável de resultados de pesquisa, além de questões culturais associadas a problemas de má-conduta científica, incluindo o plágio.
No Brasil, dados precisos sobre a incidência de casos de plágio e outras formas de má conduta na ciência ainda são escassos, por falta de estudos mais abrangentes, observa a pesquisadora Rosemary Shinkai, professora da PUC-RS, editora-chefe da Revista Odonto Ciência (Journal of Dental Science) e membro do Conselho Deliberativo do Committee on Publication Ethics (COPE).
“Hoje os dados que temos sobre o Brasil são relacionados a trabalhos publicados em revistas estrangeiras indexadas em bases internacionais. Mas na maioria das revistas publicadas internamente ainda não há dados, porque falta um controle de qualidade editorial profissionalizado”, disse Rosemary, que discorreu sobre o tema: Integridade na Pesquisa e Ética na Publicação Científica.
Segundo ela, muitos casos de má-conduta são detectados por editores, revisores e leitores durante e após a publicação. Citou exemplos de má-conduta em pesquisa a falsificação e manipulação de imagens. No caso de má-conduta na publicação citou, por exemplo, plágio e publicação redundante.
INTEGRIDADE NO FINANCIAMENTO
Conforme os organizadores do evento, o tema ética e integridade na ciência tem ocupado um lugar privilegiado nas instituições de pesquisa e em agências de fomento no mundo, nas últimas décadas.
Organizadora do debate, Marisa Russo, professora da Unifesp, disse que a intenção do debate é promover uma sensibilização na comunidade científica, sobretudo em São Paulo, sobre a integridade e ética na ciência, já que esse é um tema discutido mundialmente. Ela fez questão de citar que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem incentivado às universidades, pesquisadores e alunos para que haja “sensibilidade” sobre integridade na ciência quando se alinharem a agências de fomento. Ou seja, solicita que essa “sensibilização” seja prioridade no financiamento à pesquisa e nos projetos.
Com a mesma visão, a pesquisadora Sonia Vasconcelos, professora da UFRJ, destacou a atenção que vem sendo dada à transparência no financiamento da pesquisa no cenário mundial. Acrescentou que políticas sobre integridade na pesquisa passaram a fazer parte de agenda de vários países nos últimos 15 anos.
Ao discorrer sobre o tema “Conduta responsável na pesquisa: consensos e conflitos”, Sônia, também vice-diretora da Câmara Técnica de Ética em Pesquisa da UFRJ, disse que um dos consensos hoje é de que a pesquisa precisa ser mais colaborativa. Aliás, frisou que a solução de problemas éticos associados a redes colaborativas de pesquisa pode ser considerada um dos grandes desafios com os quais se deparam várias dessas redes, em áreas de saúde, por exemplo.
CIÊNCIA ABERTA
Outro consenso mundial, segundo disse, é o reconhecimento da importância de benefícios da ciência aberta (open science), que incentiva o compartilhamento de dados de pesquisa visando a solução de problemas de amplo interesse o que, claramente, segundo Sonia, “expande o modelo mais convencional de comunicação científica.”
Nesse caso, Sonia citou como exemplo a Inglaterra que tem investido consideravelmente na ciência aberta, sinalizando um ponto positivo, já que isso contribui para o avanço do sistema. Ainda assim, a pesquisadora declarou que apesar de haver o reconhecimento internacional do papel relevante da ciência aberta, não significa que os países percebem esse modelo da mesma forma.
“Cada país lida com esses desafios de forma diferente. Por exemplo, o que é bom para Inglaterra necessariamente não é bom para o Brasil, na mesma medida. Mas esse compartilhamento em rede vem sendo incentivado”, disse Sonia, citando um documento detalhado sobre o tema produzido pela Royal Society.
PREOCUPAÇõES NA CHINA
Embora a curva de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) na China ameace ultrapassar a dos EUA, em termos de crescimento, Sonia disse que esse avanço chinês não é acompanhado de ações concretas sobre a integridade na pesquisa.
Ela citou exemplo de um artigo publicado recentemente em um periódico em que uma editora chinesa demonstra preocupação sobre o cenário da China, diante do crescimento significativo do investimento do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Outra preocupação apontada no artigo, segundo Sonia, é que investimentos em inovação ainda não acontecem em ritmo desejado para fomentar o desenvolvimento da criatividade dos jovens talentos da China.
Sonia fez questão de frisar que, no cenário da inovação, o estímulo para que os alunos chineses exercitem a argumentação de ideias e o debate aberto foi apresentado como um dos desafios no artigo.
Sonia ainda acrescentou: “em alguns programas em que alunos chineses participam nos EUA e no Canadá é reportada a dificuldade que esses alunos têm de elaborar um texto original, por exemplo.”
CONFIANÇA PúBLICA
Outro consenso mundial, conforme a pesquisadora da UFRJ, é a importância do fomento à confiança pública na ciência. Nesse caso, Sonia declarou que a comunicação responsável de resultados de pesquisa recebeu, inclusive, atenção especial em um documento internacional produzido pelas InterAcademies.
Em outra frente, a pesquisadora da PUC-RS, Rosemary, disse que os problemas detectados no que se refere à ética nas publicações “são o topo do iceberg”. Ela sugere estimular a ética e integridade na pesquisa desde a iniciação científica. Ou seja, desde a formação do pesquisador.
“Se o problema é detectado depois da publicação de um artigo ou então da divulgação científica, já estamos falhando, do ponto de vista do educador, porque é muito tarde. O ideal é que trabalhemos com alunos e pesquisadores para evitar que esses problemas ocorram.”
Para resolver tal problema, Rosemary defende uma articulação entre órgãos como o Ministério da Educação (MEC), Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Ministério da Cultura e com agências d fomento que têm influência considerável sobre os pesquisadores. “É preciso também articulação das sociedades cientificas, de revistas, de editorias, leitores, e todo o conjunto da sociedade geral.”
(Ciência em Pauta, com informações do Jornal da Ciência) – http://www.cienciaempauta.am.gov.br/2014/11/especialistas-debatem-etica-e-integridade-na-pesquisa/