Testes com animais ainda são indispensáveis

Apesar de a comunidade científica internacional ter avançado nos estudos e pesquisas, as análises dos fármacos ainda depende de testes com animais. Embora tenha havido avanço nos métodos alternativos, por enquanto não é possível fazer testes de sensibilidade, de vacinas, de compatibilidade biológica de próteses e de produtos terapêuticos sem o uso de animais.

Embora a área científica tenha dado um passo significativo no desenvolvimento de métodos alternativos em substituição ao uso de animais nos experimentos científicos, há ainda um longo caminho a percorrer para substituir 100% os ensaios com animais nas pesquisas. A análise é de José Mauro Granjeiro, membro do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal  (Concea).

Conforme Granjeiro, os testes clínicos em animais são necessários para a avaliação de segurança e eficácia de medicamentos e cosméticos, dentre outros produtos, para atender às necessidades da população. No Brasil, os métodos alternativos estão previstos na Lei Arouca, em vigor há cinco anos. A legislação reflete uma tendência mundial como o que ocorre no Centro Europeu de Validação de Métodos Alternativos (ECVAM), existente há mais de duas décadas e que visa promover a aceitação científica e regulatória de testes livre de animais.

Os métodos alternativos buscam contribuir com os objetivos dos 3R’s, ou seja, Refinar, Reduzir ou Substituir (do inglês: Refinenment, Reduction, Replacement) o uso de animais para experimentação. Esses métodos são baseados em técnicas in vitro, por exemplo, utilizando células, mas também se vem estudando estratégias para simulação em computadores.  

Desafios

Apesar de a comunidade científica internacional ter  avançado nos estudos e pesquisas, as análises dos fármacos, ainda, depende de testes com animais. Por exemplo, segundo Granjeiro, não é possível fazer testes de sensibilidade, de potência de vacinas, de compatibilidade biológica de próteses (como as mamárias) e produtos terapêuticos sem o uso de animais. “O grande desafio, ainda, é desenvolver métodos alternativos capazes de reduzir ou subsistir os animais nos experimentos científicos para todas as análises necessárias”, diz. “Hoje não é possível substituir ou reduzir o uso animal para tudo que se precisa para avaliar a segurança e eficácia de produtos de interesse biomédico”.

Segundo ele, todos os materiais que entram em contato com o corpo humano, seja na parte externa ou interna, exigem testes “in vivo” para se concluir sobre sua segurança e eficácia. Isso porque uma célula individual não responde como organismo, por ficar isolada na placa de cultivo, na qual não é possível obter todas as respostas desejadas quando se compara com o teste realizado com animal. “Isso significa que precisamos desenvolver ainda uma ciência de ponta, avançada, para melhorar os métodos alternativos”, diz Granjeiro. “Isto é, a substituição completa dos ensaios in vivo (animais) pelos ensaios in vitro ainda depende de muito estudo.”

Validação  

Granjeiro lembra que o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vem atuando intensamente nos métodos alternativos. Criou em 2012, por meio da portaria nº 491 (de 03.07.2012), por exemplo, a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), para proporcionar ao país “uma condição adequada para desenvolver e validar esses métodos alternativos”. Além de investir recursos financeiros para a implantação da Rede, o MCTI, por meio de uma chamada do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apoiou grupos de pesquisa para implementar métodos alternativos validados e para o desenvolvimento de um equivalente da pele humana.

Em paralelo, uma cooperação entre a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) resultou, também em 2012, na criação do Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (BraCVAM), coordenado por Octavio Presgrave, pesquisador da Fiocruz. A Renama e o BraCVAM atuarão em conjunto para o desenvolvimento e validação de métodos alternativos. Neste momento, o Concea e o BraCVAM vão estruturar esse processo e, certamente, acelerar o avanço nessa área.

De acordo com Granjeiro, a Rede prioriza, em sua etapa inicial, a implementação dos métodos validados e recomendados pela Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD, na sigla inglês). “A implantação desses métodos permitirá capacitar pessoal para realizá-los e disseminá-los no país, contribuindo para a maior oferta de laboratórios aptos a fazer os testes para as empresas”, informa.

Ao explicar sobre o conceito dos 3R’s nas análises científicas, ele diz que o maior desejo é conseguir a substituição do  uso de animais. “Contudo, nem sempre isso é possível e, então, busca-se reduzir o número de animais utilizados”, diz. “E, quando isso não for possível, devemos visar o refinamento para gerar mais conforto aos animais, impedir a dor e o estresse.” Ele não tem informações sobre o número de testes in vitro realizados no Brasil e no mundo em experimentos científicos. Disse, porém, ser “gigantesco” dado o avanço tecnológico.  .

Invasão ao Instituto Royal – O membro do Concea vê como “negativa” a invasão de ativistas ao Instituto Royal, pois se trata de crime. “Não é por esse caminho, nem por meio da violência, nem pela destruição do trabalho realizado que será resolvido  o desafio de promover a substituição do uso de animais nas pesquisas”, diz. “A retirada dos animais que estavam em experimentação destruiu os estudos em andamento”.

Segundo Granjeiro, os pesquisadores do Brasil trabalham com muita atenção e ética no âmbito do uso de animais. “Lógico que sempre há espaço para melhoria, e o Concea e a própria comunidade científica vêm promovendo avanço por meio da regulamentação da Lei Arouca”, assegura. Diante disso, ele reforça: “Parar a pesquisa com animais não é a solução”. Para ele, o “único caminho possível” é o da ciência, com ética no uso dos animais, e com pesquisa de qualidade que, efetivamente,  transforme o trabalho realizado em resultado confiável. “A ciência é fundamental para que possamos inovar nos métodos alternativos”, diz.

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)