“Nós não vamos largar esta luta, não vamos desistir”, afirmou Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) durante ato virtual que marcou a Jornada de Mobilização em Defesa da Ciência, realizada nesta terça-feira (23). Esta foi a terceira edição do evento, que teve dezenas de atividades online e presenciais e reuniu representantes de entidades acadêmicas e da área de CT&I para discutir “Quanto vale a Ciência?”. O ato virtual foi transmitido pelo canal da ANPG no YouTube das 14h às 16h.
Organizada por várias entidades, entre elas a SBPC, e coordenada pela Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) e pela Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), a 3a Jornada de Mobilização em Defesa da Ciência objetivou pressionar o governo e os parlamentares pela recomposição do orçamento da CT&I. O movimento visa assegurar que no orçamento de 2022 sejam previstos recursos condizentes com as necessidades do setor. As entidades também reivindicaram a liberação dos R$ 2,7 bilhões que ainda restam do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), hoje a principal fonte de financiamento da pesquisa científica no país, e a recuperação dos R$ 600 milhões destinados à ciência, desviados para outras áreas pelo Ministério da Economia em outubro.
Recomposição do orçamento
O orçamento para 2022 preocupa a comunidade científica porque os valores propostos pelo governo federal para o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) não é suficiente para compensar os cortes realizados nos últimos anos. Para o MCTI, por exemplo, está previsto no PLOA 2022 um orçamento de R$ 9,93 bilhões. Ainda assim, as entidades ligadas à ICTP.br declaram que o sistema precisa de mais recursos para recuperar o funcionamento de universidades, institutos de educação científica e tecnológica, agências de fomento e unidades de pesquisa do MCTI.
“O que nós estamos pedindo é uma recomposição em torno de R$ 6 bilhões, que é 0,02% do orçamento previsto pela União para o ano que vem, é 5% do espaço fiscal que está sendo criado pela PEC dos precatórios, é um terço do que vai ser destinado para as emendas parlamentares. Nós estamos pedindo muito pouco diante do que o setor precisa”, enfatizou Celso Pansera, secretário-executivo da ICTP.br. O acréscimo de R$ 5,98 bilhões reivindicado pelas entidades equivale ao orçamento de 2019, corrigido pela inflação.
Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), destacou a necessidade de um plano de investimentos para reverter o desmonte do setor e conter a fuga de cérebros: “Nós estamos em um ato que é principalmente de resistência da comunidade científica, desse setor muito consciente do papel da ciência para a soberania e para o desenvolvimento brasileiro. E é uma jornada por recursos, é uma batalha para garantir esse orçamento justo”.
Na luta para assegurar recursos para o próximo ano, Janine Ribeiro lembrou que o governo está com duas dívidas com a ciência ainda este ano: o setor ainda tem R$ 2,7 bilhões a receber provenientes do FNDCT, além dos R$ 600 milhões destinados para a ciência que foram desviados para outras áreas em outubro. “Isso mostra que a situação de financiamento da ciência, da pesquisa, do conhecimento no Brasil continua sendo dramática e nós estamos lutando contra isso, e vamos continuar lutando”, afirmou.
Para Helena Nader, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC, o orçamento para a ciência hoje está puído, mas a união da educação e da ciência brasileiras dá força para resistir e vencer pequenas batalhas. A pesquisadora ainda enfatizou que o governo precisa entender a importância das reivindicações dos cientistas: “Não estamos pedindo aumento de salário, estamos pedindo recursos para trabalhar e bolsas para nossos estudantes, que são inferiores ao salário mínimo em algumas situações”.
Os recursos insuficientes para as universidades federais somados aos frequentes cortes orçamentários para a ciência, tecnologia e inovação constituem uma coincidência perversa, aponta Valder Steffen Junior, vice-presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). “Essa coincidência perversa está tendo e terá no futuro consequências muito ruins que nós precisamos recuperar rapidamente”, afirmou. “Também precisamos ter recursos para o fomento. Sem fomento não há como fazer ciência neste país”.
Luta
Esta foi a terceira mobilização da comunidade acadêmica e científica para tentar frear a precarização da pesquisa no Brasil. A 1a. Mobilização em Defesa da Ciência foi realizada pela SBPC no dia 15 de outubro, reunindo entidades para um tuitaço e a mesa-redonda “Cortes no orçamento do MCTI: Qual a solução?”. A 2a. Mobilização aconteceu no dia 26 de outubro, integrando uma série de ações organizadas pela ANPG, com apoio da SBPC e entidades acadêmicas e científicas, também começando com tuitaço pela manhã e seguindo com um misto de atividades presenciais e virtuais ao longo do dia.
Agora em novembro, as entidades se reúnem pela terceira vez contra o desmonte da ciência no país. “É uma luta que nós temos travado nos últimos meses contra o desmonte do sistema de ensino superior, contra o desmonte da ciência brasileira, que agora passa por mais um momento drástico, o momento da definição do orçamento de 2022”, apontou Pansera.
Calé apontou que este é um momento muito importante para a CT&I brasileira, lembrando que foi o avanço da ciência que possibilitou a queda no número de mortes pela covid-19. “É um momento muito importante em que a sociedade reconhece cada vez mais o papel que as universidades têm tido, que os cientistas e os jovens pesquisadores no Brasil têm tido na garantia da saúde pública. E contraditoriamente é um momento em que resistimos ao desmonte da ciência e da educação”.
“Nós não vamos largar esta luta, não vamos desistir. Estamos nos reunindo agora porque está na iminência de ser votado o orçamento da União e nós sabemos que o orçamento para 2022 é insuficiente para as necessidades do conhecimento rigoroso que o Brasil tem que promover para seu próprio desenvolvimento econômico e social”, afirmou Janine Ribeiro.
Como parte da programação, 12 sociedades afiliadas à SBPC realizaram atividades online com o mote da mobilização para mostrar o valor da sua área de atuação para a sociedade em geral. As atividades continuam disponíveis na playlist criada no canal da SBPC no YouTube.
Tuitaço e ato presencial
A 3ª Jornada começou com um tuitaço às 10h com a hashtag #SOSCIÊNCIA, que atingiu o quinto lugar dentre os assuntos mais comentados no Twitter pela manhã. Além dos tuítes pessoais, houve também postagens de entidades das áreas educacional, científica e tecnológica.
Às 11h foi realizada uma manifestação presencial na porta do Ministério da Economia. Uma centena de servidores, pesquisadores, professores e pós-graduandos se reuniu em frente ao prédio do Ministério da Economia para reivindicar a recomposição dos recursos financeiros e humanos do setor de ciência, tecnologia e inovação.
Assista aqui ao ato virtual:
https://www.youtube.com/watch?v=2CmaDP2RSW0
Chris Bueno – Jornal da Ciência