Por Janaína Simões
29/4/2012 – A Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) nasceu com um projeto acadêmico que busca inovar o processo de ensino-aprendizagem no nível superior ao adotar a interdisciplinaridade. Embora tenha apenas dois anos de vida, a instituição tem recebido retornos positivos dos alunos quanto ao modelo em implantação, afirmou a diretora do Centro de Formação Interdisciplinar da UFOPA, Fátima Matos.
A professora falou sobre o tema “Interdisciplinaridade e universidade: ensino, pesquisa e extensão” no dia 28 de abril na Reunião Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Trata-se da segunda edição do evento “Educação e Ciência na Amazônia”, que aconteceu no campus avançado da UFOPA em Oriximiná (PA).
“Hoje temos alunos defendendo o modelo UFOPA. Encontro alguns estudantes que já estão nos nossos institutos e que dizem sentir falta [das aulas interdisciplinares] e que querem voltar para as aulas do Centro de Formação”, comentou.
Segundo Fátima, a interdisciplinaridade não nega a disciplinaridade – a divisão por disciplinas –, mas é aplicável quando as abordagens distintas de cada uma das disciplinas não são capazes de trazer respostas para determinados problemas. Também difere da multidisciplinaridade porque, nesse caso, se trata do conhecimento restrito a cada disciplina, em que cada um trabalha dentro da sua perspectiva e área de conhecimento.
A interdisciplinaridade promove o diálogo de diferentes áreas do saber na busca por respostas às questões colocadas. Não se trata de apenas promover a junção de várias disciplinas, mas pensar como as questões podem ser abordadas a partir de diferentes visões, conhecimentos, trazendo o olhar de cada disciplina para a solução de uma questão, produzindo novos conhecimentos. “A multidisciplinaridade não garante a integração em uma nova abordagem. Não focalizará a interseção entre as disciplinas, cada disciplina continua atuando em suas áreas. No caso da interdisciplinaridade, todas atuam numa área comum de interesse”, diferenciou.
O conceito é mais do que a simples adição de disciplinas: é “uma qualidade a ser construída gradualmente pelo diálogo multidisciplinar tendo como foco os problemas”, como definiu a professora. Essa, segundo ela, é a proposta UFOPA. Contudo, ela alertou que trabalhar de forma interdisciplinar é um enorme desafio.
Na pesquisa e atividade de extensão, comentou, é mais comum o trabalho interdisciplinar, especialmente nas redes de pesquisa que agrupam grupos de várias áreas, instituições e locais. Já no ensino o desafio de trabalhar de forma interdisciplinar é muito maior. “Nossos professores são formados de forma disciplinar. Há uma dificuldade de transitar entre uma área e outra, fazer interlocução entre áreas do conhecimento”, destacou.
Ela também afirmou que trabalhar de forma interdisciplinar não significa que o modelo disciplinar tenha de ser abandonado. Essa abordagem metodológica é indicada nos casos em que a metodologia tradicional, por disciplina, não deu conta do processo de aquisição do conhecimento, não bastou para compreensão da complexidade da situação em estudo. Há casos que exigem o trabalho interdisciplinar. “No caso do Pará, da particularidade de estarmos na Amazônia, lidamos com eventos complexos impossíveis de serem compreendidos por uma ciência única. É uma das regiões mais complexas do mundo”, exemplificou.
O projeto UFOPA
A UFOPA oferece atualmente 23 cursos. “[A interdisciplinaridade] é uma construção gradativa, institucional e está no projeto acadêmico, feito por meio de diálogo multidisciplinar dos pares acadêmicos”, comentou. O passo inicial para implementar o projeto acadêmico de base interdisciplinar foi a montagem de equipes multidisciplinares que dialogam em função de temáticas próprias. A universidade trabalha com módulos, definidos por temas que tratam de questões importantes para a sociedade que vive na região amazônica.
Um dos módulos é “Sociedade, natureza e desenvolvimento”. Nele, professores de várias disciplinas, como geógrafos, sociólogos, historiadores, ecólogos e outros, desenvolvem as aulas com os alunos, a partir de temas e perguntas que se tornam projetos de estudo. Outro exemplo é o módulo “Estudos integrativos da Amazônia”, que conta com aulas de biólogos, historiadores, sociólogos e outros. “Os professores que fazem concurso para dar aula nesses módulos são pessoas selecionadas já para implementar o modelo interdisciplinar”, contou.
O currículo de base interdisciplinar é gradual. Começa com as aulas interdisciplinares e caminha em direção às disciplinas específicas do curso escolhido. Os alunos entram na UFOPA por meio das notas do ENEM – não há vestibular. Uma vez aprovado, o estudante é encaminhado ao Centro de Formação Interdisciplinar. Lá ele vai estudar, além dos módulos citados anteriormente, os módulos “Origem e Evolução do Conhecimento”, “Lógica, Linguagem e Comunicação”, e “Seminários Integrados”. São 400 horas de aula nesse primeiro ciclo, totalmente interdisciplinar.
Do Centro de Formação, o aluno vai para um de seus cinco Institutos – de Biodiversidade e Floresta; Ciências e Tecnologias das Águas; Engenharias e Geociências; Ciências da Sociedade; Ciências da Educação. Nessa fase, o aluno está no segundo ciclo de formação interdisciplinar, no qual vai pensar em temas e resolução de problemas específicos do instituto escolhido, mas podendo fazer aulas em outros institutos quando tiver interesse. A instituição permite mobilidade do aluno em termos de currículo.
Completada essa etapa, o estudante parte para a graduação “clássica”, onde o formato é a tradicional divisão por disciplinas, uma marca na constituição das ciências e das universidades. “Buscamos uma capilaridade entre nossos programas, de modo a torná-los flexíveis, o que permite aos alunos adotarem percursos acadêmicos que possibilitam vários níveis de certificação”, afirmou. Por fim, a interdisciplinaridade é retomada na conclusão dos cursos de graduação e também é aplicada nos cursos de pós-graduação.