“A condenação de cientistas pode reforçar discursos de negação e antagonismo à Ciência”, defende diretor da SBPC em audiência no Senado Federal

Em programação da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) para debater projeto de lei que criminaliza má condutas científicas, Samuel Goldenberg ressaltou a importância do debate, mas alertou sobre medidas autoritárias

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A Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado Federal discutiu em audiência pública o projeto de lei (PL) nº 330/2022, que criminaliza práticas de má conduta científica em pesquisas, como falsificação de dados, manipulação de resultados e ocultação de informações a voluntários. Para as entidades da comunidade científica e do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação presentes, o debate é válido, mas o PL, como está redigido, dá abertura para medidas autoritárias. Todas as falas foram contrárias à criminalização da atividade científica pelo PL 330/2022.

O projeto de lei nasceu após uma denúncia do Conep (Comissão Nacional de Ética e Pesquisa) à Procuradoria Geral da República (PGR) em 2021 sobre um estudo realizado no Amazonas com a substância proxalutamida, que ocasionou cerca de 200 mortes.

Para o diretor da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Samuel Goldenberg, é lamentável este caso, mas é importante ressaltar que se tratou de um estudo privado que ignorou diversas recomendações médicas de autoridades nacionais.

“É de triste lembrança mencionar que muitas pessoas receberam medicamentos sem respaldo científico para seu uso, como ficou evidente na CPI da Covid conduzida por este parlamento. Importa destacar que o médico responsável pelo estudo a que se refere a justificativa do PL foi patrocinado por um laboratório interessado na droga e não atuou vinculado a nenhuma instituição pública”, destacou.

Goldenberg ressaltou a importância do debate, que tem mobilizado ações dentro do meio acadêmico, com mudanças significativas em políticas internas de universidades e centros de pesquisa, além da criação de Comitês de Integridade em Pesquisa.

“Dentro da comunidade científica, nas agências de fomento e nas instituições de pesquisa, existem mecanismos sólidos capazes de detectar e punir fraudes. Esses mecanismos podem levar ao cancelamento dos recursos investidos, à demissão do infrator, sem contar o reconhecimento negativo dos responsáveis pelos pares.”

O diretor da SBPC também afirmou que o Brasil viveu um período recente de descredibilização à Ciência durante a pandemia da covid-19 e que este tipo de condenação dá abertura a novas medidas negacionistas. “A condenação de cientistas, além de contribuir para a distorção do debate público, pode reforçar discursos de negação e antagonismo à própria ciência.”

Para a presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC, Helena Nader, o projeto de lei pode gerar censura e medo a pesquisadores, o que afetaria o desenvolvimento de estudos.

“Gostaria de registrar a minha preocupação em relação ao projeto de lei nº 330/2022, que propõe criminalizar a má conduta científica, estabelecendo pena de prisão de três a cinco anos e multas para pesquisadores que violem protocolos, manipulem dados ou apresentem seletivamente resultados. A motivação do projeto é legítima: episódios graves como o da proxalutamida no Amazonas mostraram falhas sérias no cumprimento de protocolos de pesquisa e impactaram a vida de centenas de pessoas. Esses casos precisam, sim, de investigação rigorosa e responsabilização, mas, no nosso entender, a solução apresentada pelo PL não é a mais adequada e nem a mais eficaz. A Ciência é uma atividade baseada em incertezas: hipóteses são testadas, resultados podem divergir, análises estatísticas podem ser interpretadas de diferentes formas. Erros metodológicos ou discordâncias entre grupos não podem ser tratados como crimes. O risco é criminalizar a própria prática científica, inibindo a inovação e a criatividade.”

A senadora Teresa Leitão (PT-PE), que presidiu a sessão, ressaltou a importância de se trazer membros da comunidade científica para dimensionar o debate. “Nós solicitamos esta audiência pública dada a complexidade do projeto em pauta. Além de mexer com uma lei do século passado, de 1940, traz alguns componentes que precisam de reflexão e de um olhar de quem está nas instituições representando a Ciência. Quando a gente tem um projeto assim, polêmico, complexo e de ampla abrangência, a gente procura instruí-lo ouvindo a sociedade, compilando esses diversos olhares para que a gente possa ter um parecer mais tranquilo e consistente, que contribua para a gente avançar.”

Assim como Goldenberg, Leitão também apontou o período negacionista vivido pelo Brasil, que exige preocupações maiores sobre a Ciência. “Isso trouxe prejuízos ao próprio conceito de ciência no Brasil. Não podemos negar o trabalho que essas instituições fazem, que têm produzido positivamente para o País.”

Entidades federais também condenam projeto de lei

Representantes de diferentes instituições federais também lamentaram o projeto de lei. Para o Secretário de Políticas e Programas Estratégicos Substituto do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Osvaldo Luiz Leal de Moraes, o PL desconsidera um ecossistema e preocupações já presentes em quem faz ciência.

“Não podemos esquecer que nós somos financiados no Brasil principalmente com recursos públicos. Então, ser transparente e ser responsável com os recursos que nos financiam é essencial. Portanto, a ética é uma coisa intrínseca para nós.”

Já o presidente substituto do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), Olival Freire Junior, citou a Comissão de Integridade da Atividade Científica que a instituição possui e o desenvolvimento contínuo de soluções para este tema.

“Não é nenhuma novidade que a própria comunidade científica e a sociedade, representada por seus órgãos legislativos, se preocupem com a questão dos procedimentos éticos, mesmo porque esses procedimentos têm evoluído historicamente.”

Presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Denise Pires de Carvalho, também mostrou preocupação sobre as possíveis criminalizações que o projeto de lei possa gerar.

“Me preocupa muito um projeto de lei que criminaliza os cientistas e a Ciência num País que é referência mundial em integridade científica, porque [com ele] nós podemos ter aqui exemplos de perseguição de cientistas.”

Confira a audiência completa no canal do Senado Federal do YouTube.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência