“Se não investirmos na pesquisa nunca sairemos da crise”, disse Marcelo Morales, novo membro titular da Academia Nacional de Medicina, na 68ª Reunião Anual da SBPC, em Porto Seguro (BA)
Apesar do avanço da produção científica nos últimos anos, a ciência nacional pode retroceder dez anos se o fomento à pesquisa não for mantido neste momento de crise econômica. O alerta é de Marcelo Morales, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em palestra realizada nesta quinta-feira, 07, na 68ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que se realiza até amanhã, 09, em Porto Seguro (BA).
Novo membro titular da Academia Nacional de Medicina, Morales afirmou que a falta de recursos prejudica toda a ciência nacional. “A nossa produção de doutores também está sendo impactada, bem como a produção da ciência nacional”, lamentou Morales, ex-coordenador do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e que falou sobre o tema “Experimentação Animal e sociedade: conflitos e interesses”, no maior encontro científico da América Latina.
Para Morales, a crise de recursos prejudica tanto as pesquisas de experimentação animal como a pesquisa com métodos alternativos – utilizados para substituir os animais nas pesquisas clínicas, essenciais nos testes para o desenvolvimento de fármacos, vacinas e de outros produtos para população.
A pesquisa não pode parar
Na avaliação do especialista, se a pesquisa não avançar, dificilmente o País terá desenvolvimento. “Se não investirmos na pesquisa científica nunca sairemos da crise. A ciência não pode parar, a pesquisa precisa ter continuidade”, opinou.
Conforme destacou Morales, a produção brasileira evoluiu para 13ª posição mundial e hoje responde por mais de 50% da produção científica da América Latina, apesar dos parcos investimentos na ciência, tecnologia e inovação, na ordem de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) – abaixo dos patamares internacional. Segundo mencionou, na Finlândia os recursos representam 3,5% do PIB no setor, enquanto nos Estados Unidos (EUA), 2,8%; e na China, 2,5%.
Já a área de experimentação animal, segundo Morales, cresceu mesmo diante da falta de regras claras sobre os testes com animais (a Lei Arouca foi aprovada em 2008). Também mencionou a evolução dos métodos alternativos, sobretudo pela criação da Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama), que apoia projetos de pesquisas contemplando a aquisição e manutenção do animal no biotério.
O professor da UFRJ mencionou que o uso de animais ainda é imprescindível nos testes in vivo e que são utilizados cerca de 3 milhões de animais por ano nas pesquisas, a maioria (90%) são ratos e camundongos. Acrescentou, porém, que os animais devem ser utilizados somente quando não houver nenhum método alternativo que possa os substituir nos experimentos – seguindo as orientações da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUAs).
Conflitos de interesses produtivos
Morales discorreu sobre os conflitos que existem na experimentação de animais pelos cientistas e estudantes, motivados principalmente pelos ativistas defensores dos animais, e disse que as polêmicas trouxeram reflexão para o segmento.
“O conflito levou a uma forma de se pensar a experimentação animal. O conflito em relação à discussão sobre a Lei Arouca, por exemplo, levou os pesquisadores a refletir e também fez com que os ativistas refletissem sobre a necessidade da ciência”, ponderou.
Morales destacou, porém, a necessidade de fazer vigilância às decisões do Congresso Nacional no que se refere a projetos de lei, em tramitação. Segundo disse, os parlamentares precisam ser alertados sobre eventuais impactos negativos nas pesquisas com animais. Exemplo disso é o projeto de lei em tramitação no Senado Federal nº 39/2015, oriundo da Câmara dos Deputados, para o qual a SBPC e Academia Brasileira de Ciências já encaminharam carta alertando sobre impactos negativos da proposta sobre a legislação em vigor.
“Precisamos sempre entrar em um conflito produtivo para que possamos chegar a um meio termo, a uma explicação e a uma razoabilidade das decisões, porque o Congresso Nacional tem de saber o que está fazendo e avaliar o impacto na saúde da população, na pesquisa e na soberania nacional”.
Morales lembrou que um dos principais conflitos enfrentados pelos cientistas foi a invasão de ativistas ao Instituto Royal, quando foram destruídos mais de R$ 10 milhões em pesquisa científica, destruídos equipamentos que usariam moléculas do começo ao fim.
Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência