Problemas antigos diante de desafios novos. Especialistas afirmam que é preciso coragem para mudar a universidade brasileira.
“O Brasil não conseguirá crescer no seu PIB (Produto Interno Bruto) se não crescer na Educação”. Com essa afirmação, o professor Jailson Bittencourt de Andrade, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), provocou os outros participantes da mesa redonda “Políticas de Educação Superior para o desenvolvimento Nacional” a começarem o debate realizado nesta quinta-feira (24/07), na 66ª Reunião Anual da SBPC, em Rio Branco, no Acre.
De acordo com Andrade, que coordenou a mesa, a universidade brasileira não está adequada para o redesenho conceitual que está ocorrendo no ensino, pois precisa ter, entre outros aspectos, autonomia, sustentabilidade financeira e saber operar com pesquisa básica aplicada. “As que conseguirem operar assim serão exemplos de sucesso”, resumiu.
Para o professor Abílio Baeta Neves, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o ensino superior parou de investir nas ações de evolução. “Após dez anos, com grandes investimentos no ensino público e privado, é impressionante que nós continuemos com problemas antigos diante de desafios novos”, constatou.
Dados apresentados por ele revelam que o Brasil tem uma taxa de matrícula no ensino superior muito baixa em relação aos outros países da América Latina. “A taxa bruta está em torno de 22 a 23%, enquanto a taxa líquida fica em 15%, aproximadamente. Essa é uma taxa que o País não merece”, disse. O professor Neves também destacou a defasagem de alunos que estão no ensino médio em relação à população da faixa etária correspondente. “Em 2013, apenas 18% da população com 18 anos concluiu o ensino médio”, afirmou.
Neves apontou um fenômeno novo, com o qual os especialistas ainda não sabem como lidar: os conglomerados privados gigantescos que concentram atualmente cerca de um milhão de estudantes no ensino superior. “Quem são esses grupos de investidores? Qual o objetivo deles, além do lucro?”, questionou Neves.
Políticas públicas
Luiz Roberto Liza Curi, do Conselho Nacional de Educação (CNE), explicou que os instrumentos das políticas públicas são estabelecidos pelas ações de avaliação, regulação e supervisão das universidades públicas e particulares. Ele apontou, porém, uma falha nesse sistema. “A avaliação, por exemplo, não faz uma análise ampla da conjuntura, somente avalia o currículo”, ponderou.
Segundo ele, o cenário da política pública é formado por vários atores: o Ministério da Educação (MEC), o CNE, a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), a Comissão Técnica de Acompanhamento da Avaliação (CTAA), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes). “A política existe para medir os interesses desses atores e buscar atingir um consenso”, disse.
Dados do Censo Escolar do Inep/Seres, apresentados por Curi, mostram que o ensino presencial vem perdendo terreno para o ensino a distância (EAD). Em dez anos, enquanto a forma presencial cresceu 72%, a EAD aumentou mais de 2.300%. “Hoje, no Brasil, temos cerca de 1.148 cursos de EAD”, acrescentou.
De acordo com Curi, dos 5.564 municípios brasileiros, 66% não oferecem opções de ensino superior. “A expansão muitas vezes é determinada pelos atores das políticas públicas. Os cursos não chegam onde são necessários, mas onde os atores são mais atuantes. Precisamos ampliar nossos olhares para outras esferas”, afirmou o representante do CNE.
Coragem para mudar
O professor Adalberto Fazzio, da Universidade de São Paulo (USP) demonstrou preocupação quanto à sobrevivência da universidade como ela é hoje. “Se a universidade não estiver preparada para as mudanças, ela não vai sobreviver. Estamos debatendo as mesmas coisas e pouco mudou. A sociedade tenta mudar a universidade, mas se confunde ao exigir dela [ universidade] a solução de todos os problemas”, declarou.
Para Fazzio, o currículo do ensino superior não pode ser pesado, com muitas horas dentro de sala de aula. “Precisamos ter coragem de querer mudar as coisas. Devemos aprender a resolver problemas e não nos ater somente às disciplinas”, provocou.
O caminho da interdisciplinaridade deve ser encarado como uma alternativa, segundo o professor da USP. “Diferentes pessoas disciplinadas interagindo, isso é interdisciplinaridade. A universidade pode ser beneficiada incorporando muito da estratégia e programas interdisciplinares usados pela indústria e laboratórios particulares”, afirmou Fazzio.
Ele apresentou o exemplo da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo, que implantou um projeto pedagógico novo, com cursos de três anos, além de estar organizada em centros e não em departamentos. “As universidades não precisam ser todas iguais. Existem modelos que devem ser olhados. Instituições acadêmicas devem desenvolver políticas e práticas novas que removam barreiras para a pesquisa interdisciplinar e devem incluir programas com a indústria e o governo”, disse.
(Edna Ferreira/Jornal da Ciência)