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Uma leitura de antropólogos e sociólogos sobre o futuro da Amazônia

O enfraquecimento de agências multilaterais de cooperação internacional começa a ameaçar as políticas para conservação da Amazônia Legal. A afirmativa é do presidente do Programa Nova Cartografia Social, Alfredo Wagner de Almeida, que ministrou conferência ontem (26) na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), em São Luís.

O
enfraquecimento de agências multilaterais de cooperação internacional começa a
ameaçar as políticas para conservação da Amazônia Legal. A afirmativa é do presidente
do Programa Nova Cartografia Social, Alfredo Wagner de Almeida, que ministrou
conferência ontem (26) na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), em São Luís.

Sob o tema “Povos e comunidades tradicionais
atingidos por projetos militares”, o antropólogo alertou sobre a ação
de sete estados que buscam reduzir a Amazônia Legal, cujos projetos
tramitam no Legislativo. Dentre os quais estão o Mato Grosso que prevê
retirar a participação de sua área como Amazônia Legal, igualmente a
Rondônia, que quer retirar esse título de suas terras da região. Outros
estados como Maranhão e Tocantins querem tirar o título de todas suas
áreas consideradas Amazônia Legal. 


A região engloba uma superfície de
aproximadamente 5.217.423 km², o equivalente a cerca de 61% do
território brasileiro. Foi instituída com objetivo de definir a
delimitação geográfica da região política captadora de incentivos
fiscais para promoção do desenvolvimento regional.

“Essa é uma primeira tentativa de reduzir a
Amazônia Legal, pois esses estados agora não gozam mais dos benefícios
concedidos pelas agências internacionais multilaterais”, analisou
Almeida, também conselheiro da SBPC e professor da Universidade do
Estado do Amazonas (UEA).

Segundo o pesquisador, os organismos
internacionais, até então, eram fontes de recursos para programas de
proteção à Amazônia. Tais como, o Projeto Integrado de Proteção às
Populações e Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL), destinado à
demarcação de terras indígenas, fomentado principalmente pelo governo da
Alemanha. E o PPG7 (Programa Piloto para Proteção das Florestas
Tropicais do Brasil). Foram essas políticas que fortaleceram a criação
do Ministério do Meio Ambiente. “Sem o apoio das agências multilaterais
as políticas para a Amazônia encolheram”, disse, sem citar valores.

Conforme o antropólogo, a decisão dos estados
que querem sair da Amazônia Legal significa para eles “liderar mais
terras segundo as quais consideram ser produtivas”, em detrimento da
conservação das florestas.

As declarações do antropólogo são baseadas no
dossiê “Amazônia: sociedade, fronteiras e políticas”, produzido por
Edna Maria Ramos de Castro, socióloga do Núcleo de Altos Estudos
Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e diretora da SBPC,
que intermediou a conferência. A íntegra do documento foi publicada
recentemente no Caderno CRH da Bahia.

Terras indígenas – Na
avaliação da autora do dossiê, os dispositivos jurídicos desses estados
ameaçam as terras indígenas – protagonistas na conservação da
biodiversidade que precisam da natureza para sobreviver. “São
dispositivos legais, são claros na Constituição, mas essa prática pode
levar a uma situação de impasse [da sociedade]”, analisou. Edna citou o
caso da polêmica obra da hidrelétrica de Belo Monte que se tornou um
ícone de um processo de resistência da sociedade brasileira.

Mudança de paradigma – O
antropólogo fez uma leitura sobre o atual modelo político brasileiro
administrativo. Ele vê uma mudança de uma política “de proteção” para
uma “ideia de protecionismo”. “A distinção entre proteção e
protecionismo revela em primeiro lugar o enfraquecimento das agências
multilaterais internacionais”, disse. Segundo ele, o protecionismo
“erige” fora do âmbito da proteção.

Do ponto de vista de Alfredo Wagner, os sinais
de mudança refletem principalmente os desacordos na reunião da
Organização Mundial do Comércio (OMC) em dezembro de 2011 em Genebra.
Na ocasião, houve sinais de ruptura de acordos internacionais – até
então chamados de mercado comum. Um exemplo “é o engavetamento” da
chamada Rodada de Doha, em razão de divergência entre as partes sobre
subsídios agrícolas concedidos por países desenvolvidos.

Expansão da área militar e infraestrutura –
O antropólogo lembra que no auge dos organismos multilaterais a área
de segurança, isto é, a dos militares, não era fomentada porque não
fazia parte de uma política de mercado único. Ele observa, entretanto,
uma mudança a partir de 2009 quando há um deslocamento do modelo e
problemas com os militares começam a aparecer, em decorrência da
reedição de projetos de fronteiras militarizadas. “A partir daí inicia
um capítulo de conflitos”.

Afastamento de fundos internacionais e órgãos reguladores –
Segundo ele, o que mais sobressai na “ideia do protecionismo” é a
identificação de recursos naturais estratégicos, como commodities
agrícolas e minérios, que – sob o argumento de desenvolvimento
sustentável – podem ser utilizados para o incremento de grandes obras
de infraestrutura.

“Tudo passa a ser interpretado como interesses
nacionais. A ideia de bloco vai perdendo força, o que pode explicar as
próprias tensões no Mercosul, quando a Venezuela é levada ao bloco em
momentos de crise. Esses interesses nacionais passam a se articular de
maneira disciplinada sem passar pelas entidades multilaterais”,
considera o antropólogo.

Segundo ele, atual ação do Estado brasileiro
não passa pelas entidades multilaterais. Reflexo é o afastamento do
Fundo Monetário Internacional (FMI) e de duas normas estrangeiras. Uma
delas é a Lei de Direitos Humanos Internacional da OEA (Organização dos
Estados Americanos). Ele lembra que o Brasil deixou de investir “nessa
corte” a partir do momento em que a hidrelétrica de Belo Monte foi
condenada pelo órgão. “O Brasil passa a ter uma posição unilateral,
semelhante a dos norte-americanos na Guerra do Golfo”, observa o
antropólogo. “A ideia do protecionismo vem de forma bastante forte”.

Alfredo Wagner também observa sinais de
afastamento da Convenção 169 em que obriga a consulta prévia de
comunidades prejudicadas por grandes obras de infraestrutura, por
exemplo. Segundo ele, o Brasil é condenado a seis violações em projetos
militares. Uma é pela construção do Centro de Lançamentos de Alcântara
(CLA) em comunidades quilombolas no Maranhão, sem licenciamento
ambiental e sem consulta às comunidades “afetadas”.  

Ele alerta também sobre quatro medidas
preocupantes em andamento segundo as quais preveem a construção
emergencial de hidrelétricas. Um exemplo é a Medida Provisória 558 de
18 de janeiro de 2012 em que prevê redução de unidades protegidas e de
conservação de florestas sob o argumento de desenvolvimento. Segundo
ele, o Ibama aprovou em apenas cinco dias uma minuta de termo de
referência da Eletronorte para construção de uma hidrelétrica em São
Luiz de Tapajós. Na prática, foi aprovado o plano de trabalho
encaminhado para diagnosticar as obras. “Com o ritmo emergencial para
essas obras parece que os direitos são colocados em suspenso”. 

Recursos de inconstitucionalidade –
Tal MP foi questionada pela Procuradoria Geral da República por uma
ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade). O Ministério Público
Federal considerou que as unidades de conservação nas áreas de
hidrelétricas são essenciais para minimizar os impactos ambientais dos
projetos; e argumentou que qualquer discussão sobre a redução dessas
áreas florestais deve ser realizada no Congresso Nacional, a fim de
evitar a edição de uma MP. “O Brasil hoje vive o império das Medidas
Provisórias que impedem a ampla discussão da sociedade. Isso dá uma
ideia de capitalismo autoritário”, disse o antropólogo.

Privatização de terras na Amazônia –
Ele também alerta sobre a privatização das terras públicas na Amazônia
sob o “eufemismo” de regularização fundiária, via o programa Terra
Legal, pela Lei 11.952 de julho de 2009. Encaminhada pela Presidência
da República, a medida prevê privatizar 70 milhões de hectares de
terras públicas, um volume considerável em relação ao total de 850
milhões de hectares de terras que compõem o Brasil, segundo o
antropólogo. Alfredo Wagner alerta sobre a agilidade na titularidade
das terras para grandes propriedades que a MP permite, em detrimento dos
pequenos proprietários.

Inicialmente, a medida foi questionada pelo
Ministério Público por uma ADIN pela justificativa de que ela
estabelece “privilégios injustificáveis” em favor de grileiros que no
passado se beneficiaram de terras públicas e houve concentração de
terras. “Essa MP é tão cruel quanto a Lei de Terras Sarney de 1969”,
disse o antropólogo.

Judicialização do Estado –
Buscando tranquilizar os ânimos da plateia lotada por alunos,
pesquisadores, cientistas, dentre outros – estimada em cerca de 140
pessoas – que temia ser a volta da ditadura militar, o antropólogo
respondeu sobre o atual modelo: “Ele não é igual à ditadura militar”,
respondeu o atribuindo a um “judicialização do Estado” e de “uma coisa
esquisita”. 

Na ocasião, o antropólogo usou a frase de
sociólogos para explicar uma crise: “O velho ainda não morreu e o novo
ainda não nasceu. Mas está havendo uma transformação.”

(Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)