“Droga passava pela fronteira, agora, ela também fica”, diz especialista. Pesquisa foi apresentada na SBPC e analisou 588 cidades
Nos últimos dez anos, as cidades localizadas nas fronteiras brasileiras deixaram de servir apenas como “corredores de drogas” para outras regiões do Brasil e do mundo e começaram a abastecer e alimentar o tráfico de drogas nas próprias cidades fronteriças. Essa é uma das análises preliminares da pesquisa “Segurança Pública nos Municípios de Fronteira”, feita em 588 cidades brasileiras em toda a extensão de fronteira do país, apresentado neste domingo (27) durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A pesquisa iniciou com um pedido do Ministério da Justiça e ainda está em fase de conclusão e os dados levantados só vão ser divulgados na apresentação do relatório final, no dia 31 de agosto. Segundo o doutor em sociologia, Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos coordenadores pela pesquisa, nos últimos dez anos as cidades de fronteira apresentaram um “mercado de varejo” de drogas, situação que não foi encontrada em pesquisas anteriores.
“Antes a droga passava pela fronteira, agora, além de continuar passando, ela também está ficando. Tem um tráfico formiguinha para abastecer só as bocas de fumo dos municípios da fronteira e isso é uma novidade. Estamos comparando com uma outra pesquisa feita em 2000. Hoje, passado dez anos, agora tem um número muito maior”, afirma.
Ele afirma ainda que, segundo dados da Polícia Federal, ocorreu um decréscimo nas apreensões de cocaína a partir de 2010 nas cidades fronteiriças. “A nossa hipótese é essa, se você aumenta muito a apreensão, os traficantes vão mudar de lugar”, analisa Misse.
As altas ocorrências de violências domésticas nas cidades também impressionou os pesquisadores. “Não comparamos com outras cidades, mas é uma frequência grande. Quando você espera que as pessoas digam que aumentou o roubo na região, eles falam que aumentou a violência contra a mulher. Isso é algo que está preocupando bastante”, ressalta o pesquisador.
Mas para ele, mesmo com a presença do tráfico de drogas, não é possível dizer que as cidades de fronteira são mais violentas que em outros locais do país. “Não há muita diferença na criminalidade cotidiana nas cidades de fronteira das outras cidades brasileiras. Todo mundo imaginava que as cidades de fronteira deveriam ter muito mais violência, mas não, é mais ou menos o mesmo padrão do que acontece em outros municípios brasileiros”, pontua Misse.
Região Norte
A pesquisa divide as regiões pesquisadas em três arcos: Norte, Centro e Sul. Para o doutor em Sociologia Daniel Hirata Veloso, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que também participou da pesquisa, a região Norte apresenta uma dificuldade maior na fiscalização devido a grande área de extensão.
“A dimensão que em si é continental e muito difícil de fazer o controle das mercadorias que circulam. Muito mais difícil, por exemplo, que o Arco Sul, que tem uma série de cidades no qual a polícia está presente nos municípios. A distância entre dois municípios [da região Norte] às vezes é do tamanho de estados inteiros, enfim, isso complica a fiscalização. Além da ligação fluvial que também dificulta, porque ela torna mais custosa a compra de equipamentos de fiscalização”, afirma o pesquisador.
Como em muitas cidades há a ausência ou dificuldade da ação policial, a atuação do Exército Brasileiro tem um atuação maior nessa áreas. “O Exército é a única instituição que às vezes pode atuar na área dos delitos transfronteriços. Com o Enafron [Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras] tem um aumento dos investimentos, mas os meios do Exército são ainda muito superiores. O Exército acaba sendo uma instituição com centralidade no Norte maior do que nos outros arcos”, analisa.
A doutora em Sociologia, Marisol de Paula Reis é coordenadora do projeto “Segurança Pública das Fronteira” na regional do Acre. Durante três meses ela fez pesquisa de campo através da Universidade Federal do Acre em 16 cidades de fronteira no estado. Para ela, as fronteiras brasileiras estão vulneráveis em relação ao tráfico e o consumo de drogas.
Marisol afirma que ainda não é possível divulgar os dados oficiais, mas o mapeamento demonstrou um número expressivo de casos de violência doméstica nas acidades acreanas. “Além disso, contrabando de gado, furtos de motos para desmanche e também a questão, que já não é novidade, de uso de entorpecente e tráfico de drogas”, afirma.
(Veriana Ribeiro) –