Na era da superprodução de informações, a avalanche de novidades instantâneas que brotam das telas às vezes não deixa tempo para olhar o passado, e entender como foi o caminho que nos trouxe até aqui. Neste caso, nada melhor do que o saudável registro das datas comemorativas, pois elas ajudam a colocar os fatos em perspectiva. Num universo de sociedades científicas centenárias em tantos outros países, celebrar, neste mês, os 70 anos da jovem Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) tem hoje um significado muito maior e uma missão capital, embora de difícil articulação: a de retomar o passado para nos orientar neste momento sombrio em que vivem a educação, a ciência e a tecnologia no Brasil. Uma missão que extrapola o território acadêmico onde crescemos, sem muitas vezes nos dar conta da dimensão dos desafios do mundo – um verdadeiro laboratório de pesquisa, cheio de vitalidade para quem acredita que educação e conhecimento mudam o destino das pessoas!
Uma constatação óbvia desse olhar é que podemos identificar, ao longo de pelo menos 70 anos, um fio condutor que acompanha o difícil aprendizado de uma nação com o nosso histórico de colonização e subdesenvolvimento. Esse aprendizado tem como projeto maior a construção de uma base robusta e vigorosa de conhecimentos essenciais ao desenvolvimento tecnológico sustentável do País por meio do único instrumento possível para isso, qual seja a transformação de conhecimento em riquezas. Vale ressaltar que ao longo destes 70 anos muita pesquisa foi realizada e transformada em inovação. O Brasil colonial do passado é hoje a 8ª economia mundial. Não obstante os avanços científicos e tecnológicos construídos e consolidados em várias áreas, eles têm passado despercebidos por grande parte da sociedade brasileira e até políticos na conjuntura atual. E aqui pode-se pensar em várias razões para explicar isso. Uma delas, sem dúvida, é a prática sistemática de ignorar o passado. Um passado não tão remoto, quando o Brasil importava quase tudo. De alimentos a vacinas, não sabia explorar suas jazidas de petróleo no mar, nem tinha combustível de matriz renovável, nem uma indústria de alta tecnologia para produção de avião. Os 70 anos da SBPC testemunha agora a venda de 80% da Embraer para a Boeing, um fato presente que nos afasta ainda mais dos países detentores de alta tecnologia. Certamente não teremos muito a contar deste setor no futuro.
A vida diária dos atores envolvidos deste trópico – integrantes de governos, universidades, institutos de pesquisa, empresas, agências de fomento etc. -, sempre foi cheia de obstáculos, frustrações, erros de percurso e conflitos de interesses. Um processo tortuoso, mesmo com um país detentor de uma riqueza material incrível. Talvez seja a hora de perguntar, com esforço reflexivo, o que se aprendeu com os erros e com a experiência. E como isso pode nos ajudar a enfrentar a visão retrógrada de governantes que decidem nos levar de volta ao passado.
As etapas desse processo são bem sintetizadas e vistas na cobertura jornalística feita pelos veículos da SBPC nas últimas décadas. Lá estão os embates por mais recursos para CT&I, as inúmeras propostas e programas redigidas por muitos especialistas em áreas estratégicas para o desenvolvimento do País e as críticas sobre as políticas de governo descompromissadas com um sistema de educação, ciência e tecnologia digno de um Estado do tamanho do Brasil. Recuperar as atas das inúmeras reuniões de diretoria, conselho, sociedades associadas, ou as pautas das reuniões anuais da SBPC, também poderia ser um exercício salutar para identificar avanços e retrocessos, uma forma de conectar passado e presente com um olhar firme no futuro. É com esse passado e presente, feito de fatos, números e dados concretos que temos que entender nossa realidade atual, especialmente a de 2018 e de como os fatos e os acontecimentos de hoje podem modular os próximos anos, de forma perene, sem retrocessos.
Desembocamos em um momento no qual resgatar a memória torna-se uma necessidade premente. Uma mudança do presente é uma necessidade imperativa, porque quando jovens ignoram o que significa a perda de direitos fundamentais do homem e se sentem atraídos pelas boçalidades de plantão, como solução mágica para um mundo complexo e cada vez mais exigente de inteligência e conhecimento científico, o futuro fica ameaçado por quem tem o dever de torná-lo sustentável neste presente e para as próximas gerações.
A comemoração dos 70 anos da SBPC ocorre em um momento difícil e assinala a importância desta setentona no cenário nacional e de sua luta, que é a de todos nós, de se resgatar essa história e arquitetar um novo futuro.
Sobre a autora:
Vanderlan Bolzani é vice-presidente da SBPC e da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e professora titular do Instituto de Química da Unesp/Araraquara