Caso medidas urgentes para mitigar as mudanças climáticas e conter o desmatamento não sejam tomadas, a degradação da floresta amazônica poderá atingir um ponto de não-retorno (“tipping point”) até 2050. Essa é a principal mensagem de um estudo produzido ao longo de três anos por 24 pesquisadores, que resultou no artigo intitulado “Transições críticas no sistema da Floresta Amazônica” (“Critical transitions in the Amazon forest system”).
Publicado em fevereiro, o estudo teve grande repercussão, chegando à capa da respeitada revista britânica Nature, o que levou a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) a promover um encontro virtual na sexta-feira, 1º de março, com dois dos pesquisadores brasileiros que participaram do estudo e outros cientistas renomados do País no debate.
“Amazônia em Colapso?” foi o título do webnário organizado e apresentado pelo físico Paulo Artaxo, coordenador do Centro de Estudos Amazônia Sustentável da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da SBPC e que contou com a participação do presidente da entidade, Renato Janine Ribeiro.
Dois dos autores do estudo, Marina Hirota e Bernardo Flores, ambos do Programa de Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destacaram dados que comprovam a fragilidade do ecossistema amazônico diante do aquecimento global que tem provocado secas severas e esvaziado grandes rios como o Negro, imagem que foi amplamente divulgada no fim do ano passado.
“A combinação de secas e altas temperaturas na região é sem precedentes e não se sabe como a floresta vai reagir”, afirmou Flores, lembrando que a situação é agravada pela abertura de estradas cortando a região que promovem o desmatamento ilegal. “Há possibilidade de um colapso sistêmico, de grande parte da Amazônia ou possivelmente quase a totalidade dela desaparecer ou se transformar em outro ecossistema. Quanto mais perdemos da Amazônia, mais podemos perder”, disse o autor, referindo-se a um círculo vicioso de destruição.
“A estação seca está ficando mais prolongada, prolongando o estresse das formas de vida (plantas e animais). á um aumento da tendência de seca, levando à maior mortalidade de espécies”, completou Marina Hirota. Ela acrescentou evidências de que mudanças no ciclo de água têm impacto na estrutura da biodiversidade como um todo.
“Vamos pagar para ver (o colapso total da floresta)? Com todas as informações que temos, acho que já estamos pagando pra ver”, afirmou a pesquisadora. “Minha opinião pessoal é que não vale (pagar para ver), mas depende das nossas opções pessoais de consumo, de voto e o que a gente quer para nosso país”, concluiu Hirota.
“Gostaria de chamar a atenção para a urgência (no combate ao desmatamento), porque as comunidades que vivem na Amazônia já estão sentindo os efeitos”, acrescentou Flávia Costa, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inp) e coordenadora do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD) Amazônia. Para ela, as ações necessárias para preservar a floresta envolvem múltiplos níveis de governo e precisam começar já, uma vez que a próxima estação seca será daqui menos de seis meses.
Costa, que estuda o impacto do clima na vegetação, informou que até o fim do século passado foram registradas sete secas extremas na Amazônia, ao longo de 100 anos. Neste início de milênio já foram registradas quatro secas severas em menos de um quarto de século, cada uma batendo recorde em relação à anterior.
O climatologista Carlos Nobre, uma das maiores referências no mundo sobre mudanças climáticas e um dos primeiros cientistas a alertar – ainda nos anos 1990 – para o ponto de não-retorno da Amazônia, falou da influência do aquecimento global sobre a capacidade de regeneração da floresta. Segundo ele, mesmo que os esforços para conter o desmatamento, recuperar a cobertura florestal com restauração de espécies nativas e criar uma bioeconomia de soluções baseadas na natureza para as comunidades que vivem do bioma, a Amazônia não estará a salvo, pois as mudanças climáticas também empurram para o “tipping point”.
“A Amazônia é o lugar que será mais atingido com o aumento da temperatura”, reiterou. “Esse é o desafio global, precisamos não deixar a temperatura passar de 1,5°C (acima da média desde a revolução industrial) ”, afirmou Nobre, referindo-se à meta de contenção do aquecimento da Terra até 2030, acertada no Acordo de Paris, assinado em 2015.
No entanto, disse o cientista, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, na sigla em inglês) apresentadas pelos países nas últimas duas conferências do clima (COP 27 e 28) indicam que a temperatura média global estará 2,4°C acima da média em 2030.
Carlos Nobre observou ainda que uma das consequências de a Amazônia passar do ponto de não-retorno é o “enorme risco” de epidemias e pandemias devido à degradação da interação entre microrganismos (vírus, bactérias, protozoários, etc.) que habitam a floresta. “Se passar do ponto de não-retorno, a Amazônia vai gerar inúmeras pandemias em todo planeta”, alertou.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, acrescentou que a emergência climática afetará mais a humanidade que a natureza em si. “Não se trata de salvar o planeta, mas a nossa espécie”, frisou.
Assista ao webinário SBPC debate o futuro da Amazônia na íntegra pelo canal da SBPC no Youtube
Janes Rocha – Jornal da Ciência