Cientistas querem adiar exploração de xisto

Em carta enviada à presidente Dilma Rousseff, em agosto, a SBPC e ABC manifestaram a sua preocupação com o anúncio da Agência Nacional do Petróleo de incluir o produto, obtido por fraturamento da rocha, na próxima licitação, em novembro, de campos de gás natural em bacias sedimentares brasileiras, e propuseram a ampliação das pesquisas sobre a atividade.

A exploração do gás de xisto nas bacias hidrográficas brasileiras, principalmente na região Amazônica, segue na contramão de países europeus, como França e Alemanha, e algumas regiões dos Estados Unidos, como o estado de Nova York, que vêm proibindo essa atividade, temendo estragos ambientais, mesmo diante de sua viabilidade econômica. Os danos são causados porque, para extrair o gás, os vários tipos de rochas metamórficas, chamadas xisto, são destruídas pelo bombeamento hidráulico ou por uma série de aditivos químicos.

Enquanto a Agência Nacional de Petróleo (ANP) mantém sua decisão de lançar em 28 e 29 de novembro os leilões de blocos de gás de xisto, autoridades de Nova York, um dos pioneiros na exploração desse produto, desde 2007, começam a rever suas políticas internas. Mais radical, a França ratificou, recentemente, a proibição da fratura hidráulica da rocha de xisto, antes mesmo de iniciar a extração desse produto, segundo especialistas.

Cientificamente batizado de gás de “folhelho”, o gás de xisto é conhecido também como “gás não convencional” ou natural. Embora tenha a mesma origem e aplicação do gás convencional, o de xisto se difere no seu processo de extração. Isto é, o produto não consegue sair da rocha naturalmente, ao contrário do gás convencional ou natural, que migra naturalmente das camadas rochosas. Para extrair o gás do xisto, ou seja, finalizar o processo de produção, são usados mecanismos artificiais, como fraturamento da rocha pelo bombeamento hidráulico ou por vários aditivos químicos.

Ao confirmar os leilões, a ANP afirma, via assessoria de imprensa, que a iniciativa cumpre a Resolução CNPE Nº 6 (de 23 de junho deste ano), publicada no Diário Oficial da União. Serão ofertados 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná, São Paulo, totalizando 168.348,42 Km².

Destino

O gás de xisto a ser extraído dessas bacias terá o mesmo destino do petróleo, ou seja, será comercializado como fonte de energia. No Brasil, o gás de xisto pode suprir principalmente o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde a demanda é crescente por gás natural, produto que esses estados importam da Bolívia.

Apesar do potencial econômico, o químico Jailson Bitencourt de Andrade, conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reforça seu posicionamento sobre a importância de adiar os leilões da ANP e ampliar as pesquisas sobre os impactos negativos da extração do gás de xisto, a fim de evitar as agressões ao meio ambiente. “É preciso dar uma atenção grande a isso”, alerta o pesquisador, também membro da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Mesmo nos Estados Unidos, onde há uma boa cadeia de logística, capaz de reduzir o custo de exploração do gás de xisto, e mesmo que sua relação custo-benefício seja altíssima, alguns estados já estão revendo suas políticas e criando barreiras para a exploração desse produto.”

Em carta (disponível em http://www.sbpcnet.org.br/site/artigos-e-manifestos/detalhe.php?p=2011), divulgada em agosto, a SBPC e ABC expõem a preocupação com a decisão da ANP de incluir o gás de xisto, obtido por fraturamento da rocha, na próxima licitação. Um dos motivos é o fato de a tecnologia de extração desse gás ser embasada em processos “invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da técnica de fratura hidráulica, com a injeção de água e substâncias químicas, podendo ocasionar vazamentos e contaminação de aquíferos de água doce que ocorrem acima do xisto”.

Diante de tal cenário, Andrade volta a defender a necessidade de o Brasil investir mais em conhecimento científico nas bacias que devem ser exploradas, “até mesmo para ter uma noção da atual situação das rochas para poder comparar possíveis impactos dessas bacias no futuro”. Nesse caso, ele adiantou que o governo, por intermédio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Brasileira da Inovação (Finep), está formando uma rede de pesquisa para estudar os impactos do gás de xisto.  

Defensor de estudar todas alternativas de produção de gás para substituir o petróleo futuramente, o pesquisador Hernani Aquini Fernandes Chaves, vice-coordenador do Instituto Nacional de Óleo e Gás (INOG), frisa, em contrapartida, que, apesar de eventuais estrago das rochas de xisto, o uso desse gás “é ambientalmente mais correto” do que o próprio petróleo. “Ele tem menos emissão de gás”, garante. “Precisamos conhecer todas as possibilidades de produção, porque, além de irrigar a economia, o petróleo é um bem finito que acaba um dia. O país é grande. Por isso tem de ver as possibilidades de levar o progresso a todas às áreas.” Ele se refere ao interior do Maranhão, uma das regiões mais pobres do Brasil e com potencial para exploração de gás de xisto.

Sem querer comparar o potencial de produção de gás de xisto dos EUA ao brasileiro, Chaves considera “muito otimista” as estimativas da Agência Internacional de Energia dos EUA feitas para o Brasil, de reservas da ordem de 7,35 trilhões de m³. Segundo Chaves, o INOG ainda não fez estimativas para produção de gás de xisto no território nacional. As bacias produtoras de gás de xisto, disse, ainda não foram comprovadas. Em fase experimental, porém, o gás de xisto já é produzido pela Petrobras na planta de São Mateus do Sul.

Ao falar sobre os danos ambientais provocados pela extração do gás de xisto, Chaves reconhece esse ser “um ponto controverso”. Por ora, ele esclarece que na Europa, sobretudo França e Alemanha, não é permitida a extração do gás de xisto pelo fato de o processo de exploração consumir muita água e prejudicar os aquíferos. Além disso, em Nova York, onde a produção foi iniciada, a exploração também passou a ser questionada. “Os ambientalistas não estão felizes com a produção desse gás”, reconhece. “Na França, por exemplo, não deixaram furar as rochas, mesmo sabendo das estimativas de produção de gás de xisto.”

Esclarecimentos da ANP

Segundo o comunicado da assessoria de imprensa da ANP, as áreas ofertadas nas rodadas de licitações promovidas pela ANP são previamente analisadas quanto à viabilidade ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelos órgãos ambientais estaduais competentes. “O objetivo desse trabalho conjunto é eventualmente excluir áreas por restrições ambientais em função de sobreposição com unidades de conservação ou outras áreas sensíveis, onde não é possível ou recomendável a ocorrência de atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural”.

Para todos os blocos ofertados na 12ª rodada de leilões, segundo o comunicado, houve a “devida manifestação positiva do órgão estadual ambiental” competente. “A ANP, apesar de não regular as questões ambientais, está atenta aos fatos relativos a esse tema, no que tange à produção de petróleo e gás natural no Brasil. Nesse sentido, as melhores práticas utilizadas na indústria de petróleo e gás natural em todo o mundo são constantemente acompanhadas e adotadas pela ANP”, cita o documento.

A ANP acrescenta: “Como o processo regulatório é dinâmico, a ANP tomará as medidas necessárias para, sempre que pertinente, adequar suas normas às questões que se apresentarem nos próximos anos para garantir a segurança nas operações.”

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)

Finep e MCTI criam rede de pesquisa para exploração de gás de xisto

Em uma tentativa de evitar danos ambientais pela exploração de gás não convencional no Brasil, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e a Agência Brasileira da Inovação (Finep) começam a montar uma rede de pesquisa para analisar, pesquisar, desenvolver metodologias, tecnologias e protocolos de segurança operacional para a exploração de gás não convencional. A informação foi antecipada ao Jornal da Ciência por Rogério Medeiros, gerente de Acompanhamento e Gestão da Informação da Finep e secretário-técnico do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural (CT-Perto).

Segundo ele, a iniciativa é orientada pela política industrial, pelo Plano Inova Empresa, e pelo Comitê Gestor do CT-Petro. A rede de pesquisa tem por objetivo estabelecer níveis de segurança e sustentabilidade ambiental no manejo de recursos hídricos e materiais envolvidos e, igualmente, avaliar os impactos socioambientais. A ideia é promover, também, intensa formação de recursos humanos qualificados para atuação no setor. A fonte da Finep, porém, se esquivou de entrar no mérito da exploração do gás de xisto a ser permitida tão logo pelos leilões da ANP.

Conforme Medeiros, os investimentos previstos para a rede de pesquisa virão do Plano Inova Empresa, lançado pelo governo federal em março deste ano, segundo o qual prevê R$ 33 bilhões para fomento à inovação empresarial no país. Dentre as ações estratégicas desse plano, destaca-se a área de petróleo e gás, que contempla três ações específicas: o Programa Inova Petro, as tecnologias para a cadeia do pré-sal e as tecnologias para exploração do gás não convencional.

O especialista da Finep explica que a denominação “não convencional” envolve todas as formas de óleo e gás contidas em reservatórios de baixa permeabilidade, em rochas geradoras e em carvão. Entre os quais estão o gás de folhelho (shale gas), conhecido como xisto; o óleo pesado em arenitos (oil sands), o folhelho oleígeno (shale oil), o gás de arenitos fechados (tight gas sands); o gás de carvão (coalbed methane) e os hidratos de gás (gas hydrates).

A rede de pesquisa em andamento reúne “as melhores” competências técnicas e empresariais brasileiras. Ou seja, são seis universidades federais, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A rede de pesquisa reúne também os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), representados na rede Técnicas Analíticas para Exploração de Petróleo e Gás (INCT/Petrotec), Geofísica do Petróleo (INCT/GP), Energia e Ambiente (INCT/E&A), Instituto Nacional de Óleo e Gás (INOG), Recursos Minerais, Água e Biodiversidade (INCT/Acqua).

A proposta, conforme Medeiros, prevê que em uma fase futura de desenvolvimento, a rede de pesquisa vai dispor de informações e meios técnicos e financeiros para a promoção de uma sondagem de um experimento piloto público de estimulação (fraturamento hidráulico), a ser acompanhado por representações de órgãos ambientais, órgãos de controle públicos, privados e do terceiro setor, a fim de promover a formação de opinião qualificada sobre a matéria.

Assim como outros especialistas de gás, Medeiros faz questão de esclarecer que a expressão gás de xisto, embora genericamente utilizada, é inapropriada cientificamente. A terminologia correta é gás de folhelho ou “shale gas”.

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)