Candidata a vice-presidência pelo PSB foi à 66ª Reunião Anual da SBPC
De olho no novo mandato presidencial, a partir de janeiro de 2015, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) prepararam um documento com propostas para área de ciência, tecnologia e inovação. A intenção é contribuir para o avanço sócio econômico do País.
O texto foi entregue nesta quinta-feira, 24, à Marina Silva, candidata a vice-presidente na chapa de Eduardo Campos (PSB). Ela compareceu ao “Encontro com presidenciáveis”, evento programado para a 66ª Reunião Anual da SBPC, que se realiza de 22 a 27 deste mês, em Rio Branco, Acre.
A SBPC convidou os três primeiros candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto. Eduardo Campos foi o único que aceitou o convite, mas preferiu permanecer em Recife em razão do enterro de Ariano Suassuna, ocorrido também nesta quinta-feira.
O conjunto de propostas que envolvem “quatro grandes temas” foi entregue à candidata do PSB pela presidente da SBPC, Helena Nader, que mediou o discurso.
Uma das propostas sugere inserir o Brasil na fronteira da produção do conhecimento. Nesse caso, recomenda que o País deve aplicar recursos na ordem de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa, seguindo o modelo de países desenvolvidos.
“Neste século é impossível a criação de bons empregos, o combate à pobreza e o fortalecimento da governabilidade democrática sem a melhoria da educação, o uso intensivo de ciência, a aplicação das tecnologias localmente mais eficientes e a introdução do conceito de inovação em toda a comunidade”, destaca o documento.
Outro ponto defendido pelos cientistas é a possibilidade de agregar valor aos produtos destinados à exportação, hoje pautados basicamente pela matéria-prima.
“A transição para uma economia que contemple valor agregado e alta intensidade tecnológica deve alterar o perfil da exportação brasileira, hoje predominantemente de matéria-prima”, diz o documento.
Desenvolvimento sustentável
A terceira proposta recomenda o investimento na bioeconomia e na conservação e uso sustentável dos biomas nacionais. “As crises de alimentação, energética, hidráulica ambiental que afetam crescentemente o planeta oferecem novas oportunidades para redimensionamento do papel do Brasil”, diz o documento.
Para a SBPC e a ABC, o Brasil poderá se tornar ator importante no enfrentamento dessas crises, contribuindo com uma nova matriz energética, com o fornecimento de alimentos, com a diminuição do aquecimento global e com a manutenção das bacias hidrográficas, cruciais nas crises da água, da energia e dos alimentos que prenunciam.
O documento aponta a necessidade de uma participação real da comunidade científica no debate da política voltada para o orçamento da ciência, tecnologia e inovação. A ideia é monitorar, por exemplo, as bases de cálculo e os recursos efetivamente repassados aos órgãos de ciência, tecnologia e inovação.
Os cientistas recomendam também uma revolução na educação. “A valorização e a qualificação do professor de educação básica são fundamentais para o desenvolvimento do País. Segundo o documento, é preciso investir na qualidade da educação pública desde a pré-infância.
Helena acrescentou ainda a necessidade de esclarecer a complexa relação que existe na pesquisa básica. Nesse caso, citou o caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira a palavra “básica” de artigos da Constituição Federal.
“Imaginar que a política de ciência, tecnologia deva se concentrar nas áreas de aplicação industrial inovativa é desconhecer o papel seminal da pesquisa básica. Isso é um grave equívoco que compromete o desenvolvimento científico e tecnológico.”
Os cientistas querem também atenção para desigualdade social e econômica regional investindo em ciência, tecnologia e inovação, meio ambiente, saúde, educação e em instrumentos de dimensões de inovação social na tentativa de “corrigir esse grave desequilíbrio de nosso desenvolvimento”.
“Não adianta um país continental ter excelência em educação e ciência em algumas poucas regiões. Por isso, outra batalha é pela produção de conhecimento e implementação de laboratórios em todo o país.”
Promessas de investimentos
Por sua vez, Marina Silva afirmou que as propostas do partido descartam corte de recursos para ciência, tecnologia e inovação. Falou, aliás, sobre a possibilidade de ampliar os recursos para essas áreas. Não quis, porém, assumir o compromisso de elevar para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) o percentual de investimento em ciência, tecnologia e inovação.
“Ainda não temos uma posição fechada sobre isso, diante da grande quantidade de recursos carimbados no Orçamento da União, como os 10% para Saúde”, disse Marina.
A candidata fez questão de apontar a perda de recursos da área de ciência, tecnologia e inovação no governo Dilma Roussef. “Chegamos em 2010 com 1,2% do PIB e agora estamos com 1,1%.”
Patrimônio Genético
Ao responder perguntas da plateia sobre o acesso ao patrimônio genético, Marina afirmou que “o Brasil se perdeu durante muito tempo no debate sobre a regulamentação do acesso” aos recursos naturais da biodiversidade brasileira.
Discorrendo sobre sua experiência como titular do Ministério do Meio Ambiente, a ex-ministra disse ter sido dela a primeira iniciativa para criar lei do acesso aos recursos do patrimônio genético. Lembrou, porém, que o projeto “acabou sendo atropelado”no Congresso Nacional por medida provisória, não atendendo às necessidades das comunidades tradicionais e nem das pesquisas que ainda enfrentam insegurança jurídica.
A intenção de Marina é resgatar o projeto debatido com a comunidade científica, o qual prevê a justiça de partilha entre as três partes envolvidas: comunidades tradicionais, empresas e pesquisadores. “É preciso ter um regramento que assegure a justa partilha de benefícios daquilo que deve ter partilha de benefícios”.
Uso de animais em pesquisas
Marina respondeu também sobre o uso de animais em pesquisas científicas e defendeu as regras de protocolos internacionais. “Em alguns casos, é possível substituir animais por métodos alternativos, mas, em casos impossíveis, cabe seguir os mais rigorosos protocolos de pesquisa com animais. Não se pode deixar a mercê da própria sorte o cuidado com a proteção dos animais que são indefesos.”
Marina disse também que consta da proposta da chapa a discussão da reforma tributária prevendo incentivos para a área científica e tecnológica e empreendedorismo. Na reforma tributária, disse que a chapa do PSB à Presidência está trabalhando com três pontos fundamentais. Um é o princípio da justiça tributária, uma vez que a carga tributária recai sobre aqueles menos favorecidos economicamente. “Hoje existem isenções para comprar um iate, mas não se tem para comprar uma bicicleta para trabalhar.”
Outro ponto é o princípio da transparência tributária. Ou seja, monitorar o perfil de quem paga os impostos e permitir o contribuinte acompanhar o retorno dos tributos pagos em bens e serviços para melhorar a qualidade de vida.
Outro eixo é a simplificação tributária para reduzir a morosidade das empresas no pagamento de impostos.
Também há o compromisso de não aumentar a carga tributária. “Ainda não temos uma proposta de reforma tributária, temos por enquanto os eixos que orientam essa reforma.”
Conjuntura econômica
Marina aproveitou o momento para falar da atual conjuntura econômica e considerou “fundamental” o Brasil retomar sua confiança na capacidade de investimentos em todos os aspectos, inclusive do setor privado em pesquisa e desenvolvimento (P&D). “Quando temos uma economia com a ameaça de volta da inflação e juros altos numa situação de total instabilidade isso traz dificuldade para o investidor”, disse.
Marina avalia que para ampliar os investimentos, o País precisa recuperar a confiança na “nossa capacidade de crescimento sustentável em todos os aspectos”, que segundo ela, está profundamente ameaçado. “Estamos em uma situação em que o governo pode entregar o País em situação pior do que encontrou.”
Em seu discurso, Marina elogiou a decisão da SBPC de realizar o debate sobre pesquisa, ciência, tecnologia e inovação no coração da Amazônia, que contém 86% da água doce do Brasil. Se sentindo em casa, Marina disse que a Amazônia é uma região estrategicamente importante. “Somos uma potência hídrica.”
Ela também falou da importância do conhecimento científico e tecnológico. “Não há discussão que se possa fazer sobre desenvolvimento social e cultural das diferentes sociedades sem considerar a educação, a ciência e o conhecimento que transformar as vantagens que temos em meios de melhor qualidade de vida.” Nesse caso, elogiou a programação da SBPC Indígena e SBPC Extrativista. Para Marina “a Ciência se enriquece com esse diálogo e as comunidades tradicionais ganham muito quando existe esse contato respeitoso.”
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)