Os bolsistas monoglotas do Ciência Sem Fronteiras são barrados. Por Thais Paiva
O programa Ciência Sem Fronteiras enfrenta um inimigo difícil de combater a curto prazo: a falta de domínio de língua estrangeira por parte dos brasileiros. Acaba de ser anunciado o retorno antecipado de 110 bolsistas reprovados no teste de proficiência em inglês: 80 estavam no Canadá e 30, na Austrália. Todos faziam parte de um grupo inicialmente inscrito para fazer graduação-sanduíche em Portugal, segundo principal destino dos brasileiros no programa, embora 70% das universidades conveniadas fossem consideradas mais fracas do que as principais instituições nacionais ranqueadas pelo grupo de pesquisa internacional SCImago. O país, porém, deixou de integrar o Ciência Sem Fronteiras em 2013.
A exclusão de outros 1,2 mil bolsistas aumentou as polêmicas do programa, criticado pelo baixo aproveitamento acadêmico dos estudantes, má gestão e desentendimentos entre as iniciativas pública e privada na distribuição das bolsas. Com viagens marcadas para a Espanha, os estudantes foram excluídos, pois não tiveram tempo ou condição de fazer a avaliação de proficiência no Instituto Cervantes, exigência do governo espanhol.
O perfil dos beneficiados é um problema antigo. Desde o início, foram aprovados para estudar na Europa, Estados Unidos, Canadá e Austrália jovens sem fluência na língua inglesa e consequentemente sem condições de acompanhar os cursos nos quais se matricularam. Trazê-los de volta ao Brasil seria um desgaste à imagem do programa e parecia uma opção descartada.
De acordo com a Capes, que lidera o programa ao lado do CNPq, os bolsistas retornam por não atender às exigências mínimas das universidades. “Os requisitos não são homogêneos e variam de acordo com a área do curso, o histórico escolar do aluno e a proficiência no idioma”, afirma a instituição, em nota.
Até então, a solução adotada era fomentar cursos de idioma a distância, no Brasil, e presenciais, no exterior. Nesse último caso, as bolsas se estenderam para até 18 meses, divididos em seis meses para o aperfeiçoamento linguístico e de 12 para as disciplinas acadêmicas e as atividades de estágio recomendadas.
Outro imbróglio é o acordo com o setor privado. Das 26 mil bolsas a serem financiadas por empresas, apenas 5.306 foram realmente concedidas, ou seja, 20% do previsto. O governo implementou 65% de sua meta de 75 mil bolsas. Segundo o CNPq, a Confederação Nacional da Indústria e a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base estão longe de cumprir a sua parte. Somadas, as instituições haviam se comprometido a custear 11 mil bolsas, mas até o momento não homologaram nenhuma.
A maior contribuição individual veio da Federação Brasileira de Bancos, cujo compromisso é a doação de 180,8 milhões de dólares ao programa até 2015, correspondentes a 6,5 mil bolsas de estudo. Segundo Mário Sergio Vasconcelos, diretor de relações institucionais da entidade, o cronograma está em dia. De acordo com o CNPq, possuem também acordos firmados as seguintes empresas: Shell, Statoil, Vale, Hyunday, BG Group, Natura, Petrobras, Posco e Eletrobras.
Estimado em 3,2 bilhões de reais, o Ciência Sem Fronteiras promete até o seu fim em 2015 conceder 101 mil bolsas de graduação-sanduíche, pós-graduação e pesquisa em universidades estrangeiras. Destas, 64% devem ir para a modalidade de graduação. Na opinião do sociólogo Simon Schwartzman, integrante da Academia Brasileira de Ciências, tal meta é incompatível com os objetivos do programa. “A ideia de que precisa haver um intercâmbio para trazer competência e conhecimento é importante, mas o programa está longe de fazer isso. Enviar um aluno de graduação para estudar durante um ano em uma universidade estrangeira não é a maneira mais adequada de se internacionalizar a ciência.”
A crítica é respaldada por depoimentos de alunos beneficiados pelo programa. Para Luiza D’Elia, aluna de Rádio e TV da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a obtenção da bolsa de estudo na Inglaterra na área de Indústria Criativa (não contemplada pelos editais atualmente) foi mais relevante como uma experiência de vida. “A universidade inglesa na qual estudei tinha uma infraestrutura muito boa, laboratórios de ponta. Mas eu achei o nível do ensino e dos alunos fraco”, conta a estudante, que usou o auxílio enviado pelo CNPq (que pode chegar a 1.270 libras, a depender da cidade) para viajar pela Europa e explorar as ofertas culturais de Londres. “Pude conhecer museus, cinemas e musicais. No fim, foi isso que fez valer a pena.”
Para Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o modelo universitário estrangeiro, baseado em menos horas em sala e em mais pesquisas e trabalhos, pode levar a esta impressão equivocada sobre o nível das instituições. “Os alunos aqui são muito paparicados. Não estão acostumados a correr atrás da informação. Outra coisa: se o curso não tem prova, não tem mérito?” Segundo Nader, o Ciência sem Fronteiras evidenciou a deficiência do País em falar uma segunda língua, o que não invalida a sua proposta.
José Celso Freire Filho, coordenador institucional do programa na Unesp, concorda: “Diante da magnitude, da quantidade de alunos e dos objetivos envolvidos, as críticas são irrisórias”. Segundo ele, o projeto revelou a necessidade de o Brasil desenvolver e investir em políticas públicas de capacitação em língua estrangeira. “Um país que deseja se inserir na comunidade global de conhecimento precisa de indivíduos capazes de se comunicar em outras línguas. O programa expôs um problema que as universidades já conheciam, a falta de fluência em um segundo idioma.”
(Thais Paiva/Carta capital) – http://www.cartacapital.com.br/revista/796/o-muro-da-lingua-676.html