Temas como a correção das redações e a possibilidade de haver mais de um
exame por ano estiveram na pauta da mesa apresentada na 64ª Reunião
Anual da SBPC.
Uma plateia lotada de estudantes assistiu nesta
quarta-feira (25), durante a 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC), a palestra Desafios do Enem, que
contou com a presença de Luiz Cláudio Costa, presidente do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
responsável pela organização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); e
com os professores Nilson José Machado (Universidade de São Paulo) e
Maria Inês Fini (Universidade Metropolitana de Santos), que participaram
da criação do exame.
Costa deu início à discussão falando que o
Brasil tem 17,4% dos jovens em idade adequada para entrar na
universidade atualmente, e que teóricos acreditam que para que a
educação superior seja considerada “de massa” esse número deve ser de
30%. “Temos um número baixo. O que queremos é caminhar para a
massificação e depois para a universalização”, afirma.
Ele lembra da lógica “perversa” do vestibular –
que já completou cem anos no Brasil -, por obrigar o aluno a escolher a
universidade antes da prova e diminuir as chances de quem não tem
condições financeiras de prestar mais de um vestibular. Costa sublinha
que o Enem democratizou o acesso. “Tivemos quase quatro milhões de
jovens que não pagaram a taxa de inscrição de R$ 35; ele é inclusivo”,
completa.
Criado em 1998, o Enem teve seu grande salto em
2009, quando surgiu a proposta de utilizá-lo como mecanismo de acesso
democrático ao ensino superior de todo o País. Nilson José, que
participou do grupo de trabalho do primeiro Enem (liderado por Maria
Inês Fini), lembra as mudanças pelas quais o exame passou com as trocas
de governo. “Depois de ser ameaçado de acabar, cinco anos após sua
criação, virou a menina dos olhos do Inep e do MEC. Mas de 2010 para cá,
o Enem tem uma cara ruim porque o foco todo foi para os problemas, como
os de logística e o de roubo de provas”, lamenta, lembrando que a
intenção da mesa-redonda era apresentar propostas e não apontar os
erros.
Ajustes – Costa afirma que a última edição teve
6,4 milhões de participantes, sendo que 1,2 milhão se inscreveu no
último dia, quando chegou a haver mais de seis mil pessoas acessando o
site por hora. “Por ser um exame dessa grandeza, tivemos questões
logísticas operacionais. Tivemos problemas nas três edições e precisamos
trabalhar arduamente para que haja tranquilidade desde a inscrição até a
prova”, relata, citando que o exame conta com duas comissões de
especialistas e um comitê de governança.
Outra questão polêmica diz respeito à correção
das redações. Costa alegou ter descoberto que até instituições de
excelência internacional como o MIT têm problemas com a correta
avaliação de textos em suas seleções e assegurou que está havendo um
avanço para garantir o melhor funcionamento dessa correção.
Ele detalha que a redação vale de zero a mil
pontos e lembra que são avaliadas cinco competências, como domínio da
norma culta e intervenção no tema. Dois avaliadores corrigem a prova,
sem saber o resultado um do outro. Até a última edição, se as avaliações
diferissem em a partir de 300 pontos, a redação passaria por um
terceiro avaliador. Agora, a discrepância necessária para a entrada de
um terceiro corretor será a partir de 200 pontos.
De acordo com Costa, o Inep está investindo em
treinamento e qualificação dos avaliadores, com a ideia de padronizar o
máximo possível a correção dos textos. Além disso, serão lançados na
semana que vem um guia de redação para o Enem, disponível para download e
distribuído em escolas públicas, e um edital de R$ 2 milhões para
indução do conhecimento em correção de texto.
PLC 180/2008 – Helena Nader, presidente da SBPC,
perguntou sobre a posição do Inep a respeito do Projeto de Lei nº
180/2008, que determina a reserva de metade das vagas nas instituições
de ensino superior públicas para estudantes oriundos do ensino médio em
escolas públicas. Além disso, em seu artigo 2º, o projeto proíbe a
realização de exames vestibulares ou o uso do Enem, obrigando que o
processo seletivo adote exclusivamente a média das notas obtidas pelos
candidatos nas disciplinas cursadas no ensino médio. Dessa maneira, o
ingresso no ensino superior deixa de ser responsabilidade da
universidade e passa a ser subordinado aos critérios de cada escola.
“A gente sabe que o
ensino é diferente em cada instituição, com algumas escolas mais rígidas
que outras. Para onde vai a qualidade?”, questiona, lembrando que o PLC
“fere a decisão da universidade de escolher qual exame [seletivo] ela
quer [adotar]”. Costa afirma que é necessário ter medidas afirmativas no
País, mas também demonstrou preocupação em relação à autonomia das
universidades. “Eu gostaria muito que isso fosse debatido profundamente
na academia”, opina.
Ensino Médio – Maria Inês Fini, que falou pela
primeira vez em público sobre o Enem nesta mesa-redonda, afirma que o
desafio mais significativo, em sua opinião, é a vinculação do Enem ao
Ensino Médio. Ela lembra que o exame nasceu baseado em três eixos
estruturantes da reforma do EM de 1998, em que haveria “o
desenvolvimento de competências e habilidades ao final da escolaridade
básica, com provas interdisciplinares, contextualizadas e organizadas em
situações problema”.
A professora ressalta a intenção que existia de
eleger nas avaliações um novo conceito de aprendizagem, “mais
abrangente, que reconhecia que informação não é conhecimento e que
memória não é inteligência”. As competências exigidas continuaram as
mesmas em relação ao novo Enem, no total de cinco: domínio da
linguagem, construção de conceitos, resolução de problemas, argumentação
consistente e intervenção/criatividade.
No Enem atual, inspirado nas matrizes do antigo
Exame Nacional de Certificação de Competências de Educação de Jovens e
Adultos (Encceja), há cinco eixos cognitivos, quatro áreas de
conhecimento, com trinta competências cada, que se abrem em 120
habilidades, além da lista de conteúdos, segundo lembra Nilson José
Machado.
Porém ainda permanecem dúvidas a respeito de
como se orientar na hora de estudar e ensinar. “Estudantes questionam a
aplicação de simulados com antigas provas do Enem. Não sou contra que
eles se familiarizem com o exame, mas acho que não está claro o que vai
ser avaliado: as habilidades ou conteúdo? Como estudar para ele?”,
indaga Maria Inês.
Outra questão latente é o aumento do número de
exames. Costa é cuidadoso ao tratar o tema. “Queremos resolver as
questões operacionais e profundas e estamos alcançando avanços e
atualizações. Fazer dois Enem por ano por quê? Para diminuir a tensão ou
por que há público? Temos o alicerce estrutural para fazê-lo, mas temos
que pensar que benefício isso terá para a educação”, conclui.
(Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência)