“A lei precisa ser simples e autoexplicativa
para que seja possível aproveitar o potencial da nossa biodiversidade”,
defende Vanderlan Bolzani, professora titular do Departamento de Química
Orgânica da Unesp e vice-presidente da SBPC, em mesa redonda da 68ª Reunião
Anual da SBPC
O decreto que regulamenta a Lei
da Biodiversidade (Lei 13.123/2015), publicado há dois meses, é um tiro no pé
da nova geração de cientistas de química verde, porque engessa as pesquisas e
gera insegurança jurídica ao acesso ao patrimônio genético da natureza. Esse é
o consenso de pesquisadores que falaram sobre o tema “Lei da Biodiversidade,
regulamentação e impactos” – na 68ª Reunião Anual da SBPC, realizada no
campus de Porto Seguro (BA) da UFSB, na semana passada, de 03 a 09 de julho.
A pesquisadora Vanderlan Bolzani,
professora titular do Departamento de Química Orgânica da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), considerou o texto da regulamentação complexo e denso e disse
que o decreto é um estímulo à judicialização à pesquisa sobre o patrimônio
genético da biodiversidade. Embora uma lei seja criada para proteger as
pessoas, a cientista, que é também vice-presidente da SBPC, disse que essa
legislação é um instrumento que gera insegurança ao pesquisador.
De acordo com o decreto, as multas
podem variar de mil a R$ 100 mil, quando a infração for cometida por pessoa, e
de R$ 10 mil a R$ 10 milhões, quando a infração for cometida por pessoa
jurídica “ou com seu concurso.”
“A impressão que dá é de que
o Estado quer ganhar dinheiro com a punição de seus cidadãos, dos cientistas e
de quem vai acessar o conhecimento da biodiversidade, em vez de investir para
que o País tenha mais conhecimento, inovação e novos produtos, e com isso se
tenha riqueza, principalmente emprego”, criticou.
Na avaliação de Bolzani, os
pesquisadores só conseguirão utilizar a Lei mediante a consultoria de
advogados. “A lei precisa ser simples e autoexplicativa para que seja possível
aproveitar o potencial da nossa biodiversidade”, declarou. “Não precisamos
de tanto engessamento legal, precisamos de agilidade e de inteligência para que
o País avance”, alertou.
Segundo Bolzani, o decreto vai
acabar com o conhecimento sobre a química verde natural no País. “O Brasil se
projetou mundialmente como um país que tem um corpo de cientistas da química de
produtos naturais de altíssimo nível. Mas o decreto desestimula a pesquisa dos
jovens cientistas sobre a biodiversidade, um instrumento valioso de pesquisa,
tanto para a química como para a biologia”, disse e acrescentou. “Damos
20 passos para frente e 15 para trás, 30 para frente e 25 para trás”,
criticou.
Perda de competitividade
Para ela, o País perde o
“bonde” da histórica por deixar de criar um ambiente que possa
estimular as pesquisas. Ela lembrou que a maioria das patentes na Amazônia é de
produtos eletroeletrônicos e que seriam necessários muitos estudos nacionais
para explorar o patrimônio genético da biodiversidade brasileira, que se mantém
como a mola propulsora da indústria farmacêutica, principalmente. “A
pesquisa é essencial para que possamos entender nossos ecossistemas e como
funciona a biodiversidade e os organismos.”
Bolzani alertou que a riqueza da
Amazônia não é exclusiva do Brasil e disse que existem muitas patentes mundiais
com plantas da região. Citou o exemplo da França que possui um instituto de
pesquisa na Guiana Francesa, onde paga 40% a mais aos pesquisadores que
trabalham lá. “Vivemos em um mundo globalizado e estamos perdendo
competitividade, cada vez mais, porque aqui não se estimula o setor
industrial”, declarou.
Especialista da Fiocruz critica
sistema
A coordenadora de gestão
tecnológica da vice-presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Maria
Celeste Emerick, que se autodenomina cientista social e missionária em defesa
do desenvolvimento do País, disse que transformar conhecimento em produto no
Brasil é de extrema dificuldade. Segundo ela, o sistema de inovação é imaturo e
engessado.
Para ela, seria necessário
“muito azeite” para destravá-lo. Nesse caso, citou um conjunto de
leis – a de Propriedade Intelectual, de Biossegurança, Bioética, Inovação e a
da Biodiversidade.
Emerick discorreu sobre os
problemas que travam as pesquisas sobre o patrimônio genético há décadas e
disse que a atual lei impede até mesmo os avanços sobre o vírus zika, porque
inviabiliza o envio de dados ao exterior. “É um descaminho, se
considerarmos o tempo em que se vem discutindo o assunto”, declarou ao
mencionar a Medida Provisória nº 2.186-16, de 2001 que travou as pesquisas por
15 anos.
A coordenadora do Laboratório de
Farmacognosia da Universidade de Brasília (UnB), Laila Salmen Espíndola,
conselheira da SBPC, do lado da plateia, concordou com a complexidade do
decreto e ampliou o quórum contrário à legislação. “Normalmente, um decreto
deve ajudar a esclarecer alguns pontos da lei, orientar. O objetivo de todo
trabalho que fazemos sobre a biodiversidade, além do conhecimento científico, é
transformar pesquisa em produto, para beneficiar o País. Mas o decreto vai
parar o País”, analisou.
Já a secretária-geral da SBPC,
Claudia Masini d’Avila-Levy, pesquisadora da Fiocruz, mediou a palestra e
destacou ser necessário destravar a legislação, considerando que o
desenvolvimento econômico passa pelo desenvolvimento científico. “A SBPC
discorda do decreto e as contribuições mais importantes não foram
contempladas”, destacou.
Posicionamento do Ministério do
Meio Ambiente
Em outra frente, a representante
do Ministério do Meio Ambiente, a bióloga Letícia Brino, defendeu os
avanços da lei, e pediu para que os pesquisadores se inteirem sobre a lei
“antes de querer jogar o decreto fora”. “Talvez ele seja muito
extenso. Mas é preciso se inteirar sobre ele. A comunidade científica se
retirar neste momento será um erro muito grande”, disse.
Viviane Monteiro – Jornal da
Ciência