No início de outubro, enquanto o furacão Milton devastava a área central da Flórida deixando um rastro de destruição, os meteorologistas que acompanharam o avanço do fenômeno e avisaram as autoridades do perigo que representava, recebiam duros ataques. Mais que criticados, eles foram alvo de teorias conspiratórias e até ameaças de morte.
Katie Nickolaou, meteorologista residente em Michigan, disse ao jornal inglês The Guardian que ela e seus colegas receberam mensagens afirmando que existem furacões de categoria 6 (não existem), que os meteorologistas ou o governo estariam criando e direcionando furacões e até mesmo que cientistas deveriam ser mortos e equipamentos de radar demolidos.
“Nunca vi uma tempestade acumular tanta desinformação, temos apagado informações erradas em todos os lugares”, disse Nickolaou.
A ciência já demonstrou que o aquecimento da Terra em mais de 1,5ºC – o que já foi atingido – aumentou em cerca de 40% o potencial destrutivo dos furacões. Mas o mais curioso nesse caso da ameaça aos meteorologistas, conforme observou a publicação, é que as pessoas atribuíam aos seres humanos poderes que eles não têm – de provocar um furacão –, mas ao mesmo tempo, negam a influência das ações humanas no aquecimento global que provoca as mudanças climáticas.
A desinformação em questões climáticas é sistêmica e está ganhando cada vez mais atores por ter se tornado um negócio lucrativo, alerta Rose Marie Santini, professora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
“O problema é velho, mas o fenômeno é novo, porque a mediação mudou, a escala mudou e os atores por trás também mudaram”, afirma Santini, referindo-se ao ganho exponencial da desinformação com a internet e as redes sociais.
Fundadora e diretora do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ (NetLab), que reúne pesquisadores do campo da desinformação, Santini explica que as campanhas negacionistas em outros momentos históricos eram utilizadas como instrumento político, em guerras entre países. Hoje, ao tornarem-se um negócio lucrativo, atraíram esses novos atores, entre os quais se destacam as próprias plataformas de redes sociais e seus proprietários bilionários, como Elon Musk, dono do X, políticos, empresários de uma parte do agronegócio e personalidades internacionais, que se somam aos já conhecidos setores produtores de petróleo, gás e agrotóxicos.
O fato de a desinformação ter se tornado uma indústria, um “business”, complica seu combate, pois indivíduos com grande poder político e financeiro “compram” uma legião de trabalhadores freelancers que atuam na produção de conteúdo para falsificar a popularidade de alguns produtos e mensagens. “É o equivalente àquelas empresas que pagam pessoas para ficarem na fila”, compara a fundadora do NetLab. “As pessoas contratadas ficam clicando, dando likes, compartilhando conteúdo para dar uma impressão de que algo é muito mais importante, muito mais relevante, que representa mais a opinião pública do que realmente representa”, completa. Ela vê nesse “mercado” – que para além do desserviço à verdade, é precário com seus trabalhadores – um dos atores mais importantes na manipulação do debate público.
Em defesa de seus interesses econômicos e políticos, aqueles atores se colocam em apoio aos negacionistas e/ou financiamento de cientistas dispostos a emprestar base científica a produtos e técnicas que devastam o meio ambiente.
O “poder de fogo” destes atores chega às raias da violência. Em 2023, pelo menos 196 ativistas ambientais foram assassinadas em todo o mundo por defenderem o direito à terra e ao meio ambiente saudável, segundo um relatório divulgado em setembro pela ONG Global Witness, sediada no Reino Unido. A Colômbia foi o país que registrou mais violência do tipo, com 79 mortes; e o Brasil aparece na sequência, com 25.
Em meio ao agravamento da crise climática, o que se vê é um oceano de mentiras, boatos e informações distorcidas, como aconteceu durante as tragédias que se abateram sobre o Rio Grande do Sul, que teve a maior enchente de sua história em maio, e a seca catastrófica que esvaziou os grandes rios amazonenses. Para Santini, é preciso preparar-se para o pior.
“Acho que o que cada vez mais vai acontecer é que as crises ambientais vão vir junto com uma crise informacional, elas não vão estar mais separadas”, afirma. Ela prevê uma grande dificuldade para os gestores ambientais em lidar com esta dupla crise tendo que, ao mesmo tempo, implementar políticas, organizar comitês de crise, tomar decisões.
Na visão desta especialista, são necessários a regulação das redes sociais e o fortalecimento do ecossistema informacional sério – as mídia tradicional e alternativa que estão na linha de frente do combate ao negacionismo climático.
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Janes Rocha – Jornal da Ciência