A cerimônia de abertura do maior evento científico da América Latina foi realizada na noite deste domingo (22), na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Durante uma semana a capital São Luís será palco dos principais avanços e debates sobre políticas científicas e sua contribuição para o enfrentamento da pobreza, onde a comunidade acadêmica e gestores irão dialogar diretamente com as comunidades tradicionais e os saberes populares.
Com um discurso enfático e direto, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader chamou a atenção para as preocupações e desafios da comunidade científica atualmente. Entre eles os cortes de verbas na área de ciência e tecnologia, a luta por recursos do royalties do petróleo para C,T&I e Educação, o PLC 180/2008, que traz mudanças no acesso ao ensino superior e o Código Florestal.
Helena apontou as graves consequências dos cortes nos recursos da área de C&T nos últimos dois anos, sobretudo ao considerar os compromissos do governo com o progresso social e econômico do País por meios sustentáveis. “No momento em que se assume a tão almejada mudança de patamar para o status da ciência no País – ou seja, sua elevação à condição de política de Estado -, é impensável uma volta atrás”, destacou. Em seu discurso, ela ressaltou que “além de manter o sistema de produção científica nos níveis alcançados, a pasta necessita de mais recursos para ajudar a viabilizar atividades de pesquisa e desenvolvimento com vistas a aumentar a geração de inovações tecnológicas no País”.
A presidente da SBPC alertou ainda para a ameaça de extinção dos recursos dos royalties do petróleo pela atual redação do projeto de lei que tramita no Congresso, que originalmente não destina recursos para o Fundo Setorial de Petróleo e Gás (CT-Petro). Ela afirmou que “é inimaginável conviver com tal perda ou mesmo com alguma redução” nesses recursos e nomeou de “nefastas” as consequências desta ameaça para as atividades de C,T&I no País. Helena destacou que a falta da explicitação de Educação, Ciência e Tecnologia, tanto no regime de concessão como no novo regime de partilha dos royalties, frustra uma oportunidade de o País dar um novo salto em direção ao desenvolvimento.
Sobre o Código Florestal, Helena destacou que apesar de toda a mobilização realizada, as recomendações dos cientistas não foram consideradas no relatório da Medida Provisória, aprovado na comissão mista do Congresso na semana passada, trazendo mais retrocessos na legislação.
A presidente da SBPC criticou também o projeto de lei que tramita no Senado, o PLC 180/2008, que proíbe a realização de exames vestibulares ou o uso do Enem, obrigando que o processo seletivo para ingresso nas universidades adote, exclusivamente, a média das notas obtidas pelos candidatos no ensino médio. “Desta maneira o ingresso no ensino superior passa a ser subordinado a critérios distintos de avaliação de cada escola espalhada por esse país. Não existe um ensino forte, não existe um ensino de qualidade e não podemos tapar o sol com a peneira”, enfatiza.
Helena deixa claro que a SBPC e a ABC são favoráveis a programas de ações afirmativas que já são adotados por muitas universidades há anos, por meio de diferentes modelos adequados à realidade de cada instituição. Para a presidente, o projeto, que não foi analisado pela Comissão de Educação da casa, é de teor questionável e reitera que “o acesso dos brasileiros à educação superior é tão importante quanto o grau de excelência desta educação e que a oferta de oportunidades educacionais de qualidade é a garantia de cidadania e do desenvolvimento sócio econômico do Pais”.
Em seu discurso, Helena elencou como motivo de comemoração a aprovação do Plano Nacional de Educação com a meta de investimento de 10% do PIB na área, luta que a SBPC participou diretamente. “A meta é para ser alcançada nos próximos dez anos, é importante frisar isso, não estamos sendo levianos”.
Casa – Por sua vez, o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, disse que estava voltando a sua “casa”, já que foi presidente da SBPC e é membro da entidade “há algumas dezenas de anos”. Ele lembrou também que foi escolhido para o cargo de ministro por sua vida pregressa na ciência. “Minha bancada continua sendo a do laboratório e meu partido é o da comunidade científica “, assegura.
Para o ministro, o mundo está prestando atenção no Brasil e “nós temos tudo para dar o exemplo ao criar um modelo de desenvolvimento sustentado que combina, de modo equilibrado, crescimento econômico com inclusão social e preservação ambiental”. Compatibilizar essas necessidades é um grande desafio e, ao mesmo tempo, uma grande oportunidade. “Nesse arranjo, a ciência e a tecnologia passam a ter uma atuação sem precedentes na vida nacional. A tendência é que contribuam cada vez mais com a formulação de políticas públicas em áreas como saúde, educação, transporte, meio ambiente e habitação”, declarou.
Raupp ressalta alguns pontos chave para o desenvolvimento da ciência no Brasil, como o avanço do conhecimento científico, sobretudo a respeito da biodiversidade. “Temos uma posição tímida no estudo da biodiversidade. Ter a maior diversidade do mundo e não conhecê-la pode equivaler a não ter nenhuma”, alega, recordando que usar a biodiversidade para promover o desenvolvimento sustentável remete a recuperar a tradição das cerca de 200 comunidades indígenas do País que já a utilizam.
Outro ponto destacado pelo ministro se refere a destinar os royalties do pré-sal para C,T&I e Educação, reivindicação também abraçada pela SBPC. Raupp ainda recordou a necessidade de estabelecer logo o novo marco legal de C,T&I, “que necessita urgente adequação”. “Não creio que a ciência tenha a solução para todos os problemas, mas é o instrumento pelo qual a razão se manifesta, oferecendo um conjunto de soluções”, acredita, lembrando a tendência de os cientistas cada vez mais contribuírem para políticas públicas.
Natalino Salgado Filho, reitor da Universidade Federal do Maranhão, destacou que a Reunião Anual da SBPC é um “feito histórico”, e que também representa um momento de transição da universidade, que está se consolidando como cidade universitária. Ele também destaca que o tema do evento “Ciência, cultura e saberes tradicionais para enfrentar a pobreza” vai ao encontro do lema adotado por sua atual gestão, que une ideias de inovação e inclusão social.
“A pobreza é uma chaga aberta no mundo contemporâneo e o Brasil ainda é um país com índice de desigualdade enorme”, ressalta, lembrando que a “a ciência se faz com imaginação e sagacidade” e que “na cultura do homem comum se encontra a pedra bruta em que se pode lapidar o conhecimento”.”O pesquisador, o universitário e o professor são instrumentos de mudança, catalisadores de igualdade e construtores de maior equidade entre os brasileiros”, resume.
Participação – Entre as autoridades que participaram da solenidade de abertura estavam o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge Guimarães, que representava o ministro da Educação; a secretária de Ciência e Tecnologia do Estado do Maranhão, Rosane Guerra, que representava a governadora do estado; o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva; o presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Glauco Arbix; o secretário executivo do MCTI, Luiz Antonio Elias; os presidentes dos conselhos nacionais de Secretários Estaduais para Assuntos de C&T (Consecti), Odenildo Sena, e do conselho das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap), Mario Neto Borges. Estavam presentes também o secretário da SBPC no Maranhão, Luiz Alves Ferreira; o acadêmico Jailson Bittencurt de Andrade, representando a Academia Brasileira de Ciências; a presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), Luana Bonone; o presidente do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), Jorge Avila; e os professores Sergio Mascarenhas e Ennio Candotti, presidentes de honra da SBPC .
Acessibilidade – A secretária geral da SBPC e coordenadora da Reunião Anual, Rute Maria Gonçalves de Andrade afirma que o tema central da Reunião, Ciencia, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza, abre espaço para incorporar a “questão da inclusão de forma definitiva nos eventos da SBPC”, sublinhando as ações de inclusão que permearam toda a organização do evento, desde reformas na infraestrutura da Universidade para maior acessibilidade até a tradução simultânea para deficientes auditivos das conferências do encontro, o que já aconteceu na sessão de abertura.
Rute destacou também a participação de comunidades tradicionais em todo o evento, inclusive na programação científica. “A SBPC, sempre empreendendo ações para promover o progresso da educação e da ciência e, consequentemente, da sociedade brasileira, não poderia estar fora deste movimento pelo direito de todos ao acesso seja ao que for, onde, como e porque for”, enfatiza.
Representando as comunidades tradicionais, o quilombola Ivo Fonseca da Silva, coordenador nacional das Comunidades Negras, Rurais e Quilombolas do Maranhão e membro do Conselho Nacional de Igualdade Racial, alega que a ciência deve ajudar no desenvolvimento dos povos pobres. Ele sublinha que “a pobreza não é apenas ter fome” e que é preciso enfrentá-la em “todos os elementos que envolvam o desenvolvimento do ser humano”, como educação, espaço e direitos. Ele lembrou que a luta pela inclusão e reconhecimento de seus direitos não é apenas dos quilombolas, mas também de indígenas, comunidades de terreiro, garimpeiros, pescadores, artesãos e “todos os povos que lutam pela sobrevivência”.
Por sua parte, Lourdes Maria Bandeira, ministra interina da Secretaria de Políticas para as Mulheres, recordou o papel da SBPC na luta pelos direitos femininos e lembrou que a Reunião de 1980 entrou para história porque abriu as portas para as discussões sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. “A SBPC associa-se à política nacional da Secretaria das Mulheres ao alavancar o trabalho delas na ciência”, pontua, destacando, no entanto, que o aumento do nível da escolaridade feminina ainda não vem acompanhado de reconhecimento profissional em cargos qualificados e salários justos.
(Clarissa Vasconcellos e Renata Dias – Jornal da Ciência)